Retrato das Desigualdades
de Gênero e Raça – 1995 a 2015
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Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça 1
O Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, estudo que o Ipea produz desde 2004 em
parceria com a ONU Mulheres, tem como objetivo disponibilizar dados sobre diferentes
temáticas da vida social, com os recortes simultâneos de sexo e cor/raça, com indicadores da
Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. A maior parte dos dados
disponíveis apresentam séries históricas de 1995 a 2015, os últimos 20 anos de Pnad, além de
outros recortes, como localização do domicílio (urbano/ rural) e faixas etárias. Alguns dos
indicadores apresentados são resumidos abaixo.
Arranjos familiares
Uma tendência observada ao longo de toda a série histórica é o crescimento da proporção de
domicílios “chefiados” por mulheres. O IBGE pergunta para o/a respondente quem é a pessoa
de referência daquele domicílio. Em 1995, 23% dos domicílios tinham mulheres como pessoas
de referência; vinte anos depois, este número chega a 40%. Esse é um fenômeno
majoritariamente urbano: 43% dos lares na cidade tinham uma mulher como pessoa de
referência em 2015, comparadas a 25% no campo, valor que se aproxima mais dos patamares
da média brasileira de 1995. Nas cidades, houve um aumento de aproximadamente 18 pontos
percentuais entre 1995 e 2015, ao passo que no campo a variação foi de apenas dez pontos, o
que parece demonstrar um ritmo menos acelerado de transformações comportamentais nessa
parcela da sociedade.
Cabe ressaltar que as famílias chefiadas por mulheres não são exclusivamente aquelas nas quais
não há a presença masculina: em 34% delas, há a presença de um cônjuge. Mesmo assim, é
elevado o patamar de famílias em que as mulheres não têm cônjuges e têm filhos/as e, nesses
casos, há que ressaltar o fato de que, muitas vezes, tais famílias se encontram em maior risco
de vulnerabilidade social, já que a renda média das mulheres, especialmente a das mulheres
negras, continua bastante inferior não só à dos homens, como à das mulheres brancas.
Se, por um lado, essa ampliação do número de famílias chefiadas por mulheres parece indicar
mudanças no padrão de comportamento social, demonstrando maior aceitação de modelos
menos tradicionalistas, nos quais é considerado razoável que não sejam apenas homens as
pessoas de referência da família, há que se ponderar que, em geral, são mulheres as principais
respondentes da Pnad, o que pode indicar, talvez, uma mudança de autopercepção delas em
relação à sua posição dentro da família, independentemente do que pensem os homens a
respeito.
Paralelamente ao aumento do número de famílias chefiadas por mulheres, tem-se uma
gradativa reconfiguração dos tipos de arranjos familiares. Se, em 1995, o tipo mais tradicional,
formado por um casal com seus filhos, respondia por cerca de 58% das famílias, em 2015 esse
1 O estudo foi realizado por Natália Fontoura e Marcela Torres Rezende, especialistas em políticas públicas
e gestão governamental, Joana Mostafa, técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea, e Ana Laura Lobato,
bolsista do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional– PNPD da Diretoria de Estudos e
Políticas Sociais (Disoc) do Ipea.
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percentual cai para 42%, tendo aumentado de maneira significativa o número de domicílios com
somente uma pessoa e também o percentual de casais sem filhos.
Educação
Os últimos anos consolidaram a vantagem das mulheres em relação aos homens no campo
educacional. Certamente, há de se observar as demais características, como cor/raça, local de
moradia, idade e renda, que diferenciam as possibilidades dos grupos de mulheres e de homens
de acessarem e permanecerem na escola.
Um dos indicadores selecionados é a taxa de analfabetismo, que vem caindo de maneira
importante no Brasil nas últimas décadas, mas que ainda não atingiu os patamares ideais e,
nesse caso, apresenta um diferencial racial importante: em 2015, entre as mulheres com 15
anos ou mais de idade brancas, somente 4,9% eram analfabetas; no caso das negras, este
número era o dobro, 10,2%. Entre os homens, a distância é semelhante.
Se examinarmos a escolaridade das pessoas adultas, salta aos olhos também o diferencial de
cor/raça. Apesar dos avanços nos últimos anos, com mais brasileiros e brasileiras chegando ao
nível superior, as distâncias entre os grupos perpetuam-se. Entre 1995 e 2015, duplica-se a
população adulta branca com 12 anos ou mais de estudo, de 12,5% para 25,9%. No mesmo
período, a população negra com 12 anos ou mais de estudo passa de inacreditáveis 3,3% para
12%, um aumento de quase 4 vezes, mas que não esconde que a população negra chega
somente agora ao patamar de vinte anos atrás da população branca.
