25 de out. de 2011

TRANSFORMAR CABO VERDE NUMA ZONA FRANCA CULTURAL por Olavo Correia

A ECONOMIA DA CULTURA - TRANSFORMAR CABO VERDE NUMA ZONA FRANCA CULTURAL



Cabo Verde tem potencial para desenvolver o cluster da cultura e transformar-se numa “Nação cultural”. A cultura pode desempenhar um papel cada vez mais determinante na promoção de Cabo Verde como destino turístico de qualidade. Os interesses de turistas são, por definição, voláteis. Por isso, a oferta turística de qualidade e a sua inovação são cada vez mais determinantes para criar procura turística de forma sustentada. A cultura é parte do sistema turístico, quer ao nível da atracção, quer como elemento do ambiente e do contexto. A cultura pode ser, seguramente, uma das maiores atracções turísticas de Cabo Verde, o marco da autenticidade, da originalidade e da diferença



“A vida sem cultura é uma espécie de morte lenta”






O turismo e a cultura geram, a nível mundial, uma receita anual de US$ 3,4 triliões, ou seja, 11% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. A taxa de crescimento atinge 6% ao ano, contra um crescimento da economia mundial de 5%. Segundo dados do Banco Mundial, só a economia da cultura representa mais de 7% do PIB mundial (2003) e o comércio internacional de produtos e serviços culturais movimenta mais de U$400 biliões. Nos Países em vias desenvolvimento, as receitas obtidas do turismo representam mais de 10% da receita total e mais de 50% do valor auferido com as exportações.



O sector cultural e criativo contribuiu, em 2003, com 2.6% do PIB da União Europeia, mais do que os sectores do imobiliário e produtos alimentares e bebidas, revela o estudo intitulado ”A economia cultural na Europa”, encomendado pela Comissão Europeia à empresa KEA, European Affairs, surpreendendo muita gente. Em Portugal o sector da cultura contribui com 1,4% do PIB (o imobiliário 0,6%) para uma média europeia de 2,6%, sendo que na Finlândia, Dinamarca, Noruega e França o contributo da cultura ultrapassa os 3%.



A Europa, por exemplo, conta com cerca de 15% do turismo cultural no bolo total do turismo, sendo a segunda maior região do mundo em gastos em bens e serviços culturais, média e entretenimento. Trata-se de um sector que cresce a taxa de 7% ao ano, gerador de emprego flexível, móvel, qualificado e assente na liderança de projectos, remata ainda o estudo. Há uma procura enorme no plano internacional por uma cada vez maior diversidade cultural, indicativo do consumidor pós-moderno que procura ele próprio a diferenciação, apropriando-se de valores que marcam produtos específicos e autênticos.



O turismo cultural e a economia da cultura têm crescido, enormemente, nos últimos anos. Dados apontam para valores acima dos 6% e reflecte uma nova tendência na dinâmica das economias, justificando o conteúdo do artigo 1º da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO, que diz que a diversidade cultural é tão necessária para a humanidade, assim como a biodiversidade é para a natureza. Não é de qualquer iguaria que o humanismo esclarecido e exigente se alimenta. Tem que haver qualidade, tem que haver diversidade.



Estes factos espicaçam a nossa mente e eleva a importância da criação e o papel da cultura enquanto sector económico de enorme potencial, abarcando o cinema, média, sectores criativos como a publicidade, turismo cultural e o sector tradicional das artes.



Cabo Verde, como pequena economia insular, deve reconhecer a importância da identidade cultural das suas populações e da sua interacção com o mundo, como determinantes para o seu processo de desenvolvimento. O contexto de crise por que passa o mundo reforça ainda mais esta evidência. Trata-se, claramente, da necessidade de assumir a promoção da indústria cultural e criativa, enquanto factores relevantes de criação de oportunidades e de incentivo ao crescimento económico, nos planos regional e nacional. A cultura deve ser assumida na sua dupla função: cultura para a educação e cidadania e cultura para a promoção do desenvolvimento. O selo da cultura tem de constar do processo de desenvolvimento.



