Reportagens Especial Revista Aeromagazine 209
Emergentes frente a frente
Comparativo entre Brasil, China e Rússia revela mais diferenças do que semelhanças na aviação dos três países que se consolidam como potências globais também no setor aéreo
Por Edmundo Ubiratan, de Moscou e Janaína Silveira, de Pequim
A emergência econômica dos chamados países-baleia será lembrada como um marco histórico deste início de século. A expressão BRIC, cunhada pelo economista Jim O´Neill para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, que hoje ocupam um quarto da superfície terrestre do planeta e detêm mais de 40% da população mundial, terá seu espaço garantido nos livros didáticos do futuro. Os quatro países experimentam, há cerca de uma década, um crescimento econômico exuberante, o que os coloca em condições de rivalizar com as grandes potências mundiais, podendo até ofuscá-las nas próximas décadas, sobretudo diante dos reflexos da atual crise mundial, iniciada em 2008. No setor aéreo, porém, o bloco apresenta mais diferenças do que semelhanças, embora todos chamem a atenção do mundo por sua pujança.
Nesta comparação – em que excluímos a Índia, por ter uma aviação ainda inexpressiva na comparação com seus pares, apesar de ter feito mais de 30% dos pedidos de aviões durante o último Paris Air Show –, China, Rússia e Brasil medem forças nos quesitos “aviação comercial”, “indústria aeroespacial”, “infraestrutura aeroportuária”, “aviação militar” e “aviação executiva”. A briga é boa, mas mostra que os brasileiros ainda têm muito a evoluir, mesmo com os recordes de crescimento no transporte aéreo regular, a força da Embraer e a grande frota de aeronaves executivas, a segunda do mundo.
RÚSSIA
A aviação comercial russa passou por profundas transformações desde o fim da União Soviética. Hoje, o país possui seis principais empresas aéreas: Aeroflot, S7 Airlines, Rossiya, Transaero, Pulkovo Aviation e UTair Aviation. Juntas, elas transportaram mais de 35 milhões de passageiros em 2010 e compõem a maior parte da frota de mais de 360 aviões de grande porte do país, com um número de encomendas superior a 350 aeronaves.
Durante o período da URSS, a estatal Aeroflot era a maior empresa aérea do mundo, com uma frota superior a 4.000 aeronaves, muitas delas experimentais e militares. Com o fim do regime comunista, parte considerável dessa frota foi abandonada em praticamente todos os aeroportos do bloco soviético, permitindo que centenas de empresários oportunistas recolhessem os aviões e montassem suas próprias empresas aéreas. Resultado: em pouco tempo, o país já tinha mais de 800 herdeiras da Aeroflot, conhecidas como “Babyflots”. Mas a maioria deixou de voar menos de quatro anos depois, todas com péssimos índices de segurança – na época, a IATA (International Air Transport Association) chegou a recomendar aos passageiros com destino à Rússia e a ex-repúblicas soviéticas que tomassem trem.
Apenas após o ano 2000, os russos começaram a restringir a criação de empresas aéreas sem índices internacionais de segurança, e acabaram com grande parte das Babyflots. Nessa última década, também, muitas companhias passaram a aposentar seus velhos aviões produzidos ainda na URSS e renovaram a frota com aviões ocidentais, em especial modelos Airbus e Boeing. Ainda assim, a opinião pública tem levado as empresas a encomendar os novos modelos produzidos pela indústria local.
Os voos domésticos e com destino à Comunidade dos Estados Independentes (ex-repúblicas da União Soviética) continuam sendo o principal mercado para as empresas russas, seguido dos voos com destino à Europa, ao Leste Europeu, à Ásia e à América do Norte. Embora não tenha grande êxito internacional no transporte de passageiros, a Rússia se destaca por suas empresas cargueiras, em especial a Volga Dnepr e a Polet Airlines, as duas maiores operadoras do Antonov An-124 do mundo. O segmento de cargas de grande volume ou peso está basicamente concentrado nas duas empresas, que exploram também outros mercados, como cargas especiais.
