12 de abr. de 2015

Parque Estadual do Cantão- Tocantins-TO, nos municipios de Caseara e Pium

A gestão ambiental faz a diferença - Cristina Ávila

Metodologia do Arpa e troca de experiências entre unidades de conservação foram essenciais para o Parque Estadual do Cantão, em Tocantins
O Parque Estadual do Cantão (PEC), no Tocantins, é um recanto de beleza e diversidade da vida silvestre considerado uma das mais importantes áreas protegidas da Amazônia Legal. A unidade de conservação tem 90 mil hectares, com características muito especiais: abriga 843 lagos, entre os 1,1 mil que se encontram no Araguaia, além de ter gestão eficiente, com resultados que o tornam exemplo para o país.
O seu ecossistema se constitui em um ecótono (transição de biomas) entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, onde vivem 44 espécies de mamíferos, 316 de aves, 22 de répteis, 17 de anfíbios, 56 espécies de peixes e 134 espécies de plantas vasculares. A preservação dessa riqueza se deve a esforços conjuntos do governo do estado e de investimentos de R$ 1,640 milhão do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), do Ministério do Meio Ambiente, em quase 10 anos, entre 2003 e 2012.

“A grande contribuição do Arpa é a possibilidade de organização das unidades de conservação; de se ter um modelo de organização”, afirma o presidente do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), órgão ambiental do estado, que gerencia o Cantão, Alexandre Tadeu.
O presidente do Naturatins diz que o Arpa ofereceu metodologia científica para administrar a unidade de conservação e também a possibilidade de seus gestores participarem de encontros nacionais com gestores de outras unidades, para que, ouvindo as soluções encontradas por eles, pudessem buscar seu próprio caminho para cuidar da biodiversidade no Tocantins.
Alexandre Tadeu cita como exemplos o modelo para a contratação de consultorias, criação do conselho consultivo com a participação da sociedade e a construção de seu plano de manejo.
“Se não fosse o Arpa, o Cantão estaria onde estava há 10 anos. Com a metodologia do Arpa, hoje temos muito mais conhecimento sobre o parque, e assim temos muito mais condições de solução para os problemas”, relata o presidente da Naturatins.
Ele cita a participação no conselho consultivo do PEC de uma organização não-governamental, a Missão Verde, que trabalha com uma empresa produtora de biocombustível e que nasceu em função do parque. Com uso das ferramentas que conheceram por meio do conselho, os dirigentes da instituição contribuíram para que famílias de assentados da reforma agrária diversificassem sua produção, criando uma área coletiva de plantio de soja para fabricação de combustível bioenergético.
“Hoje, em Tocantins, essa ONG é a principal responsável por inserir pequenos produtores dentro projeto Selo Combustível Social, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que financia essetipo de produção”, cita Alexandre Tadeu. “Vi produtores plantarem 200 a 250 hectares de soja de modo comunitário, e a empresa compra tudo, com aumento da renda em R$ 800 mensais para cada assentado, mais de 70 famílias, o que aumentou muito o seu poder de compra”.
Recursos naturais – O parque localiza-se nos municípios de Caseara e Pium. A oeste, o rio Araguaia evidencia bem a floresta amazônica. Do outro lado do rio, está o sul do Pará, com a selva já intercalada com áreas desmatadas por grandes fazendas. A leste, no Tocantins, está o Cerrado, com matas ciliares bem conservadas e com o bioma característico até as margens
do rio do Coco, que demarca a divisa do parque.
As águas do interior do Parque Estadual do Cantão são um de seus aspectos mais interessantes. Delas depende a cadeia alimentar da unidade de conservação, com o movimento das cheias e vazantes que movimentam peixes e matéria orgânica em suspensão. Há lagos, lagoas e centenas de quilômetros de furos, como são chamadas as ligações aquáticas entre os rios. Na época das enchentes, todos ficam unidos como um grande espelho d´água.
O parque é um verdadeiro berçário da vida silvestre, reduto inclusive do pirarucu, um dos maiores peixes do mundo e muito apreciado pelos povos amazônicos, o chamado bacalhau da Amazônia, comercializado no Norte do país em mantas salgadas. No PEC ele se reproduz e não pode se capturado. Como também se reproduzem em abundância os tucunarés no Cantão. Vivem no território o jacaretinga, jacaré-açu, boto, ariranha, onça pintada e aves diversas, muitas delas mergulhadoras, como os biguás e biguatingas.
Alexandre Tadeu conta que, para a proteção dessa maravilha, o plano de manejo foi fundamental. “No Cantão, o consultor morou oito meses e escreveu o plano de manejo todinho lá, se reunindo com os atores envolvidos com a reserva. Desse modo, o documento ficou bastante denso e verdadeiro”.
A diretora de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Naturatins, Nilza Verônica Amaral, diz que a consolidação do Parque Estadual do Cantão dá segurança aos parceiros que desejam implementar projetos e contribuem com a preservação da unidade de conservação.
