8 de jan. de 2021

Misterioso assessor especial do general Pazuello foi denunciado por grilagem em terra com demarcação fraudada

0 Misterioso assessor especial do general Pazuello foi denunciado por grilagem em terra com demarcação fraudada POR LÚCIO DE CASTRO · PUBLICADO 08/01/2021 - 14:00 Proprietários de terras denunciadas por grilagem. Políticos conhecidos e influentes beneficiados. Justiça morosa e processos arquivados ao fim. Isenção fiscal. Arrecadação de milhões com venda de parte da produção para o estado. É uma sequência com a cara do Brasil. Formando cadeia que pode resumir o “empreendedorismo” e a estrutura que gera fortunas. Na cadeia em questão acima citada, de acordo com denúncia do Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR), todos os itens dizem “presente” nas terras de Aírton Antônio Soligo, o Aírton Cascavel, o amigo de fé e braço direito do general Eduardo Pazuello no ministério da saúde. Dono de um pedaço generoso de terras em Roraima, estado onde fez sua vida política e aprofundou os laços com o general de confiança de Jair Bolsonaro à frente do combate ao corona vírus. Acusado em ação do MPF-RR por grilagem da “Fazenda Brasilândia”, região do Bom Intento, zona Rural da capital Boa Vista. Filho de Romero Jucá também aparece entre os grileiros da Fazenda Brasilândia ao lado de Cascavel Parte da Gleba Murupu. Juntos na empreitada estão outros políticos, além de herdeiros e poderosos, como Rodrigo Jucá, filho de Romero Jucá, o senador que ficou eternizado com o epíteto do golpe de 2016, “com supremo, com tudo”. Cada um com seu quinhão de terra, fruto, conforme o MPF-RR, de “uma verdadeira sequência de atos administrativos, praticados pelos gestores e servidores do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no sentido de beneficiar os supostos proprietários do imóvel, uma vez que foi concedido título de propriedade irregular, de área de propriedade da União e que não estava ocupada de fato”. Denúncia do MPF-RR fala em “fraude na demarcação da área” A ação destaca ainda que, com “o intuito de beneficiar personagens do esteio político roraimense”, os gestores do Incra fraudaram a demarcação da área que viria a ser de Rodrigo Jucá, Aírton Cascavel e outros, no total de 15 denunciados: sendo o limite máximo permitido em lei para titulações do tipo de 500 hectares, a Fazenda Brasilândia ficou com 2.400 hectares. Imagem de parte da Fazenda Brasilândia Conforme a declaração de renda de Aírton Cascavel apresentada na justiça eleitoral para candidatura de deputado federal em 2018, seu lote na Fazenda Brasilândia é de 15%. Com o empurrão do Incra, com tudo, Rodrigo Jucá tem 25%. Pela investigação do “Núcleo de Combate à Corrupção do MPF em Roraima”, a cadeia de “ilícitos” teria começado em 1995 com o processo de regularização fundiária do Incra para propriedade 13394, no caso, a Fazenda Brasilândia. A partir daquele ano, abre-se a citada “sequência de atos administrativos praticados pelos gestores e servidores do Incra no sentido de beneficiar os supostos proprietários do imóvel”. Cadeia de irregularidades A peça do MPF segue enfileirando cronologia de irregularidades ocorridas na passagem de posse da Fazenda Brasilândia: “Em 2009, com o atraso no registro do imóvel – que só ocorreu em 2004 –, o gestor do Incra à época liberou as cláusulas resolutivas e autorizou irregularmente a alienação do imóvel em prazo inferior a dez anos – vedação prevista no artigo 189 da Constituição Federal, em Norma de Execução nº 29 do Incra, e em cláusula do contrato de alienação da fazenda. A intenção era dar aparência de legalidade à evidente grilagem de terras, proporcionando a exploração imobiliária, que está comprovada pelas alterações no registro do imóvel. Apenas trinta dias após a liberação das cláusulas, o imóvel foi revendido aos demais requeridos desta ação, nas proporções constantes da averbação R-5-26864 da Matrícula n° 26.864, referente à Fazenda Brasilândia, e daí em diante são observadas outras averbações, todas imobiliárias, demonstrando claramente a intenção de exploração das terras irregularmente extirpadas da União”, destaca outro trecho da ACP”, explica a peça. Vale a pena entender o contexto histórico da estrutura fundiária do estado de Roraima para saber por qual razão o ano de 2009 não é aleatório para que Aírton Cascavel, Rodrigo Jucá e os demais denunciados só tenham aparecido como proprietários a partir de 2009, como afirma a