Um dos principais desafios da aviação civil russa é melhorar a segurança, uma vez que o país ainda registra um elevado número de acidentes aéreos. Além disso, a consolidação do mercado europeu, que tem levado a um grande número de fusões, exigirá que as empresas russas busquem formas eficientes de enfrentar os novos gigantes ocidentais. O governo russo tem apostado em uma nova estatização do setor baseada em um modelo de capital misto envolvendo Estado e investidores privados.
Airbus A319 da Aeroflot frente ao Il-96; empresa moderniza frota com modelos ocidentais
BRASIL
O Brasil assistiu na última década a um completo redesenho de sua aviação comercial, com recordes de crescimento e mudanças estruturais. Empresas tradicionais saíram de cena, surgiu o conceito low-cost, low-fare com a Gol (foto), a administração do setor passou dos militares para os civis e o país registrou os dois maiores acidentes aeronáuticos de sua história, além de viver seu pior momento com o “Apagão Aéreo”. Entre as principais companhias do país estão a TAM, que aguarda aprovação para sua fusão com a chilena LAN, e a Gol, que comprou a Webjet. No mercado regional, destaque para Trip, Azul e Avianca.
As empresas brasileiras têm investido na ampliação e modernização da frota, com encomendas somadas que ultrapassam os 300 aviões. A frota atual brasileira é de 772 aviões, composta por diversos modelos Boeing, Airbus, Embraer e ATR. Em 2010, os principais aeroportos do país tiveram um movimento de mais de 155 milhões de passageiros e mais de 883 mil operações de pousos e decolagens.
CHINA
Como tudo na China, o transporte aéreo regular também é pujante. Os chineses têm hoje 43 companhias aéreas de transporte civil de passageiros, das quais 35 são estatais e oito privadas, segundo a Administração Geral de Aviação Civil da China (CAAC, na sigla em inglês), órgão que regula o setor. Há ainda 11 empresas que atuam apenas no transporte de carga, além de outras 16 companhias criadas a partir de joint ventures com empresas estrangeiras.
A frota chinesa chega a 1.597 aviões, 180 a mais do que no ano passado. A maior parte dos aviões é de Boeing (cerca de 60%) e Airbus, mas a expectativa é a de que nos próximos anos os modelos de um corredor também sejam fabricados por outras empresas, como a canadense Bombardier e a chinesa Comac. A Embraer tem cerca de 40 jatos voando em território chinês.
As principais companhias chinesas são a China Southern Airlines, a China Eastern Airlines e a Air China, todas estatais. Em julho, o governo chinês anunciou investimentos de US$ 230 bilhões no setor nos próximos cinco anos, a fim de encorajar e consolidar sua aviação. O país deve construir novos aeroportos, além de subsidiar o desenvolvimento de unidades regionais. A ideia é que de duas a três empresas alcancem a competitividade global. Mas um dos gargalos do país hoje é a disponibilidade de pilotos. Até 2030, serão necessários 70 mil novos comandantes e copilotos.
A China Southern Airlines, baseada em Cantão, é a maior companhia aérea chinesa em volume de tráfego e a quarta no mundo. Ela opera 420 aeronaves, sendo 300 jatos, e serve 898 cidades em 169 países, incluindo destinos operados por companhias parceiras na Sky Team. A empresa é a única chinesa a atuar com o Airbus A380. A primeira aeronave já foi entregue, e outras quatro estão encomendadas. A companhia também fez um pedido de 30 jatos E-190 à Embraer.
Os 175 aeroportos chineses registraram 564,3 milhões de passageiros em 2010, crescimento de 16,1% sobre o ano anterior, segundo números da CAAC. Em 2006, o número total de passageiros nos aeroportos chineses foi de 332 milhões. Destes, 520 milhões viajaram para destinos chineses, aumento de 15,7% sobre 2009, e 44,7 milhões para fora do país, 7,9% a mais do que no ano anterior.