Um desses parceiros é a organização não-governamental Instituto Araguaia. “Nós somos usuários do parque, e aqui produzimos conhecimento. A presença de pesquisadores ajuda a inibir a caça, a pesca e qualquer atividade ilegal”, afirma Silvana Campello, ecóloga criadora do instituto, junto com o marido, George Georgiadis, que representa a ONG no conselho consultivo do parque. Eles estão envolvidos em pesquisas no Cantão desde a década de 90.
Neste ano, o Instituto Araguaia assinou um termo de cooperação técnica junto ao Naturatins e a Associação Onça D´Água para desenvolver o projeto “Proteção, Uso Público e Monitoramento do Parque Estadual do Cantão”, aprovado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), para implementar o plano de manejo do PEC. O foco serão atividades de proteção, ecoturismo e atividades de geração de renda envolvendo a comunidade que mora no entorno do parque.
O Naturatins planeja abrir o parque para visitação pública até junho de 2013, obedecendo o documento que define suas regras de uso. “O Cantão é o único lugar da Amazônia que você pode tomar o café da manhã no Rio deJaneiro e no final da tarde ver um boto passeando em seu ambiente natural”, comenta George Georgiadis.
Gestão de resultados – Todas as atividades desenvolvidas na administração do Parque Estadual do Cantão são decididas e avaliadas com metodologias que visam a eficiência. Em 2008, o trabalho foi aprovado pelo GesPública, o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
O reconhecimento foi consequência do investimento feito pelo Arpa na capacitação de gestores de unidades de conservação. Por meio do WWF-Brasil, foram realizados pelo menos nove cursos de Introdução à Gestão de Unidades de Conservação, com a participação de 300 pessoas. O programa ainda financiou a participação em congressos e seminários.
“Houve uma grande mudança na cultura organizacional da gestão de unidades de conservação”, relata o técnico do Naturatins Gino Machado, ponto focal do Arpa no Tocantins. Ele é administrador de empresas e doutorando em turismo e desenvolvimento sustentável. E conta que, com a metodologia do Arpa, os profissionais aprenderam a planejar sua missão e a desenvolver todas as atividades com foco nessa missão.
Gino Machado ressalta o importante papel da agência alemã de cooperação técnica (GIZ), que capacitou gestores para lidar com comunidades. Além de financiar encontros em regiões do interior da Amazônia, por meio de seus consultores, a instituição levou técnicas que facilitam a comunicação.
“Dentro desse espírito de capacitação de gestão para resultados, as equipes recebiam orientações para melhor conduzir os conselhos e até mesmo para falar a mesma linguagem das comunidades”, conta Verônica Amaral.
A diretora de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Naturatins relata que essas oficinas do GIZ prepararam técnicos para trabalharem com as populações usando materiais alternativos. “Nesses cursos, foram abordadas diversas técnicas, até mesmo de mapas riscados no chão ou usando galho, pedra, papel grande ou papel pequeno. Faltou energia elétrica e não posso usar o data-show, o que se faz? Vai embora? Não. Além disso, também foram muitas discussões a a respeito da linguagem que devemos usar. Há termos próprios de cada localidade e que, se forem trocados, às vezes dificultam a comunicação”, explica Verônica Amaral.
Projetos com a comunidade – As alianças com as populações que vivem no entorno das unidades de conservação são essenciais para que as pessoas entendam a importância da conservação ambiental.
No Parque Estadual do Cantão, um dos exemplos de resultados positivos, financiados pelo Arpa, foram os projetos desenvolvidos em parceria entre o Naturatins e a Cooperativa de Assistência e Extensão Rural (Coopter).
“Trabalhamos com apicultura, rede-tanque para a criação de peixes e com viveiros de espécies florestais, com comunidades nos municípios de Caseara, Pium e Marianópolis. E esse trabalho casou muito bem a conscientização sobre preservação com geração de renda”, conta o diretor financeiro da Coopter, Antônio Filho.
Segundo ele, as comunidades viam o parque como empecilho, mas depois do projeto, com acompanhamento de técnicos trabalhando junto com afamílias de produtores, passaram a entender o porque do combate às queimadas e a proteção da natureza.
Em Marianópolis, no assentamento do Incra chamado Manchete, onde vivem 380 famílias, os produtores estão animados com o projeto de apicultura financiado pelo Arpa. “O mel é um complemento para nossa renda. Acreditamos no projeto, pois estamos vendo resultados”, afirma Antônio José de Carvalho. Ele conta que a produção já começa a ser fornecida para escolas e creches, com algumas vendas para Palmas e a vizinha Paraíso.
Anísio Pereira da Silva relata antes do projeto quatro pessoas trabalhavam com as abelhas, mas a Coopter ofereceu informações básicas que mudaram  completamente a forma de atuarem. “Ensinaram a colocar o enxame, não sabíamos colocar os caixilhos, nos deram assistência direta durante dois anos, nos ensinaram a distância que se deve colocar uma caixa da outra”.
