10 de nov. de 2016

Mesmo há 200 anos na região, moradores são despejados do Horto - RJ -


 

Mesmo há 200 anos na região, moradores são despejados do Horto

Na última segunda feira, uma ação de reintegração de posse na Comunidade do Horto terminou com muitos moradores feridos e uma família arrancada de dentro de sua casa. Casas da região resistem há mais de 200 anos e há 20 são ameaçadas de despejo.
Por Joana Diniz / Mídia NINJA
Na entrada da Comunidade do Horto centos de vizinhos e apoiadores se concentraram para barrar a desocupação Foto: Mídia NINJA
Na entrada da Comunidade do Horto centos de vizinhos e apoiadores se concentraram para barrar a desocupação Foto: Mídia NINJA
No dia 7 de novembro cerca de 300 PMs de quatro batalhões diferentes (Batalhão de Polícia de Choque, Batalhão de Policiamento em Grandes Eventos, 2º Batalhão da Polícia Militar e 16º Batalhão da Polícia Militar) munidos de armas de bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, cumpriam determinação de remoção expedida em agosto pelo Tribunal de Contas da União.
A medida contraria acordo realizado entre a comunidade e a Secretaria do Patrimônio da União, que em 2010 realizou cadastro socioeconômico para traçar um perfil dos moradores e uma identificação física das casas: todos os imóveis dentro da área do Horto receberam uma numeração reconhecida pelo órgão. A ação fazia parte de um projeto de regularização fundiária desenvolvido em parceria com a FAU UFRJ, com a promessa de que ninguém seria retirado de sua residência antes de ter um novo teto garantido.
A realidade, no entanto, é bem diferente. Os moradores mostram as placas numéricas em suas portas mas afirmam que apesar do início das ações de remoção, nenhuma contrapartida foi oferecida até o momento. Das 521 famílias presentes na comunidade, 229 receberam a notificação de despejo sem que haja a possibilidade de recorrerem da decisão.
Tropa de Choque entra na Comunidade do Horto jogando gás lacrimogêneo, balas de borracha e bombas de efeito moral contra idosos, crianças e jovens. Foto: Mídia NINJA
Tropa de Choque entra na Comunidade do Horto jogando gás lacrimogêneo, balas de borracha e bombas de efeito moral contra idosos, crianças e jovens. Foto: Mídia NINJA
Batalhão de Grandes Eventos da PMERJ realiza a desocupação de uma das casas do Horto. Foto: Mídia NINJA
Batalhão de Grandes Eventos da PMERJ realiza a desocupação de uma das casas do Horto. Foto: Mídia NINJA
O jovem morador do Horto, Lucas Telles foi violentamente detido e encaminhado para a 15ª DP. Foto: Mídia NINJA
O jovem morador do Horto, Lucas Telles foi violentamente detido e encaminhado para a 15ª DP. Foto: Mídia NINJA

OCUPAÇÃO OU MORADIA?

"Eu estava aqui antes da Globo". Dona Zuleide Alves (84), mãe de 14 filhos, criou toda sua família no bairro. Foto do arquivo da Mídia NINJA durante "Via Crucis do Horto" em junho de 2014.
"Eu estava aqui antes da Globo". Dona Zuleide Alves (84), mãe de 14 filhos, criou toda sua família no bairro. Foto do arquivo da Mídia NINJA durante "Via Crucis do Horto" em junho de 2014.
A ocupação teve início em 1808, quando funcionários de uma fábrica de pólvora construída na região, até então de difícil acesso, foram realocados para mais perto do local.
Alguns idosos moram no local desde que nasceram e também rejeitam título de 'invasores', já que muitos trabalharam no Jardim Botânico e foram para a região por decisão dos próprios empregadores.
As ameaças de despejo começaram ainda na década de 1980 e desde então os moradores reivindicam nada mais que seu direito legítimo à moradia. Nesse caso, moradias erguidas por eles próprios e passadas de geração em geração entre as famílias.
Um dos motivos apontados pelas próprias famílias para justificar os despejos é a crescente especulação imobiliária no Rio de Janeiro. O valor do metro quadrado na região é altíssimo, segundo o jornal o Globo a comunidade ocupa uma área de 1,29 mi de metros quadrados avaliados em 10,6 bilhões de reais.
Ameaças de remoção vêm desde o início da década de 1980 e manifestações diversas já foram realizadas pelos moradores. Confira cobertura da Mídia NINJA da 'Via Crucis do Horto' realizada por moradores contra as remoções em junho de 2014.