denúncia do MPF. Por ter deixado de ser território apenas em 1988, Roraima tem distinta estrutura fundiária em relação a outros estados da Amazônia Legal. Se nesses demais estados existe um histórico de sequência possível de ser rastreada na cadeia de donos que se sucedem em cada terra, (e a “grilagem” se dá nesses lugares exatamente com a falsificação dessa cadeia de proprietários), em Roraima o rastreamento é mais complexo. Até 1973, as terras em Roraima eram as chamadas “terras devolutas”, ou seja, não tem proprietário. Em plena ditadura militar, se inicia uma discriminação dessas terras, inaugurando processo de reforma agrária do então território mas que obviamente não privilegiava o trabalhador rural. Em 1983, esse processo de “catalogação” é concluído e as terras de Roraima são divididas em 28 glebas. Entre elas está a “gleba Murupu”, que abriga hoje a Fazenda Brasilândia. No entanto, a legislação que regulou todo esse processo tinha lacunas como a não previsão da transferência de terras, até então da união, para o estado, até porque até 1988 não era um estado. Somente em 2009, com uma nova lei, o já estado de Roraima se adequa e fica apto a receber essas terras da união. Ano que coincide com a data em que a “gleba Murupu” ganha novos proprietários. Mais uma vez a lei, que estabelecia restrições para a transferência de terras da união para o estado, é driblada. Entre as condições para transferir, estavam normas e pré-condições como projetos de assentamento, unidades de conservação, preservação, uso ambientalmente sustentável e exigência de indicação de georreferenciamento. Das 28 glebas citadas anteriormente que compunham a totalidade das terras de Roraima, oito foram transferidas da união para o estado. Entre elas a Murupu. Ficando aptas a que o estado fosse autônomo para transferir para proprietários privados. Como de fato, nesse contexto, ocorreu, como já citado, a transferência da Gleba Murupu. MPF afirma que propriedade de Cascavel e Jucá tomou terras indígenas e de unidades de conservação Porém, de novo as tais condições impostas para transferência na nova lei de 2009 não são cumpridas. E é assim que, em 2012, o MPF-RR entra com ação, tendo o Incra como réu, para anular a transferência dessas oito glebas, entre elas a Murupu e aponta que não teria sido feito o processo de separação de terras indígenas, unidades de conservação e projetos de assentamento. Ou seja, além de apontar que as terras de Airton Cascavel, Rodrigo Jucá e cia são griladas, o MPF ainda afirma que tomaram terras indígenas e unidades de conservação. A data de 2009 como a de aquisição da Fazenda Brasilândia por Cascavel e cia é chave para o entendimento da questão da Gleba Murupu. De um lado o MPF fala em “sequência de atos administrativos praticados por servidores do Incra” para sedimentar a fraude. Do outro, no processo da justiça, a defesa de Cascavel e dos demais é taxativa ao apontar 2009 como o ano de compra da propriedade. A Agência Sportlight de Jornalismo encontrou documentos que mostram o assessor especial do general Pazuello no ministério da saúde como produtor nas terras da Fazenda Brasilândia já antes de 2009. Uma edição do diário oficial do estado de Roraima tem a publicação de um decreto determinando que, por dez anos, a partir daquela data, “ficam concedidos os incentivos fiscais dispostos na Lei nº 215, de 11 de setembro de 1998, ao Senhor Airton Antônio Soligo, na qualidade de produtor rural com atividade de cultivo de manga na “Roraima Agrofrutas”, (área de 150 ha), localizada na Rod. RR 321, Km 4, Gleba Murupu, Zona Rural, no Município de Boa Vista/RR.Art. 2º A vigência dos incentivos fiscais tem início na data da publicação deste Decreto e dar-se-á o seu término no final do exercício financeiro do ano de 2018…”. A data do diário oficial com o decreto em que Cascavel já aparece na fazenda que só teria propriedade um ano depois: 3 de outubro de 2008. Nessa cadeia “terra denunciada por grilagem – benefício fiscal – parte da produção vendida ao estado”, essa produção vendida ao estado teve parte significativa do que é feito na Roraima Agrofrutas vendida ao governo do Amazonas. Na última década, o diário oficial daquele estado registra Aírton Antônio Soligo como responsável por vendas de polpas de frutas para o “programa de regionalização da merenda escolar-preme”, financiado pela “Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas”. Fornecedor contratado sem