17 de jan. de 2017

O que a história dirá de José Ivo Sartori (por Jorge Barcellos) Editor - por respeito a quem nos lë, é melhor ficar por aqui.

 3/dez/2016, 0h00min

O que a história dirá de José Ivo Sartori (por Jorge Barcellos)

sartoriFoi Antonio Valdecantos, o famoso filósofo espanhol, que lembrou que a função do político é resolver os problemas do cidadão. Essa proximidade que deve ter o Estado das pessoas comuns, essa proximidade cuja contrapartida é a aliança que deve ter o Estado com seus servidores, é negada quanto o governador José Ivo Sartori não ouve seus apelos em defesa de suas instituições. Foi o que ocorreu na última quarta-feira, quando dezenas de servidores e cidadãos portoalegrenses manifestaram-se contrários a extinção da Fundação Zoobotânica que mantém o Jardim Botânico da capital. Não podemos também esquecer as manifestações em defesa da Fundação de Economia e Estatistica e Fundação Piratini, feitas por técnicos, artistas, servidores e autoridades, que apontam os perversos danos para as políticas públicas advindas da extinção de cada órgão.
José Ivo Sartori entrará para a história como o político que mais criou problemas do que soluções para a política, economia e cultura do estado. Sartori e sua equipe se trancaram em seu próprio mundo neoliberal e sequer tem coragem de parar na rua para falar com a população. O governador usa do bode expiatório – a demissão de servidores públicos e extinção de suas instituições – para conquistar apoios à direita da clientela eleitoral e essa tomada de decisão precipitada, imediatista, sem pensar na importância destas instituições para o futuro do Estado é que vai caracterizar seu governo como ineficiente.
Não é preciso lembrar também que entrará para a história política do Estado a prática do parcelamento, adotada nos últimos dez meses de seu governo e que humilhou de maneira clara os servidores, dando a entender que Sartori os considera moralmente inferiores aos cidadãos. Sartori só é bem sucedido por que a crença que vê o servidor público como inferior ao cidadão já é parte das crenças de parte da população, ainda que seja um gesto de violência contra a imagem que cada servidor público tem de si mesmo. O governo não declara isso publicamente porque faz parte da sua ideologia dizer uma coisa e fazer outra, dizer que valoriza o servidor ao mesmo tempo em que retira as condições do seu exercício profissional.
Mas o problema do pacote de José Ivo Sartori é que ninguém foi chamado a participar da elaboração do projeto de sua reforma, exceto os interesses empresariais. Todos foram excluídos da decisão de seu projeto, população, servidores, quando o correto e o adequado é a descoberta de soluções através do diálogo e cultivo de valores. É que a participação foi substituída pelo discurso retórico do interesse de “todos os gaúchos”, brilho que não confere legitimidade alguma ao projeto de reforma que pretende implantar.
Não é possível encontrar virtude alguma numa proposta que não defende valores de uma sociedade como o direito à informação, a defesa dos espaços públicos, substituídas agora pelos critérios de eficiência e lucratividade. O que é objeto de interesse público é substituído pelo interesse dos capitalistas de plantão: a consequência é que Sartori derruba a última pedra da legitimidade democrática, isto é, o político deixa de raciocinar e falar em nome da maioria da população para raciocinar e falar com os ingredientes da minoria que detém o poder do capital.
A política desliza rapidamente de sua finalidade de servir ao público para servir interesses privados. A simples ideia de venda do patrimônio público da Fundação Zoobotânica ou mesmo a liquidação da Fundação Piratini mostram as necessidades do Estado em atender os caprichos do setor privado. O problema é que Sartori transformou o ágora público no espaço dos interesses particulares e não há valor pior para guiar os governantes do que aqueles que regem o mundo das mercadorias, pois, como se sabe, lá não há valor humano algum.
Tem-se também a implantação de um regime despótico pelo governante com seus servidores. Não é possível que servidores públicos concursados sejam obrigados a trabalhar em suas funções exigindo-se serviço eficiente sem remuneração alguma. Não há autoridade, muito menos reconhecimento da autoridade quando quem manda é insuficiente, é incapaz de honrar o lugar do exercício do poder. Para ser exercido com legitimidade, o poder precisa de reconhecimento. Como é possível prestar serviços públicos com qualidade quando não há contrapartidas do estado? A alternativa apresentada, a privatização dos serviços, é impossível de ser aceita pelo cidadão comum e sem recursos.