Ainda no ano passado, as companhias aéreas chinesas transportaram 268 milhões de passageiros, 16,1% mais que em 2009. Destes, 248 milhões fizeram viagens domésticas, um incremento anual de 14,8%, enquanto os destinos internacionais tiveram crescimento de 30,1%, chegando a 19,3 milhões de passageiros. Já o movimento de carga chegou a 5,63 milhões de toneladas, crescimento de 26,4% ante 2009. As principais cidades atendidas pela malha aérea são Pequim, Xangai e Cantão. A ligação entre a capital e o principal centro financeiro tem mais de 86 mil assentos disponíveis todas as semanas. Hong Kong é outro destino importante, considerado internacional.
RÚSSIA
A indústria aeroespacial russa passou por um desmantelamento depois da queda do regime comunista. Para conter o processo, o governo de Moscou criou uma agência estatal para controlar a venda de armamentos russos, a Rosoboronexport, e também uma holding com os principais fabricantes privados e estatais de aeronaves, a United Aircraft Corporation (UAC). Integram a UAC a Mikoyan (MiG), Sukhoi, Ilyushin, Tupolev, Beriev, Yakovlev e Irkut (que inclui a Beriev, Irkutsk Aviation Plant, Russian Avionics Design Bureau, IRKUT AviaSTEP Design Bureau e BETA AIR). A medida surtiu efeito, mas a burocracia voltou e isso tem comprometido a competitividade dos produtos russos.
Mas o país tem investido em programas para atender às próprias necessidades em um ritmo jamais visto após o fim da URSS. O mais complexo e caro programa em curso, desenvolvido em parceria com a Índia, foi criado dentro do conceito PAK FA (na tradução literal para o inglês Prospective Airborne Complex of Frontline Aviation). Trata-se do caça T-50, que deve ser finalizado nesta década.
No mercado civil, a Sukhoi desenvolveu um novo jato regional com capacidade para até 100 passageiros, o Sukhoi SuperJet 100. Para viabilizar o projeto, os russos buscaram parceiros na Europa. O resultado foi a criação de uma joint venture entre a italiana Alenia Aeronautica (51%) e a Sukhoi Holding (49%). Além da capitalização, a parceria abriu portas para o projeto. Os motores foram desenvolvidos em parceria com a francesa Snecma e inúmeros sistemas foram criados com parceiros europeus. O Sukhoi SuperJet 100 iniciou suas operações com a Armavia e acumula mais de 210 pedidos, incluindo seis encomendas por parte da americana Willis Lease Finance e 15 pedidos da mexicana Interjet.
Outro programa em desenvolvimento, assinado pela Irkut, é o MS-21, que na sigla em russo quer dizer “Airliner of the 21st Century”. Ele deverá voar pela primeira vez em meados de 2016. O MS-21 está sendo oferecido em três versões, com capacidade e alcances que o colocam como competidor dos recém-lançados A320Neo e 737MAX. Embora os dados não sejam oficiais, acreditase que o MS-21 será até 20% mais econômico do que os representantes das famílias A320 e 737NG, além de possuir custo operacional e de aquisição até 15% menor.
O maior desafio russo agora é tornar os programas atraentes no exterior. O país terá de criar não apenas aeronaves de baixo custo, mas também soluções que atendam às necessidades e às exigências de segurança do Ocidente. Até porque, lidar com as diferenças culturais e tentar entender o que acontece fora do Leste Europeu é uma meta a ser vencida pelos russos, maior do que qualquer questão tecnológica.
BRASIL
A Embraer (foto) é hoje o principal símbolo da indústria aeronáutica brasileira, produzindo aviões comerciais, executivos e militares. A empresa passou por uma completa reestruturação depois da privatização em 1994 e, menos de 20 anos depois, figura entre as maiores do mundo, sendo a terceira colocada no segmento de aviação comercial, com lucro líquido de R$ 574 milhões, em 2010. Apenas nos seis primeiros meses de 2011, a carteira de pedidos firmes da Embraer totalizava R$ 24,8 bilhões, número 3,94% superior ao de um ano atrás. Outro representante nacional de peso é a Helibras, único fabricante brasileiro de helicópteros, com mais de 500 entregas em quase três décadas e meia de existência. Controlada pelo Grupo Eurocopter, a empresa, além de vender e realizar o pós-venda, monta alguns modelos no Brasil.