A indústria cultural e criativa é uma das áreas onde as pequenas economias insulares apresentam vantagens comparativas relevantes. Este activo garante a diversificação dessas economias, alavanca as capacidades exigidas para garantir o ajustamento constante imposto pela economia global e impõe o ritmo do seu desenvolvimento. Essas economias podem ser mais competitivas se utilizarem a cultura para promover a criatividade, a inovação social, a capacidade de gerar novas ideias, os talentos e uma visão criativa baseada na cultura.



As pequenas economias insulares são interpeladas a elegerem, neste quadro, algumas prioridades e compromissos, desde logo: (a) Garantir o desenvolvimento de uma política cultural nacional, criando um quadro legal de suporte às indústrias culturais e criativas nas áreas como a música, arte, literatura, gastronomia, moda, festivais, teatro, filmes, desporto e turismo cultural; (b) Desenvolver medidas de protecção do ambiente e contexto naturais, do património cultural tangível e intangível, assim como a afectação de recursos para a promoção das iniciativas nacionais e locais; (c) Criar a capacidade institucional para defender, promover e divulgar os produtos culturais e a protecção da propriedade intelectual, e (d)desenvolver capitais de risco e fundos de incentivo à cultura, facilitando o acesso ao crédito por parte de pequenas e médias empresas e das iniciativas individuais.



Desde os clássicos que a cultura tem sido uma preocupação da ciência económica. Adam Smith e David Ricardo chegaram muito cedo à conclusão de que a arte produz externalidades positivas, isto é, que a arte e, de um modo geral, a cultura produz efeitos benéficos na economia de outras actividades, dos quais o turismo é o caso mais evidente. Alfred Marschall descobriu que o princípio económico de utilidade marginal crescente funciona plenamente no consumo cultural.



Ainda assim há muita resistência em analisar a cultura na perspectiva económica, como investimento com retorno garantido. Alguém já dizia que se tivéssemos estatísticas sobre a importância económica da cultura, todos os países investiriam neste sector. A cultura continua a ser vista como custo e não como benefício, o que castra, sobremaneira, a nossa imaginação quanto ao seu potencial económico. Trata-se de um veículo potente de exportação do “way of life” e do sonho de um País. Temos de vencer esta rocha e libertar-nos desta armadilha. É um imperativo de desenvolvimento. A quantidade de jovens hoje confrontados com o drama do desemprego assim o exige.



A indústria turística pode ser o pilar determinante de desenvolvimento das pequenas economias insulares. E de Cabo Verde, também. Existe uma intensa competição à escala global em como fazer do sector do turismo o motor de desenvolvimento dessas economias, constituindo um grande desafio aos decisores políticos. Estudos realizados para o caso das Maurícias apontam para a evidência empírica do impacto relevante das diferentes formas de despesas culturais no crescimento do turismo e uma correlação muito forte entre o crescimento na indústria turística e a cultura, reforçando que a afectação de recursos à cultura deve estar, nomeadamente, ao serviço do crescimento económico e da indústria turística.



Cabo Verde, não obstante necessidades evidentes e urgentes em termos de qualificação e construção do destino, oferece já vários pontos de atracção turística em termos de hotéis, acessibilidades, praias e a riqueza cultural.



Não se vislumbra, contudo, uma politica cultural coerente, estruturada e ao serviço do desenvolvimento do País. Cabo Verde não tem uma política cultural voltada para o desenvolvimento. Como desenvolver estratégias alternativas e garantir a competitividade do destino? Que papel a cultura pode desempenhar? Não conhecemos uma resposta estruturada. E é grave. Não há investimento no sector. Afectamos ao sector da cultura, de acordo com os dados do orçamento para 2009, apenas 0.36% do orçamento de investimento. O orçamento global é de cerca de 0.2% do PIB, dos quais 90% é financiado através de donativos. Luxemburgo investe 0.5% do PIB, o dobro. Brasil propõe investir 2% do orçamento. Actualmente investe 0.6%. As Maurícias investem cerca de 1% do orçamento na cultura. Cabo Verde tem de atingir, rapidamente, esta fasquia, investindo pelo menos 1% do orçamento na cultura, assumindo a recomendação das Nações Unidas. Para além de um orçamento capaz, é preciso uma administração hábil, reformulando a administração das instituições de cultura.