Mercado de trabalho
Se no caso do campo educacional, as mulheres encontram-se, em geral, em melhor posição que
os homens, esta vantagem não se reflete no mercado de trabalho, onde a maior parte dos
indicadores mostra uma hierarquia estanque, na qual o topo é ocupado pelos homens brancos
e a base pelas mulheres negras.
O primeiro indicador examinado é a taxa de participação, que mostra a parcela da população
em idade ativa (16 a 59 anos) que está trabalhando ou à procura de trabalho. Este é um indicador
em que o viés de gênero é bastante claro: as barreiras para as mulheres entrarem no mercado
de trabalho se mostram presentes, apesar dos avanços das décadas passadas. Os últimos vinte
anos parecem indicar que as brasileiras atingiram um “teto” de participação difícil de ser
ultrapassado. Entre 1995 e 2015, a taxa de participação feminina pouco oscilou em torno dos
54-55%, não tendo jamais chegado a 60%. Isto significa que quase metade das brasileiras em
idade ativa está fora do mercado de trabalho. O percentual masculino chegou a 85% e vem
caindo, tenho alcançado menos de 78% no último ano da série.
Aquelas que se lançam no mercado de trabalho muitas vezes se deparam com a barreira de
encontrar posição. Essa é uma dificuldade maior para as mulheres que para os homens. Em
2015, a taxa de desocupação feminina era de 11,6% – enquanto a dos homens foi de 7,8%. No
caso das mulheres negras, a proporção chegou a 13,3% (a dos homens negros, 8,5%). Os maiores
patamares encontram-se entre as mulheres negras com ensino médio completo ou incompleto
(9 a 11 anos de estudo): neste grupo, a taxa de desocupação em 2015 foi 17,4%.
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Uma importante ocupação feminina continua sendo o emprego doméstico, ao lado do serviço
público e do emprego com carteira de trabalho assinada, que cresceu mais fortemente nos
últimos vinte anos (respondia por 24% das ocupadas em 1995 e por 36% em 2015).
Trabalho doméstico remunerado
O emprego doméstico ainda é a ocupação de 18% das mulheres negras e de 10% das mulheres
brancas no Brasil em 2015. Sua importância no universo das ocupadas vem caindo num ritmo
pouco acelerado ao longo das últimas décadas: em vinte anos, passou de 17,3% para 14,3% a
proporção de ocupadas em trabalho doméstico. No entanto, se analisarmos a distribuição etária
deste grupo ocupacional, notaremos que vem ocorrendo um envelhecimento significativo da
categoria. Em 1995, mais de 50% das trabalhadoras domésticas tinham até 29 anos de idade
(51,5%); em 2015, somente 16% estavam nesta faixa de idade.
Outra tendência a ser sinalizada no emprego doméstico é o aumento das trabalhadoras com
carteira assinada. Os patamares, no entanto, ainda são baixos; com a expansão recente dos
direitos da categoria, aliada ao adensamento do debate social a esse respeito, poderia se
esperar um crescimento maior. Em 1995, 17,8% tinham carteira; em 2015, chega-se a 30,4%.
Aqui, no entanto, também pode ser encontrada a desvantagem das negras em relação às
brancas, apesar de constituírem o maior grupo entre as domésticas: 29,3% das trabalhadoras
negras tinham carteira assinada em 2015, comparadas a 32,5% das brancas. Os diferenciais se
tornam ainda mais expressivos se inserimos a comparação regional: enquanto na região CentroOeste,
37,5% das trabalhadoras domésticas tinham carteira assinada em 2015, na região
Nordeste, somente 19,5% acessavam esse direito primordial.
A terceira tendência sinalizada pelos dados da Pnad sobre trabalho doméstico é o aumento das
“diaristas”. A Pnad levanta a informação sobre se a trabalhadora doméstica atua em um só
domicílio ou em mais de um domicílio. Por aproximação, pode-se entender que a imensa maioria
daquelas que trabalham em mais de um domicílio recebem por diária. Elas eram 18,3% da
categoria em 1995 e chegaram a 31,7% em 2015. Entre as brancas, 34,1% trabalhavam em mais
de um domicílio, condição que em geral está relacionada a rendas mais altas mas menor acesso
a direitos e proteção social.
A renda média das trabalhadoras domésticas viu um importante crescimento nas últimas duas
décadas, de cerca de 64%, que se vincula à valorização do salário mínimo e ao aumento da
formalização do setor. No entanto, apesar deste crescimento, a renda média em 2015 não
alcançava sequer o salário mínimo (R$ 739 contra R$ 788).
Renda
As curvas que ilustram a flutuação do rendimento médio do trabalho da população brasileira
mostram uma queda na primeira década da série histórica – entre 1995 e 2005 – e um aumento
na década seguinte, com uma nova redução nos anos finais, que correspondem ao início da atual
crise econômica. As distâncias entre os quatro grupos populacionais não se alteram
expressivamente ao longo do período. Apesar de, proporcionalmente, o rendimento das
mulheres negras ter sido o que mais se valorizou (80%), enquanto o dos homens brancos foi o
que menos cresceu (11%), é possível observar a manutenção da mesma ordem – homens
brancos, mulheres brancas, homens negros, mulheres negras – do maior para o menor
rendimento ao longo de toda a série histórica.