A Helibras tem capacidade de produzir 30 helicópteros por ano, incluindo versões para os segmentos executivo, off-shore, governamental e militar, e já apresentou faturamentos de mais de R$ 350 milhões ao ano. Hoje, tem um contrato com o governo federal para fornecer 50 helicópteros EC 750 às Forças Armadas. O projeto prevê transferência de tecnologia entre Brasil e França e duplicação da capacidade de produção da fábrica.
Na outra ponta, a Avibrás, que já foi um dos orgulhos nacionais, hoje agoniza com uma dívida total estimada em R$ 500 milhões. Ainda no ramo de Defesa, a construtora Odebrecht assumiu o controle acionário da Mectron, uma das mais importantes fabricantes de mísseis, radares e produtos de alta tecnologia para o mercado aeroespacial, em um negócio de R$ 100 milhões
CHINA
A China pretende construir a maior indústria aeroespacial do mundo. O governo promete investir mais de US$ 300 bilhões no setor e espera enviar na próxima década o primeiro astronauta chinês à Lua. Atualmente, 33 empresas estrangeiras atuam no país em parceria com empresas locais por meio de contratos que preveem participação majoritária chinesa e transferência de tecnologia, incluindo a Embraer. Outras 13 parcerias devem estar concluídas em breve. Segundo estudo divulgado pela Boeing, a China necessitará de 5.000 novas aeronaves nas próximas duas décadas, o que deve gerar um investimento de US$ 600 bilhões.
No mercado civil, a estatal Comac (Commercial Aircraft Corporation of China), criada em 2008, já desponta como candidata a player global. O fabricante prevê a entrega dos primeiros jatos C919 no país para 2016. Segundo a empresa, que tem sedes em Xangai e Pequim, já foram encomendadas 100 unidades por empresas como a China Airlines e a China Southern Airlines. A expectativa é que no total 2.500 unidades do modelo sejam vendidas.
O avião de corredor único compete com os novos Boeing 737MAX e Airbus A320Neo. Ele também será motorizado com turbinas da CFM International. A configuração com assentos econômicos acomodará 168 passageiros. Na composição mista, serão 156 lugares. A promessa é um avião até 15% mais econômico que as versões atuais dos modelos ocidentais e com custo de aquisição até 40% menor. Entretanto, até o momento o modelo não despertou o interesse de nenhuma empresa aérea asiática ou ocidental, sendo as únicas encomendas realizadas por empresas aéreas estatais.
A Comac também fabrica o ARJ21, jato que terá entre 78 a 90 assentos, com uma autonomia de voo de 3,7 mil quilômetros. A primeira encomenda partiu da Chengdu Airlines, companhia regional chinesa. A Myanmar Airways também deverá comprar duas unidades. O cronograma de testes permanece atrasado. O ARJ-21, dizem os especialistas, mantém uma série de características idênticas aos antigos MD-80. Devido a COMAC ter produzido partes do modelo da McDonnell Douglas, o ARJ-21, que foi construído utilizando ferramental originalmente fornecidos para a produção do modelo americano, além do uso de engenharia reversa, por meio da qual se depura um produto pronto para desenvolver outro.
No setor militar, os chineses também usam a engenharia reversa. Um exemplo é o J-7, uma versão chinesa do MiG-21 russo. Outro exemplo é o caça J-10, que tem seu projeto baseado no israelense LAVI, embora conte com uma série de itens com tecnologia russa. Mas a China já faz parte do seleto rol de países com tecnologia para construção de caças de quinta geração. E o representante dessa categoria é o recém-conhecido J-20. Pouco se sabe sobre o avião. Analistas consideram que ele foi desenvolvido com base nos projetos do MiG-1.44, supostamente vendidos a Pequim. Também acreditam que parte dos materiais que atenuam as ondas do radar foi desenvolvida a partir do caça americano F-117 Nighthawk – em 1999, os chineses tiveram acesso aos destroços de um exemplar abatido sobre a Iugoslávia, e fizeram até um mockup em escala 1:1 dele, flagrado no Google Earth.
