ENTREVISTAS >> André Torretta
Classe C chega com tudo, em suaves prestações
08/07/08 - Por Laerte Kalid
André Torretta, 43 anos, sócio-diretor da A Ponte Consultoria e Planejamento, publicitário, consultor oriundo do marketing político onde conheceu a classe C brasileira ao trabalhar com pesquisa e análise mercadológica em 20 estados do Brasil. “A pesquisa orientada para o mercado permite relacionar as peculiaridades do comportamento da população, as variações de sua origem e os hábitos de consumo diferenciados daí resultantes”.
O trabalho direcionado ao comportamento do consumidor levou André Torreta para o exterior, também, aplicando sua experiência em consultoria para a Classe C em países muito diferentes como Bolívia, Argentina e Portugal.
Fecomercio – A consultoria A Ponte faz um trabalho globalizado?
André Torreta – Em todos os países que atuamos e em cada cidade brasileira foi desenvolvido um método que leve em consideração o aspecto regional. Então, a resposta é não. Todo trabalho é voltado, justamente, para identificar as singularidades e os hábitos próprios do grupo analisado. Assim, as soluções profissionais seguem as pegadas da regionalização dos conceitos.
Fecomercio – Para evitar um choque cultural?
André Torreta – Sobretudo uma inadequação do uso das ferramentas de trabalho. Todos os modelos de comunicação e marketing foram desenvolvidos em países de primeiro mundo, o que é um choque nos outros países. A revista Exame mostrou que 66% das ações de marketing deram errado. Por esse aspecto, também, o entendimento dos mercados das classes C, D e E escapa por entre as mãos dos empresários.
Fecomercio – No comércio brasileiro quem foge dessa inadequação?
André Torreta - A Casas Bahia fez um modelo de negócio voltado para seu público e comprou uma fabrica de móveis para atendê-lo dentro de suas particularidades econômicas e sociais. Mas, é pouco. No Brasil, só a Casas Bahia aceita amplamente pessoas não bancarizáveis. É uma outra lógica.
Fecomercio – “Não bancarizáveis”?
André Torreta - Pessoas sem condições de movimentar uma conta corrente, dentro do padrão bancário brasileiro atual. Eis um padrão de Primeiro Mundo em uma região de Terceiro Mundo. Só agora, se fala da chegada de um banco destinado às pessoas não bancarizáveis, o Banco Asteca, do México.
Fecomercio – Chegou a hora das mudanças, de compreender os incompreendidos?
André Torreta – Na verdade, passou da hora. Afinal, os mercados de Classe C, D e E estão lá, prontinhos para serem rentabilizados. Um tremendo desperdício econômico, sem dúvida. Mas, as mudanças começaram. Várias empresas grandes estão desenvolvendo estudos para lidar com esses consumidores.
Fecomercio – Dê um exemplo recente já no mercado.
André Torreta - A Classe C, por conta de educação e alimentação deficientes, eles lêem e não entendem. As TVs a cabo estão tirando as legendas e dublando. O mesmo ocorre no cinema. Isso é a Classe C chegando ao mercado. Outro exemplo. Os supermercados fazendo lojas menores nos subúrbios para facilitar o acesso de quem não tem carro.
Fecomercio – O Brasil é mesmo uma terra de contrastes. Desperta, ao mesmo tempo, para os mercados de alto luxo e da Classe C?
André Torreta – Na verdade, a imprensa está deslumbrada com o descobrimento da Classe C. Mas, a classe C está aí há 500 anos, os executivos não enxergavam isso. Vender para os ricos, se vende. Os ricos estão comprando. Mas, e depois? Quem vai comprar mais e mais é a Classe C.
Fecomercio – Por que um país de terceiro mundo demora em ‘achar’ sua Classe C?
André Torreta – O grande varejo cresceu, no mundo todo, por meio da classe média. Vai demorar a se adaptar para essa realidade. Essa é a oportunidade das empresas de pequeno e médio porte, porque esse empresário fala diariamente com a população de classes E, D e C.
Fecomercio – E quem está desperdiçando a sorte grande no Brasil de hoje?
André Torreta – Vou dar um exemplo fora do comércio. Vou falar da indústria do entretenimento. O cinema da Índia tem Bollywood, a Nigéria tem a terceira indústria de cinema do mundo, ambos com uma cadeia produtiva claramente popular. E o cinema brasileiro é feito para a classe A e reclama dos baixos resultados, atribuindo a causa ao nível educacional, ao baixo poder aquisitivo do consumidor e da falta de investidores.
Fecomercio – Vamos falar sobre como vender para a Classe C. No que o comércio deve capacitar-se para conquistá-lo?
André Torreta - O atendimento tem que ser mais didático. O consumidor da Classe C quer saber mais dos benefícios do produto, pois sua compra tem maiores implicações. Ele não pode errar, desperdiçar o investimento do seu dinheiro “contado”. E atenção no método explicativo! As palavras-conceito são complicadas, por causa do vocabulário deficiente. O que vale é descrever a funcionalidade, a manutenção e as vantagens comparativas de produtos e serviços.
Fecomercio – Não é só uma questão de preço.
André Torreta - Muitas vezes o consumo local evita o constrangimento que o morador da periferia tem em locais badalados. Esse consumidor prefere comprar em locais amigáveis com uma arquitetura que agrada a Classe C. O Bradesco não tem porta giratória para não inibir o consumidor de classes C, D e E. A porta giratória é um bloqueio para selecionar. O mais pobre se sente constrangido, porque ele teme a possibilidade de ser barrado. O comércio para esse grupo é abertura, portas grandes, acessibilidade, se sentir bem dentro daquilo.
Fecomercio – Entra em cena a distribuição...
André Torreta – Sim! O morador de Capão Redondo dificilmente irá ao shopping center em bairros nobres. Nesse caso, trazer as lojas para as regiões mais distantes é uma boa estratégia. A capilaridade nos bairros de Classe C tem que aumentar. Ninguém quer comprar longe. Pagar R$ 5,00 em transporte para realizar uma compra de R$ 80 é caro, proporcionalmente.
Fecomercio – Como o grande varejo pode maximizar o lucro com a Classe C?
André Torreta – Nesse caso, a vendagem altamente lucrativa precisa ser realizada em grande escala. Esse é o nó. Além disso, o crédito é fundamental, as parcelas mínimas são necessárias e a entrada não pode ser cara.
Fecomercio – A inadimplência não atrapalha essa faixa de mercado?
André Torreta - O Banco Asteca dá um bom exemplo, ao capacitar o cliente para o consumo. O banco mexicano empresta R$ 50 na primeira vez. Honrou o compromisso, empresta R$ 100 na segunda vez. E vai aumentando o valor do financiamento conforme a resposta do cliente. O consumidor é treinado para lidar com o empréstimo e a responsabilidade. O México e a Índia fazem muito isso, o que é pouco desenvolvido no Brasil.
Fecomercio – Sua empresa tem uma especialização para lidar com a Classe C. O que vocês fazem atualmente?
André Torreta - Temos 50 pessoas filmando e fotografando tudo na periferia. As lojas, as baladas, as ruas, os consumidores. São entrevistas, observações e contatos com líderes de comunidades na periferia de São Paulo, Pernambuco e Salvador. E estou implantando essa prestação de serviços em Ribeirão Preto e Campinas.
O ACESSO DA CLASSE C AO TURISMO - Parte 4
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