Sartori defende a ideologia da eficiência mas não é o público o beneficiário de suas políticas, é o setor empresarial ou privado. Essa mentalidade da eficiência de Sartori transforma os servidores públicos em novos servos, imagina uma sociedade de cidadãos tratados como em um hotel de luxo a custa da servidão de servidores submetidos, com igual eficiência, a rigorosos ritmos de produção e exploração sem retorno algum. O que o Estado é incapaz de reconhecer é que mesmo um grau de irracionalidade moderada é suportável e desejável, os servidores públicos precisam da sensação de valor, de serem valorizados, de terem provas disso – o respeito do Estado a suas obrigações.
O mundo proposto por Sartori transforma servidores em servos: prometendo algo mais, um estado melhor, explora-se a exaustão os trabalhadores de estado e se esquece até da necessidade do capital de recuperar sua força de trabalho. Essa é a ficção política moderna, a de um estado que se acredita defender os interesses de cidadãos e servidores de forma igual, mas que trata na realidade de forma hostil seus servidores e produz a “enganação” do público de um Estado de bem-estar é a fantasia oculta no pacotaço.
O que impressiona no governo Sartori é a capacidade de negar suas contradições e expor-se, ainda mais, com a propaganda oficial que promete maravilhas a população. A mentira que está evidente nessa mídia para massas é que ações que parecem produto de decisões entre atores, sociedade, professores, médicos e que seriam portanto, gerais, na verdade são exemplos pinçados e produto de reflexões de marketing sem precedentes pelos quais o governo paga mais a agências de propaganda do que a muito serviço público que pretende extinguir. Esta gestão das políticas públicas através da imagem exclui qualquer possibilidade de participação, de políticas públicas representarem as preferência dos cidadãos, elas ocultam que são as deliberações do governante e seus eleitos.
A questão de um governo baseado na ideologia neoliberal, na ideologia de resultados, que visa otimizar serviços baseado na exploração do trabalho do servidor é a face estatal do “novo espírito do capitalismo”, que agora transforma as relações do serviço público. Diz Anselm Jappe, em “Crédito à morte: a decomposição do capitalismo e suas crises” (Hedra, 2013): “Em uma sociedade de mercado, a esfera não mercantil só existe como esfera subordinada e mutilada. Não é uma esfera de liberdade, mas a serva desprezada e, no entanto, necessária, do esplendor mercantil. Ela não é o contrário do valor, mas seu pressuposto“(P.12)
Por esta razão, a submissão do pacotaço de José Ivo Sartori à lógica do capital leva simultaneamente, ao desmonte da estrutura pública, a especulação do estado com o patrimônio público e ao esgotamento da capacidade de trabalho dos servidores, correndo-se o risco da desestruturação fatal do estado como o conhecemos. Dada a hegemonia do pensamento liberal na condução da organização do Estado, o projeto de reformas pretendido por Sartori inicia o fim da estruturação de estado autônoma, democrática e livre das esferas mercantis da vida coletiva. O que a esquerda deseja é um processo de reformas sim, mas que não seja separado de um sistema de valores que conteste a hierarquia do poder e do dinheiro, que ao contrário, dominam a proposta do govenador. Se a política de governo não escapa à lógica do Capital, também o Estado servirá como instrumento de dominação e dissolução da ética das organizações responsáveis pela realização de politicas públicas.
Defender organizações públicas que obedecem a uma lei maior, a defesa do bem público, como a FZB, a FEE e a Fundação Piratini, entre outras atingidas pelo pacotaço de Sartori, significa reconhecer que administrar o estado não segue a mesma lógica que administrar empresas, quer dizer, a reforma de Sartori já nasce errada por obedecer as mesmas leis da racionalização da produção capitalista. Pois não se trata de fazer com que órgãos públicos tenham o modelo empresarial do lucro mas que o estado cumpra com sua função social, que gera custo. Igualar prestação de serviços públicos a consumo e gasto é errado porque iguala a ética do serviço público com a ética do mercado, cujo único valor é a busca sem limite do lucro.
Se permitirmos que as novas formas de dominação do capitalismo neoliberal exerçam hegemonia também no Estado, estaremos dando ênfase a tendência regressiva nos campos econômico, político e social. Permitir que os valores do mundo econômico invadam a esfera estatal é trazer o êxito do estado ser medido pelo viés da competição, da pressão de uma engrenagem destrutiva baseada unicamente na rentabilidade: ”tudo o que não serve a valorização do capital é um luxo e em tempos de crise o luxo não é de bom tom”. As políticas de Sartori sequer são perversão, são a própria lógica de uma sociedade que vê a transformação de dinheiro em mais dinheiro seu princípio, rede fetichista em que o Estado incorpora, condenação a morte das políticas públicas limitadas pela lógica de mercado.
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Jorge Barcellos é Historiador, Doutor em Educação
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