RÚSSIA
Após o colapso da União Soviética, a aviação militar russa passou por profundas mudanças. Cada país membro do antigo bloco comunista ficou com uma parte da herança do que fora uma das mais poderosas frotas do mundo. Entre 1991 e 1995, as forças armadas descendentes do Exército Vermelho assistiram a um saque sem precedentes. Arsenais inteiros desapareceram das novas Repúblicas.
Por mais de uma década, a aviação militar do país sobreviveu com a estrutura herdada da URSS e um apertado orçamento. Sem dinheiro para investir em novos programas de modernização ou ampliação da frota, os russos perderam grande parte de seu poder de dissuasão frente aos países membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em especial os Estados Unidos.
Nos últimos cinco anos, porém, o governo passou a investir de forma mais vigorosa no reequipamento e na modernização de sua aviação militar, preocupado com a real ameaça de perder sua influencia na geopolítica mundial.
O mais ambicioso projeto definido pelo Ministério de Defesa da Rússia foi o desenvolvimento de um caça de quinta geração, oficialmente batizado de Sukhoi T-50, que promete fazer frente ao Ocidente. O programa, embora tenha sofrido com incertezas, pode ser concluído e o primeiro protótipo realizou seu voo de estreia em dezembro de 2009.
O T-50 está longe de se tornar uma versão de série, mas a Força Aérea da Rússia espera que o avião esteja completamente operacional em 2015. Considerando os atrasos e a falta de recursos russos, especialistas em defesa acreditam que o T-50 esteja operacional somente depois de 2020. Ainda assim, o primeiro-ministro da Rússia, Vladmir Putin, anunciou que a Força Aérea poderá receber seiscentos caças T-50.
Embora a expectativa seja operar apenas aeronaves de quinta geração, a Rússia passou a modernizar seus caças Sukhoi Su-27, atualizando-os para o padrão Su-27SM, e também adquiriu os exemplares Su-27SM3 – originalmente produzidos para a China, transação que não se confirmou. A Força Aérea também formalizou uma encomenda para 48 Sukhoi Su-35S, considerado um caça de geração 4++.
A Rússia ainda possui uma encomenda para 32 caças-bombardeiros Su-34, dos quais apenas sete foram entregues. Restrições orçamentais ocasionaram o atraso do programa em quase duas décadas. Acreditase que após a entrega da encomenda original, um segundo lote seja encomendado, elevando o total de aeronaves para 70.
BRASIL
O Brasil adota uma política de evitar se envolver em conflitos armados, mas busca uma nova atuação na geopolítica mundial. E uma de suas principais metas é conseguir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). Ainda assim, mesmo tendo definido a END (Estratégia Nacional de Defesa), o país não consegue resolver uma série de programas de aquisição e modernização de seus meios militares.
Há mais de 15 anos se discute a compra de novos caças, o programa F-X. A concorrência, que objetiva principalmente a transferência de tecnologia, sofre com a interferência política em detrimento das necessidades militares. Na prática, o que se vê são três vetores incompatíveis dentro do aspecto técnico. Embora todos cumpram perfeitamente os pré-requisitos estabelecidos, cada modelo pertence a uma categoria diferente, além de terem filosofias operacionais completamente distintas. Apesar da ingerência política, a FAB vem conseguindo manter as modernizações de seus principais meios, como o F-5, o A-1, o Bandeirante, além de adquirir novos vetores, como o Mi35, o CASA 292 e o P-3 Orion.
A Marinha também vem modernizando seus vetores. Um dos exemplos é a recém-incorporação da torre FLIR (infravermelho) nos AH-11A Super Lynx (foto), assim como a aquisição do primeiro Super Cougar e da compra dos primeiros Sea Hawk, que substituirão os Sea King hoje em uso. Outro importante programa em curso é a modernização dos veteranos A-4, adquiridos do Kuwait, no final da década de 1990, e que sofreram com os constantes cortes orçamentários. O Exército também vem modernizando seus helicópteros e espera receber novas aeronaves.