TESTEMUNHAS DO HORTO

Alipio Ferreira, 91 anos  Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Alipio Ferreira, 91 anos Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Os moradores do Horto antigamente eram obrigados a morar aqui dentro, vinham trabalhar aqui na repartição, o diretor chamava eles e eram obrigados a morar aqui dentro. O diretor não ajudava em nada não, tinha que fazer a casa de pau a pique, tijolo, conforme podia. O diretor do Horto Florestal escolhia a localização.Há uns dois anos o Patrimônio da União, lá do Ministério da Fazenda, disse que a gente ia ganhar casa, me garantiu isso. Aí botou aquele numero ali e pediu pra não tirar. O diretor do Jardim Botânico foi contra isso, não queria que desse a casa pra ninguém. Essa casa quem construiu foi o meu pai.Eles não querem fazer nada no lugar, a área vai ficar abandonada, eles não tem funcionário pra trabalhar aqui, o governo tá sem dinheiro, como é que vai botar empregado pra fazer isso?
Norma Bronzato, 63 anos e sobrinha de Alípio
 Norma Bronzato, 63 anos e sobrinha de Alípio  Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Norma Bronzato, 63 anos e sobrinha de Alípio Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Eles abrem um processo contra os moradores: não recorreu eles vem e tiram, botam na rua. Mas pode? Eles não dão casa não. Ele (Alípio) tá com 91 anos, eu tô com 63. A gente vai morar na rua? Eles querem tirar todo mundo e botar na rua.
Luis Cesar Cardoso, 56 anos
Luis Cesar Cardoso, 56 anos  Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Luis Cesar Cardoso, 56 anos Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Como que o Jardim Botânico construiria uma escola pública dentro do Jardim pra comunidade? Não faria isso. Como construiria a Light dentro do Jardim? Também não faria isso. Tá mais do que provado que essa área é do Horto, não é do Jardim Botânico.
A remoção acontece na marra e na covardia, porque três batalhões pra tirar um casal e uma criança enquanto o estado está aí na maior violência é covardia patrocinada pelo Jardim Botânico.
Sonia Regina Domingos, 47 casada com Luis Cesar
Sonia Regina Domingos, 47 casada com Luis Cesar Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Sonia Regina Domingos, 47 casada com Luis Cesar Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Nos construimos nossas casas. Ele construiu, acabou de construir o telhado. E elas são geminadas, então eles tão demolindo a casa e afetando a estrutura das outras. Ontem tinha uma arquiteta que falou que não ia autorizar a demolição porque ia afetar a estrutura das outras casas, mas parece que a proposta é demolir tudo.
Neuza, 78 anos
 Neuza, 78 anos  Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Neuza, 78 anos Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Eles dizem que isso aqui é Jardim Botânico, mas é mentira. Meu pai trabalhou no Jardim Botânico, tenho documentação, e trabalhou na portaria do Horto Florestal, lá em cima. Meu marido também trabalhou no Jardim Botânico e o pior de tudo é que eles dizem que nós somos invasores.
Você acha que tem condições de tantos invasores com um portão com um guarda ali? Em todo canto tem portão com guarda. E fazer todas essas casas aqui, ninguém viu? Eu conversei com o engenheiro que fez a planta da rua onde eu moro e ele disse que fez aquela avenida com uma planta planejada e aprovada pelo Serviço de Patrimônio da União. Não é possível fazer tantas casas padronizadas sem autorização do governo, não tem como. É mentira deles!
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Eu como moradora, e com esse pouco espaço, planto mais que o Jardim Botânico. Eu nasci e me criei aqui e não vejo nenhuma novidade plantada no parque. Agora aqui na minha casa eu só não planto mais porque não tenho espaço.
Gal Lagambe
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Quando eu subi a ladeira eu falei pra todo mundo sair e correr, consegui empurrar. Quando eu olhei pra trás tinham dois rapazes correndo e a tropa vinha subindo atrás. Eles mandaram uma bomba em cima dos rapazes mas eles correram pro mato e eu olhei pra trás. Ai eu vi quando ele mirou, né? Eu não sei se ele fez isso, só sei que ela caiu exatamente em cima desse dedo e pegou pra valer meu pé e minha perna.
O meu dedo tá muito dolorido, inchado, a bomba bateu e achatou. To indo fazer exame de corpo delito, vou acionar o Estado e o Jardim Botânico. Eu tenho esse direito, vou fazer isso pra que eles tenham consciência do que eles estão fazendo.
O Jardim Botânico tem que ter consciência que nós moramos aqui, tem casas com 200 anos. Essa minha tem mais de 70 anos, eu moro aqui há 36 anos, sou casada com um filho de funcionário do Jardim e vim morar aqui.
Vou entrar com ação pra ver se barra pelo menos essa violência, essa truculência. Foi uma ação desproporcional, não tinha necessidade daquilo, eram senhoras que estavam deitadas no chão, tentando proteger o que é delas por direito porque as pessoas moram aqui por direito. Não adianta alguém dizer que aqui é invasão, eles são filhos de funcionários. Todo mundo aqui é funcionário e teve autorização pra construir suas casas.

RISCO IMINENTE

Depois da ação da polícia que culminou com a remoção definitiva de Marcelo de Souza e sua família da casa onde moravam, o clima na comunidade é de apreensão e expectativa. De terça feira, dia 8, para quarta feira, 9 de novembro, moradores e simpatizantes da causa viraram a madrugada em vigília após receberem nova notificação judicial. Preparados para resistirem a uma nova ação de despejo, pessoas de todas as idades se mantiveram a postos na entrada do Horto e em frente à casa daquela família que deverá ser a próxima na mira da polícia, do TCU e do Jardim Botânico.
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Para se defenderem os moradores prepararam, também, barricadas com troncos de árvores, tijolos, pedras e alguns focos de fogo para bloquearem passagens que dão acesso as casas situadas ao longo da rua Pacheco Leão. O alarme, pelo menos para essa quarta, era falso. Somente uma viatura apareceu no local e se manteve distante da entrada do portão de entrada da área.
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Foto: Joana Diniz / Mídia NINJA
Para algumas pessoas isso não passa de uma estratégia para tentar enfraquecer a união dos membros da comunidade. Quando alguém é notificado, os moradores, apreensivos, entram em estado de alerta: alguns não dormem, e os que dormem alternam os horários para que a região nunca fique desassistida. Após horas de espera desgastante sem nada acontecer, cada família retorna à sua casa para descansar, mas não sem que a ameaça da chegada truculenta da Polícia Militar tenha se fortalecido dentro de toda a Comunidade do Horto.
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