O potencial económico da interacção entre a cultura e o turismo não é explorado, em Cabo Verde. Nem quantificado. Qual é o impacto da cultura no crescimento do turismo em Cabo Verde? Ninguém sabe. Qual o peso da cultura no PIB? Não temos este dado. Qual o impacto das actividades culturais nos sectores da agricultura, telecomunicações, hotelaria, financeiro, etc? Não há resposta. O anúncio feito recentemente pelo Ministro da cultura de que está à procura de um financiamento para um estudo sobre a economia da cultura sabe a pouco. Não temos um programa instituído de incentivo à cultura, com a finalidade de mobilizar recursos e aplicá-los em incentivos a projetos culturais que concretizem os princípios da Constituição, da estratégia para a cultura e da convenção sobre a protecção e promoção da diversidade das expressões culturais, da UNESCO, da qual Cabo Verde é país signatário.



Cabo Verde tem potencial para desenvolver o cluster da cultura e transformar-se numa “Nação cultural”. A cultura pode desempenhar um papel cada vez mais determinante na promoção de Cabo Verde como destino turístico de qualidade. Os interesses de turistas são, por definição, voláteis. Por isso, a oferta turística de qualidade e a sua inovação são cada vez mais determinantes para criar procura turística de forma sustentada. A cultura é parte do sistema turístico, quer ao nível da atracção, quer como elemento do ambiente e do contexto. A cultura pode ser, seguramente, uma das maiores atracções turísticas de Cabo Verde, o marco da autenticidade, da originalidade e da diferença. Não será difícil para os cabo-verdianos que aprenderam, desde muito cedo, a ser e a existir com os outros. Para além da paisagem, do sol, das praias, a nossa cultura pode figurar como vector de projecção da imagem de Cabo Verde no mundo, sobretudo quando o conhecimento da história e da cultura representa um motivo que justifica as viagens de turismo realizadas pelos europeus.



As redes, as rotas e a lusofonia podem garantir uma inserção de Cabo Verde no mundo a partir da sua dimensão e potencialidade culturais. Esta rede deve poder perpassar as bibliotecas, os teatros, os museus, os centros culturais e os criadores e promotores de cultura. A Cidade Velha, candidata a património da humanidade, foi, por exemplo, o primeiro entreposto negreiro da época moderna. Temos activos que nos permitem esta integração. Integrar a rota internacional de cidades portos negreiros, das navegações inter-atlânticas, dos monumentos e sítios, dos museus da tragédia, da música, do artesanato e das festas tradicionais catapultava Cabo Verde para um outro patamar de desenvolvimento. Cabo Verde tem de pertencer, ainda de forma mais activa, à rede internacional dos debates da cultura. Esta rede deve trabalhar no sentido do estabelecimento de novos acordos internacionais permitindo que o mercado da cultura deixe de ser estritamente mercantil.



Cabo Verde pode ambicionar ser um centro de eventos culturais, juntando-se à rede de centros culturais mundiais nos domínios da música, teatro, cinema, entretenimento, artesanato, design, moda, arquitectura, publicidade, literatura, livro, jogos de vídeo, média, Imprensa, rádio, TV, turismo cultural, espectáculos ao vivo, artes visuais, património, gastronomia, etc. Uma pitada de tudo.



Cabo Verde tem potencialidades para ser uma Zona Franca Cultural. Um País onde os bens culturais circulam livremente, no global e interno, criando as condições infraestruturais e integrando as ilhas e regiões com as suas potencialidades e especificidades no circuito cultural. A política fiscal pode ser um valente instrumento. Esta deverá ser uma meta a atingir, sobretudo quando a conjuntura externa é amplamente favorável aos produtos culturais cabo-verdianos. Ela exige, também, a consolidação dos mercados já conquistados, a identificação e a conquista de novos mercados e a internacionalização dos nossos produtos, apostando na originalidade, na qualidade, na profissionalização da logística de distribuição de produtos e serviços culturais e na construção de infra-estruturas e de uma indústria de produção de qualidade. Esta estratégia demanda também um sistema de incentivo à concentração das empresas, permitindo-lhes ser mais competitivas no plano global. Ela não deve ser desperdiçada. É fundamental a valorização dos nossos criadores. Temos de começar a dar aos criadores a mesma importância que concedemos nomeadamente aos engenheiros, médicos economistas e juristas.