CHINA
A China é um país com tradição militar. Sempre investiu em suas Forças Armadas e tornou-se uma das primeiras potências nucleares. Nas últimas duas décadas, porém, diante da perspectiva de se tornar a segunda potência econômica global, passou a investir ainda mais na ampliação e na modernização de seus meios militares. Adquiriram nesse período uma série de aviões e tecnologias russas, além de “copiar” outras tantas.
Ciente das dificuldades enfrentadas pelos vizinhos ex-comunistas, a China se aproveitou de seu status de nova potência para adquirir a preços bastante convidativos diversos modelos de combate Sukhoi, e tantos outros. Apenas do J-11, versão chinesa do Sukhoi Su-27 e Su-30, já são mais de 270 em serviço ativo.
Outro destaque dos chineses foi a construção de modelos próprios, como o Chengdu J-10, modelo desenvolvido a partir de tecnologias absorvidas do Ocidente e que realizou seu primeiro voo em 1998. O projeto, que tem origem ainda na década de 1980, foi uma resposta chinesa aos soviéticos, que desenvolviam as famílias Su-27 e MiG-29. O J-10 é um caça multirole, com desempenho similar a seus pares ocidentais, mas com custo de aquisição estimado entre 27 e 30 milhões de dólares. Atualmente, mais de 190 unidades estão em operação, número que pode dobrar nos próximos anos.
Apesar dos avanços com o J-10, nada se compara ao Chengdu J-20 (ou J-XX), que fez sua aparição no final de 2010 e logo chamou atenção do mundo. O novo modelo possui uma série de características stealth que o colocam no seleto clube dos caças de quinta geração.
Construído em total sigilo, o J-20 surpreendeu até mesmo as principais agencias de inteligência do mundo. Mesmo sem dados concretos sobre performance, custos, prazos e tecnologias embarcadas, os principais analistas ocidentais, e mesmo russos, não acreditam que o J-20 terá como rivalizar com os modelos F-22 e F-35. Entretanto, os chineses devem manter a milenar estratégia de vencer pela quantidade. Um hipotético combate entre a China e qualquer país do mundo se daria dentro das fronteiras chinesas, onde a Força Aérea poderia contar com um grande número de aeronaves em combate simultâneo, o que tornaria qualquer opção para o inimigo difícil e cara.
Os chineses ainda têm investido na construção do seu porta-aviões e na consolidação de sua aviação embarcada, o que tornará a China uma das três maiores potências militares do século 21. Os programas nucleares continuam ativos, embora sem qualquer dado concreto sobre novos projetos ou investimentos.
RÚSSIA
A Rússia herdou centenas de aeroportos da União Soviética e busca investir constantemente na ampliação e na modernização de cada um deles, incluindo aqueles localizados em regiões remotas. O objetivo é atender não apenas à Copa do Mundo de 2018, mas especialmente o crescimento esperado para a aviação comercial nos próximos 10 anos.
Um exemplo disso é o Aeroporto de Moscou-Sheremetyevo, localizado nos arredores da capital russa. Ele recebeu em 1980 seu segundo terminal para atender à demanda das Olimpíadas daquele ano. De lá para cá, o aeroporto cresceu em importância e hoje possui seis terminais de passageiros, dois deles inaugurados nos dois últimos anos. O Terminal C, ainda deverá passar por uma completa modernização orçada em US$ 88 milhões. O aeroporto, que recebe atualmente 25 milhões de passageiros por ano, passará a atender 40 milhões de passageiros após a conclusão das obras.
Assim como Sheremetyevo, o Aeroporto de Moscou-Domodedovo, localizado a pouco mais de 40 km de Moscou, movimentou no último ano pouco mais de 24 milhões de passageiros e também vem passando por um amplo processo de modernização e ampliação. As obras, orçadas em US$ 300 milhões, deverão elevar a capacidade para mais de 40 milhões de passageiros, e a previsão das autoridades é a de que as obras estejam completas até 2012. Domodedovo deverá ser o primeiro aeroporto russo a ter condições de receber grandes aviões como o A380 e o 747-8I.
O Domodedovo também sofreu um violento atentado no início deste ano, o que levou o governo a investir ainda mais em segurança nos principais aeroportos do país, canalizando centenas de milhões de dólares na compra de equipamentos que já estão em operação.