Reserva legal – A comunidade começou com apenas seis caixas de abelhas e hoje tem 27, com uma produção de 300 kg a cada safra anual. Mas o mel que adultos e crianças comem não é tudo no projeto. Um detalhe importante é que a comunidade está utilizando a reserva legal coletiva para extrair o alimento, o que torna a preservação ainda mais importante. “Já chegamos a bater de testa com quem quer destruir o meio ambiente”, enfatiza Hildo Pereira da Silva.
A reserva legal tem 70 km ao longo do rio Machado, com 5 mil hectares “Eu não sabia o que era preservar. Eu era um predador”, diz Galdêncio Alves de Souza, que também está satisfeito com a produção. “Eu fazia um plantio, e os bichos vinham comer, eu queria era detonar com eles. Agora eu penso diferente. É como ajudar outra pessoa, a gente precisa ajudar os outros, e precisa também ajudar os bichos do mato. Agora, plantei feijão e separei uma parte pro veado. Afinal, a mata dele foi destruída. O tempo se encarrega de fazer a gente ver o que não via antes. Hoje, eu vejo”, enfatiza o agricultor.
E mesmo quem não está envolvido com a produção de mel acaba aprendendo com o projeto. “Tenho 13 anos aqui. Minha luta é pela preservação. Não quero ver animal morto de sede, nem de fogo. Todos aqui tem trauma de fogo, mas há os maliciosos que colocam. Se queimar o pasto, a lavoura, queima a floresta e os animais morrem”, reclama Bernardo Coelho de Resende.
Fiscalização inteligente – Ficou no passado o tempo em que os fiscais simplesmente circulavam por barcos, veículos ou a pé pela unidade de conservação, coibindo atividades ilegais no parque de acordo com os métodos tradicionais.
“Hoje, o monitoramento é baseado em indicadores, é feito monitoramento de lagos, rios, lagoas, florestas por GPS, controladas as horas de equipe em campo, horas de rondas noturnas, número de saídas para campo, registrados autos de infração no entorno e no interior do parque, tudo de acordo com o planejamento de gestão para resultados”, explica o chefe de fiscalização do PEC, João Batista.
A apresentação das informações também mudou. Hoje não são feitos apenas relatórios, mas também são desenhados gráficos com os dados derotina. “Com os gráficos as informações ficam à mão, fáceis de serem visualizadas. No desenho a gente consegue ver que tipos de infrações acontecem e onde acontecem. A base de indicadores é boa para o trabalho do dia a dia, ajuda no planejamento das atividades. E até os gastos são registrados e planejados da mesma forma”.
E o que é muito interessante no Parque Estadual do Cantão é ver que moradores do entorno aprovam a fiscalização da unidade de conservação. E chegam até mesmo a denunciar locais onde há pressão de invasores, especialmente interessados nos peixes que se reproduzem em abundância. “A população ajuda muito, com denúncias anônimas”, afirma João Batista.
O trabalho é feito pelo Naturatins, com auxilio da Delegacia Estadual de Crimes Contra o Meio Ambiente e Urbanismo (Dema), que faz os monitoramentos com equipes integradas por perito, escrivão, agentes e muitas vezes a própria delegada.
Benefícios à comunidade – Onde hoje é o território do Parque Estadual do Cantão, já foi território de caçadores de jacarés, onças e ariranhas, cuja pele era comercializada especialmente com compradores no exterior. A atividade durou até o final da década de 70. Milhares de animais foram mortos, para a retirada apenas da pele, usada para a confecção de casacos de mulheres ricas. Muitos moradores da região fizeram parte desse tráfico, mas a vida deles não melhorou por causa disso. Hoje, porém, com a preservação do meio ambiente, as expectativas são bem melhores.
“Eu aposto que o desenvolvimento sustentável vai acontecer”, afirma Francisca Helena Rosendo Martins, que tem duas pousadas e um clube com 200 sócios em Caseara, cidadezinha que é o portão de entrada do Parque Estadual do Cantão. “A minha salvação é o parque”.
A mulher empreendedora diz que todo o seu dinheiro está aplicado no município, e que foi por causa da unidade de conservação que ela optou pela atividade. “Quem ama Caseara, investe e tem raiz aqui. Eu amo isso aqui”, exclama. “Com a criação do parque, veio muita capacitação, de ribeirinho, hoteleiro, comerciante, barqueiro”.
Francisca Helena dá como exemplo do movimento provocado pelo parque: “Com as filmagens de Xingu (de Cao Hamburger, que teve cenas filmadas no PEC), sete pousadas e hotéis ficaram lotadas. Muita gente ganhou dinheiro. A minha mãe lavou roupa pra equipe que trabalhou no filme, e ganhou R$ 9 mil em um mês”, conta.http://ourique-jalapao.com.br/
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