licitação, como mostram os registros. Os dados da secretaria do estado da fazenda (AM) tem vendas de Cascavel entre os anos de 2010 e 2014, sendo 2010 o primeiro disponível para transparência pública. Mas já em 2010, o assessor de Pazuello aparece tendo recebido ano anterior, 2009, R$ 338.230,00, atuais R$ 707.215,29 com a correção do IGP-M. Ano em que a defesa alega a aquisição da fazenda. E no qual já aparece vendendo para o governo do Amazonas. No ano seguinte, 2010, Cascavel vendeu para a merenda do Amazonas R$ 1.068.680,80, que hoje representam R$ 2.233.113,35 na correção do IGP-M. Em seu mandato como deputado federal (1998-2002), Aírton Cascavel foi ativo na bancada ruralista. E, numa época paralela ao início do que o MPF-RR apontou ter começado a cadeia de “ilícitos” no processo de regularização fundiária do Incra da fazenda Brasilândia “no sentido de beneficiar os supostos proprietários do imóvel”, o então deputado e citado pela denúncia como um dos beneficiários, participava da “CPI da ocupação de terras públicas na região amazônica” (criada em 25 de abril de 2000 e encerrada em 29 de agosto de 2001). Em 2016, trabalhadores sem-terra ocuparam parte da Fazenda Brasilândia. Os proprietários conseguiram mandado de reintegração de posse com notável rapidez. A prefeitura de Boa Vista enviou ao local um exército de servidores públicos como funcionários da secretaria de gestão ambiental (SMGA), guardas municipais e agentes de trânsito. Rodrigo Jucá já foi enteado de Teresa Surita, a prefeita na ocasião. Para impedir a entrada dos sem-terra, de acordo com denúncia dos mesmos, os proprietários cavaram uma vala em área de preservação permanente (APP) dentro da fazenda, cometendo crime ambiental. Dois dias depois da denúncia dos sem-terra, a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), instituição que poderia autorizar ou não tal supressão vegetal, enviou inspetores ao local e eles constaram o crime. Na ocasião, a Femarh lavrou multa e outras medidas por crime de supressão vegetal e de degradação ao meio ambiente. Depois de ser multado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Cascavel foi nomeado para comandar a instituição Sem preocupação com eventual conflito de interesse, em dezembro de 2018, o então interventor do governo de Roraima, Antônio Denarium, nomeou Aírton Cascavel como presidente da mesma Femarh que já havia multado o amigo de Pazuello, que no mesmo governo era secretário de fazenda do estado e gestor da intervenção. Cascavel chegou a tomar posse e exercer o cargo, mas em março de 2019, a assembleia legislativa recusou sua indicação por 14 votos a 9. O veto foi decorrente da mobilização dos servidores da Femarh, que apontaram o conflito de interesses e no dia da votação lotaram o plenário da ALERR e comemoraram com os gritos de “não vai ter licença ambiental”. Outro lado: A reportagem enviou pedido de respostas para o assessor especial do general Pazuello, Aírton Antônio Soligo, através da assessoria de imprensa do ministério da saúde junto com o pedido de “outro lado” para a segunda da série “Na teia do general”. Assim como na primeira reportagem, na atual, a assessoria solicitou para a Agência Sportlight de Jornalismo informações relativas ao número dos processos. Também como fez na primeira, a reportagem prestou tais esclarecimentos e respondeu ainda que, de qualquer forma, o assessor especial do ministério era conhecedor da denúncia, já que tinha efetuado a defesa sobre o caso nas mais distintas instâncias e foros. Ainda assim, a reportagem forneceu todas as informações solicitadas. Depois de 48 horas sem resposta para tão breves questões e de ter recebido as demais informações necessárias, o ministério da saúde não enviou qualquer resposta. Ainda assim, mesmo diante da absoluta ausência de resposta, a reportagem tentou contato por mais três vezes, devidamente registradas, novamente sem resposta. O ministério, via assessoria, voltou então a pedir mais esclarecimentos sobre a reportagem. Assim, diante da evidente falta de compromisso em informar e responder, comunicamos ao ministério que a pasta, tendo em mãos todos os elementos necessários, caso não enviasse a respectiva resposta, que iríamos publicar a reportagem. http://agenciasportlight.com.br/index.php/2021/01/08/misterioso-assessor-especial-do-general-pazuello-foi-denunciado-por-grilagem-em-terra-com-demarcacao-fraudada/
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