Em dez anos, Aeroporto de Moscou-Sheremetyevo construiu quatro novos terminais
BRASIL
Os aeroportos representam um dos principais gargalos do país. Considerados ultrapassados e pequenos demais para a demanda atual, eles sofrem com burocracia e eternas disputadas políticas. Resultado: o investimento em infraestrutura não acompanhou o crescimento do transporte aéreo brasileiro, o que vale tanto para a aviação regular como para a executiva.
O resultado são aeroportos superlotados que registram péssimos índices de pontualidade, conforto e segurança. Para piorar, entre todos os países do BRIC, o Brasil é o único sem ligação ferroviária com seus aeroportos. E é o que menos tem investido na infraestrutura aeronáutica, com gastos até 100 vezes menores do que os feitos pelos demais países emergentes do bloco. O setor espera agora solucionar parte dos problemas com a privatização de alguns de seus principais aeroportos, como Guarulhos (foto) e Brasília.
CHINA
Os investimentos da China em infraestrutura assombram. São gigantescas hidroelétricas, 500 quilômetros de metrô em cinco anos, meta de construir a maior malha para “trem bala” do mundo e os maiores e mais modernos aeroportos já construídos na face terrestre.
No setor aéreo, a China hoje possui 50 grandes aeroportos, que movimentam juntos mais de 450 milhões de passageiros por ano. Segundo as autoridades chinesas, serão construídos 97 aeroportos nos próximos cinco anos, elevando o número total de aeroportos civis para mais de 230, cobrindo 83% da população. E todas as grandes cidades terão pelo menos dois aeroportos de grande porte.
“Os investimentos na infraestrutura aeroportuária da China provavelmente serão superiores a US$ 230 bilhões nos próximos cinco anos”, afirma Li Jiaxiang, diretor da CAAC (Administração de Aviação Civil da China).
Apenas nos últimos cinco anos a China investiu US$ 38 bilhões na construção de 33 novos aeroportos, e na modernização e ampliação de outros 33, o que elevou o número total de aeroportos para 175 em 2010. A soma de investimentos em aviação entre 2005 e 2010, que superou os US$ 150 bilhões, é superior ao que o país havia investido nos últimos 25 anos.
A previsão das autoridades chinesas é que o país tenha o maior tráfego aéreo mundial até 2030. Para isso, deverão manter os investimentos na construção de novos aeroportos e na modernização dos sistemas de controle de tráfego aéreo, a fim de evitarem qualquer contratempo no crescimento projetado.
Segundo o Plano Quinquenal chinês, que vai de 2011 a 2015, a capital Pequim pode ganhar um novo aeroporto. Segundo reportagem do jornal Guardian, o novo superaeroporto teria oito pistas civis e uma militar. Os principais aeroportos chineses são conectados ao centro da cidade via trens ou metrô. Nos casos em que a ligação de se dá apenas via rodoviária, há rede de ônibus, táxi e as vias são expressas.
O Aeroporto de Pequim, por exemplo, conta com ligação via trem rápido ao sistema de metrô desde 2008. A linha de 28,5 quilômetros custou US$ 882 milhões. E o terminal 3, o mais novo do aeroporto, custou US$ 3,65 bilhões. A capital chinesa tem hoje 14 linhas de metrô, 12 das quais construídas nos últimos 10 anos. Até 2007, eram quatro linhas. Hoje, a cidade dispõe de 300 quilômetros de ferrovias, número que deverá chegar a 420 quilômetros em 2012 e a 561 quilômetros em 2015, quando a cidade deverá ter 19 linhas em operação. O investimento total previsto no sistema, segundo o governo, é de quase US$ 52 bilhões até lá.
O sistema de tráfego aéreo na China é considerado seguro, como aponta o piloto brasileiro Fábio de Almeida França. Mas enfrenta problemas com a demanda crescente. O crescimento anual de passageiros na aviação regular gira em torno de 11%. E como lembra o professor da Universidade de Aviação da China em Pequim, Zheng Xingwu, apenas 20% do espaço aéreo chinês é aberto à aviação comercial – o restante é reservado à aviação militar. Com isso, há constantes atrasos ou até cancelamentos de voos. Em 2010, a taxa de pontualidade na China ficou em 75,43%, abaixo dos mais de 80% registrados em 2009.
