NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E DA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra),
ao lado da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região
(Amatra IV), da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 6ª Região
(Amatra VI) e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª
Região (Amatra XV), vêm a público manifestar-se sobre recente decisão da
Corregedoria Nacional de Justiça.
1. O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Ives
Gandra da Silva Martins Filho, apresentou reclamações disciplinares em face dos
juízes Valdete Souto Severo (4ª Região) e Jorge Luis Souto Maior (15ª Região).
Centraram-se em artigo doutrinário intitulado “Mais uma do Ives: rifando
Direitos Fundamentais e a Justiça do Trabalho”, assinado por ambos
magistrados e publicado no sítio de internet “Justificando”
.
2. Em paralelo, a Corregedoria Nacional de Justiça solicitou abertura
de procedimento administrativo em face do juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho, da
6ª Região, em razão de despacho por ele proferido no dia 28 de abril p.p., em
diversos processos, nos quais redesignava as audiências com a mesma
finalidade de conscientizar e mobilizar a comunidade pernambucana quanto aos
riscos das Reformas Trabalhista (PLC n. 38/2017) e Previdenciária (PEC n.
287/2016)
.
3. Inicialmente, as reclamações foram encaminhadas às respectivas
Corregedorias Regionais. No âmbito da 4ª Região, decidiu-se por arquivar o
expediente, pois das condutas dos magistrados não se verificou qualquer
violação de deveres funcionais. Especialmente registrou-se que, tal como
diversos Ministros de Tribunais Superiores vêm fazendo, os juízes de 1º grau
também possuem direito de manifestação sobre os temas das reformas
previdenciária e trabalhista. Já no âmbito da 6ª Região, a Corregedoria Regional
entendeu por bem dar seguimento ao procedimento, como requisitado.
4. No caso da 4ª Região, de forma surpreendente, a Corregedoria
Nacional de Justiça desconsiderou o ato regional e deliberou processar em
conjunto as reclamações, determinando a instauração de Reclamação
Disciplinar em conjunto em desfavor dos juízes da 4ª e 15ª Regiões. Já em
relação ao magistrado da 6ª Região, segue sobre si, no plano regional, o pêndulo
da censura.
5. O conceito de liberdade, que se espraia como direito fundamental,
é conquista secular das civilizações; e o seu alargamento, assim como o das
respectivas garantias, ampliam-se na medida em que tal conceito evolui. No
Brasil, a Constituição Federal da República garante a liberdade de manifestação
do pensamento, nos exatos termos do artigo 5º, IV a todos os cidadãos, sem
qualquer distinção. Prevê, ainda, em seu artigo 5º, VI, a liberdade de consciência
e crença e a de convicção religiosa e no artigo 5º, VIII a liberdade de crença
religiosa e de convicção política ou filosófica.
6. À luz da garantia constitucional da liberdade de manifestação
ampla, a albergar as liberdades de expressão e opinião, é inadmissível transigir
com a punição a cidadãos que se limitaram a expressar sua opinião, com
fundamentos jurídicos bastantes. Tanto menos se poderia admitir a punição
disciplinar de agentes públicos que assim procedam, notadamente em sede de
artigo científico ou manifesto público, independentemente de suas classes,
profissões, funções ou individualidades.
7. Aos juízes, em particular, é garantida constitucionalmente a
independência funcional (artigo 95, CR), para que, no exercício de sua função
jurisdicional, observe a sua consciência, à luz da Constituição e das leis, na
solução dos conflitos sociais que lhe são submetidos. Tais garantias estão em
consonância com os Princípios Básicos Relativos à Independência da
Magistratura, endossados pela Assembleia Geral das Nações Unidas
(Resoluções 40/32 e 40/146, de 1985): “a independência da magistratura será
garantida pelo Estado [...]” (item 1); e, mais veementemente, “[...] os magistrados
gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de expressão, convicção,
associação e reunião” (item 8).
8. No ordenamento nacional, o artigo 41 da Lei Complementar 35/79
(Lei Orgânica da Magistratura) prevê, de forma expressa, que o magistrado não
pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das
decisões que proferir. De outro turno, a norma prevista no artigo 36 da Lei
Complementar nº 35/79, que veda ao magistrado opinião sobre processo
pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre
despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, não abrange a manifestação
do Magistrado em obras técnicas ou no exercício do magistério, como tampouco
poderia abranger seus manifestos públicos. Assim, por qualquer ângulo que se
analise, não há qualquer violação legal a desafiar instauração de procedimentos
disciplinares.
9. À vista disso, as entidades subscritoras externam, desde logo, a
sua solidariedade aos juízes Jorge Luiz Souto Maior, Hugo Cavalcanti de Melo
Filho e Valdete Souto Severo, Magistrados e professores da mais ilibada
reputação e de notório saber jurídico, cujas publicações sempre tiveram por
único escopo a oferta de contribuições aos estudos e debates sobre o Direito e
a Justiça do Trabalho, mesmo quando refiram altas autoridades que, por
convicções pessoais, estiveram pessoalmente envolvidas na defesa das
reformas em questão. Afinal, a liberdade de convicção e de expressão tanto deve
permitir a manifestação ou atuação em um dado sentido, como também noutro.
10. Registram, ademais, a sua apreensão quanto ao possível manejo
inapropriado de instrumentos correicionais, originariamente voltados à garantia
do jurisdicionado, da moralidade pública e do devido processo legal, para o
cerceamento das garantias constitucionais das liberdades de expressão e de
opinião, legitimamente exercidas por juízes do Trabalho, ou de qualquer outra
competência, em seus artigos, manifestos e ensaios. É curial que o Poder
Judiciário, antes mesmo que todos os outros, saiba preservar e garantir a
expressão de opiniões divergentes e, bem assim, o livre debate democrático.
11. As subscritoras registram, enfim, que seguirão velando, vigilante e
intransigentemente, pela defesa das prerrogativas dos magistrados do Trabalho
e, antes disso, pelas suas liberdades e garantias constitucionais, a bem da
Democracia e do Estado de Direito.
Brasília/Porto Alegre/Recife/Campinas, 2 de junho de 2017.
Guilherme Guimarães Feliciano
Presidente da Anamatra
Rodrigo Trindade de Souza
Presidente da Amatra IV (RS)
José Adelmy Accyoli
Presidente da Amatra VI (PE)
Marcelo Bueno Pallone
Presidente da Amatra XV
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