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O indicador da proporção da população sem renda própria ilustra uma dinâmica interessante ao
longo das últimas décadas. Neste caso, o viés de gênero é bastante evidente, fazendo com que,
entre as mulheres, seja muito maior a proporção de pessoas sem renda, o que está diretamente
relacionado à menor participação feminina no mercado de trabalho. Percebe-se, no entanto,
uma redução importante nessa proporção ao longo do período analisado: entre as mulheres
negras, por exemplo, 46,7% não possuíam renda própria em 1995, comparados a 27,3% em
2015. Esta redução possivelmente se deve à ampliação do acesso a benefícios assistenciais
especialmente por parte das mulheres.
Uso do tempo
Este tópico busca desvelar as desigualdades de gênero e raça em sua dimensão mais cotidiana
possível, considerando o trabalho no mercado de trabalho e o trabalho doméstico não
remunerado dos indivíduos na sociedade.
Inicialmente vale destacar que a responsabilização das mulheres pelo trabalho doméstico não
remunerado segue sendo o padrão predominante na sociedade brasileira. Mais de 90% das
mulheres declaram realizar atividades domésticas, proporção que se mantém quase inalterada
ao longo do período (entre 94% e 91%); no caso dos homens, entre 1995 e 2015, passa de 46%
para 53% a proporção dos que realizam afazeres domésticos. Quando analisado o número de
horas semanais dedicadas a essas atividades, nos últimos vinte anos é possível perceber uma
significativa redução na quantidade de horas dedicadas aos afazeres domésticos pelas mulheres
(6 horas semanais), mas o tempo médio gasto pelos homens mantém-se estável. Não se pode
dizer, portanto, que haja indícios de uma nova divisão das tarefas entre homens e mulheres nos
domicílios.
É importante ressaltar que exercer atividade remunerada não afeta as responsabilidades
assumidas pelas mulheres com as atividades domésticas, apesar de reduzir a quantidade de
horas dedicadas a elas. As mulheres ocupadas continuam se responsabilizando pelo trabalho
doméstico não-remunerado, o que leva à chamada “dupla jornada”. Esta pode ser mensurada
pela jornada total de trabalho, que considera a soma do tempo dedicado ao trabalho
remunerado com o tempo dedicado ao trabalho doméstico não-remunerado (aos afazeres
domésticos), partindo do pressuposto de que ambos produzem bens e/ou serviços necessários
para toda a sociedade. Assim, em 2015, a jornada total média semanal das mulheres superava
em 7,5 horas a dos homens (53,6 horas semanais a jornada média total das mulheres e 46,1 a
dos homens).
Um dos fatores mais preponderantes no engajamento no trabalho doméstico e principalmente
no tempo dedicado a ele é a renda. No que diz respeito ao engajamento, tem-se uma diferença
entre homens e mulheres: quanto mais alta a renda delas, menor a proporção das que afirmam
realizar afazeres domésticos – entre aquelas com renda de até 1 salário mínimo, 94%
dedicavam-se aos afazeres domésticos, comparados a 79,5% entre as mulheres com renda
superior a 8 salários mínimos. No caso dos homens, observa-se uma maior proporção dos que
realizam afazeres domésticos nas faixas mais altas de renda, sendo maior entre aqueles que
auferem entre 5 e 8 salários mínimos – 57% deles realizavam afazeres domésticos, enquanto
entre aqueles com renda mais baixa, cerca de 49% realizavam. Mas no que diz respeito ao tempo
despendido com afazeres domésticos, tanto para os homens quanto para as mulheres, cai de
maneira expressiva o número de horas à medida que cresce a renda (as mulheres na faixa mais
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alta gastavam cerca de 13 horas por semana, quase 11 horas a menos que as mulheres mais
pobres. Entre os homens, aqueles com renda de até 1 salário mínimo (S.M.) gastavam 10,6 horas
por semana com os afazeres domésticos, ao passo que os com renda superior a 8 S.M.
despendiam 8,3 horas. Cabe mencionar que, além da possibilidade de contratar trabalhadoras
domésticas, as famílias com rendas mais altas também têm maior acesso a eletrodomésticos. E
uma das hipóteses explicativas para a redução do número de horas dedicadas aos afazeres
domésticos pelas mulheres nos últimos vinte anos é, justamente, a ampliação do acesso a alguns
eletrodomésticos, como a máquina de lavar roupa. Com efeito, entre 1995 e 2015, observa-se
uma ampliação de 26,5% para 61,1% na proporção de domicílios com máquina de lavar roupa.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.pdf
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