Nos próximos cinco anos, a China pretende investir US$ 230 bilhões em infraestrutura aeroportuária
RÚSSIA
A Rússia já tem um mercado mais consolidado do que o chinês, com uma crescente demanda por jatos de longo curso. Isso porque a lista de bilionários do país aumenta a cada ano, levando a um aquecimento do mercado de aeronaves intercontinentais. Os principais fabricantes do mundo, como Gulfstream, Dassault Falcon e Bombardier, apostam no mercado russo para vender seus modelos top de linha. Diferente do que acontece no restante do mundo, onde os aviões são ferramentas de trabalho, na Rússia ainda existe um status pessoal em possuir um bem de elevado valor.
O país deverá absorver aproximadamente 10% dos jatos de longo curso no mundo, tornando-se um dos maiores clientes nesse segmento. No outro lado, a aviação geral, composta por pequenos aviões, também vem obtendo um modesto crescimento desde o fim da União Soviética. O motivo são as longas distâncias do território russo e o elevado preço de qualquer aeronave para a maior parte dos empresários.
BRASIL
O Brasil leva vantagem na comparação com China e Rússia quando o assunto é aviação executiva. O país tem atualmente a segunda maior frota do mundo de aviões e helicópteros de negócio, atrás apenas dos Estados Unidos, com presença significativa dos principais fabricantes, tais como Embraer (foto), Cessna, Bombardier, Hawker Beechcraft, Dassault Falcon e Gulfstream, além de Eurocopter e Bell. Voam nos céus brasileiros mais de 500 jatinhos e pelo menos 1.500 helicópteros, segundo a ABAG (Associação Brasileira de Aviação Geral).
CHINA
A aviação executiva ainda é incipiente na China, que impõem restrições à propriedade particular de aeronaves. Por lei, apenas corporações ou empresas aéreas podem possuir aeronaves. Por isso, muitos empresários registram seus aviões em Hong Kong e Macau, que possui constituição e regras próprias. Acredita-se que o Partido Comunista mude as regras para uso pessoal de aeronaves ainda no próximo ano.
A China encerrou abril de 2011 com 126 jatinhos registrados, incluídas aí aeronaves das regiões especiais de Hong Kong e de Macau. O mercado ainda responde por menos de 1% da demanda mundial, mas os fabricantes estão de olho. A promessa é de crescimento. O número de bilionários no país atrai as fabricantes. Em 2009, eram 64 bilionários na lista da Forbes. Em 2010, eles chegavam a 115 pessoas. São esses os clientes no foco das empresas, embora haja espaço também para aviões menores, conforme revela relatório da Hawker Beechcraft.
A Gulfstream Aerospace detém 37% de market share, com jatos como o G450 e o G550, mas outras concorrentes estão atentas. A Dassault Falcon, que entregou três aeronaves no ano passado e deverá entregar pelo menos outras sete neste ano, abriu em maio o escritório regional asiático em Pequim. Antes, estava em Kuala Lumpur, na Malásia. A Hawker Beechcraft tomou a mesma medida.
A empresa tem presença na China há 30 anos, e seis de seus modelos têm permissão para serem comercializados no país, entre os quais o Hawker 4000 e o Hawker 900. A brasileira Embraer estuda a possibilidade de produzir seus jatos Legacy 600 e 650 em Harbin, por meio de uma joint venture que mantém com a Avic. A brasileira estima que até 2020 a China demande uma produção de pelo menos 500 jatos executivos, o dobro do que o Brasil deverá precisar no mesmo período. A canadense Bombardier projeta um cenário ainda mais promissor. Até lá, o prognóstico da empresa dá conta de que serão vendidos 600 jatos na China.
materia publicada na Revista Aeeromagazine edição 209
http://www.aeromagazine.uol.com.br/
Autoria de Edmundo Ubiratan, de Moscou e Janaína Silveira, de Pequim
Na edição original a materia possui inumeras fotos
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