A cultura tem de ser encarada por todos os actores sociais e políticos, a começar pelos órgãos de soberania, como um sector estratégico. Os incentivos existentes nomeadamente a isenção na importação de equipamentos musicais e o incentivo às casas de cultura e de espectáculos são manifestamente curtos e ineficientes. Os sistemas de apoios existentes não definem as prioridades, não têm uma estrutura clara de funcionamento e nem controlo social. Como tem sido a intervenção do sector privado no financiamento da cultura? Fez-se algum balanço? Em que pé é que está o mecenato empresarial? A renúncia fiscal que passou de 39% para 32.5% tem sido atractiva? É o melhor mecanismo? Ela não deveria atingir os 90%, como é prática noutros Países. São questões que merecem resposta. Não se conhecem os incentivos reais e efectivos à criação artística, à promoção da organização e do espírito de joint venture no sector cultural, a aposta na investigação, na educação artística e na formação, bem como na promoção nacional e internacional da cultura cabo-verdiana. Não podemos permitir, no quadro da lei do mecenato, a concentração de recursos em função apenas de interesses privados, pois esses recursos são também públicos. Por isso, faz sentido a criação de um fundo de incentivo à cultura e uma gestão partilhada da mesma entre o sector público, privado, sociedade civil e criadores. Deve se criado um Conselho nacional de incentivo à cultura que garanta que os projectos financiados cumprem com os objectivos do plano nacional de cultura que, também, deve ser aprovado. O Ministério da cultura deve ser fortalecido.



Falta, no fundo, um programa operacional, urge a protecção efectiva dos direitos de autor e propriedade intelectual. Importa sobretudo a criação de uma sociedade para o desenvolvimento da cultura capitalizado com recursos públicos e privados e especializada na promoção da cultura. Esta sociedade permitiria também o surgimento e o desenvolvimento de uma rede de pequenas e médias empresas actuando a montante e a jusante do sector da cultura. Precisamos de um programa de valorização dos nossos criadores equiparando-os a qualquer profissão de relevo no País e exigindo ao mesmo tempo profissionalismo. Se existem 40 milhões para o computador crioulo e português, não podemos falar da falta de recursos, mas sim da falta de estratégia e do não reconhecimento do papel que a cultura pode desempenhar.



Cabo Verde registou, em 2008, 333.354 estadias em estabelecimento hoteleiro. Podemos atingir 1 milhão, antes de 2015. Não se trata de nenhum exagero, se olharmos Cabo Verde de fora para dentro. A crise é conjuntural. Esses números representam qualquer coisa como 0,1% do mercado global, que regista, actualmente, mais de 800 milhões de turistas e dados apontam para 1,6 biliões, em 2020. As ilhas Canárias, p.e., com 1.8 milhões de habitantes, acolheram, em 2005, 11 milhões de turistas. Trata-se de um mercado com dimensão, propensão e poder aquisitivos ilimitados face à nossa capacidade de oferta. Podemos, assim, exportar tudo cá dentro, desde que tenha qualidade: música, espectáculos, manifestações culturais, festivais, artesanato, artigos de moda, culinária, pintura, literatura, produtos agrícolas e serviços diversos.



Fazer da cultura e dos seus agentes um verdadeiro factor de promoção da cidadania e do desenvolvimento económico e social é um desafio estimulante. Exige estratégia. Não rima com actos e acções avulsas.



Cabo Verde como zona franca cultural é um sonho para ser tornado realidade. Esta é uma matéria para um debate de urgência no Parlamento entre o Governo e as oposições, com a intervenção da sociedade civil. A cultura é tão importante como os transportes, a corrupção, os TACV, as infra-estruturas e as nossas localidades. Acredito no bom senso de todos. E, sobretudo, na cultura.



Olavo Correia - autor da materia publicada em 20/04/2011
http://liberal.sapo.cv/
 Cabo Verde -Africa. O pais pertence a Comunidade dos Paises de Lingua Portuguesa-CPLP
http://www.cplp.org/  fotos obtidas no portal
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