15 de jul. de 2017

Morte na Aduana:cai o delegado. E agora MPF ?. - Editor - Matéria que sãoomitidas pelo PIG - PARTIDO DA IMPRENSA GOLPISTA.

Morte na Aduana: cai o delegado. E agora MPF?

Marcelo Auler

Alerta aos Leitores: Esta postagem contêm fotos que podem chocar, cuja divulgação consideremos essencial diante do fato em si.
Ademir Gonçalves Costa, 39 anos. morreu ao ser abordado pelos servidores da Receita Federal na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR)
Ademir Gonçalves Costa, 39 anos. morreu ao ser abordado pelos servidores da Receita Federal na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR)
Graças à insistência do advogado paranaense Almir Santos, seus parceiros e ao apoio de movimentos de Defesa dos Direitos Humanos do Oeste do Paraná, o caso da morte de Ademir Gonçalves Costa, de 39 anos, sofreu uma reviravolta e poderá ter um desfecho diferente. Como noticiamos em A estranha morte na Aduana, em 28 de janeiro passado, ele preso na guarita da Receita Federal, na Ponte Internacional da Amizade (PIA), em Foz do Iguaçu (PR), morreu de forma não esclarecida após ser imobilizado com spray de pimenta, algemado com as mãos às costas e estar com parte da calça arriada. Na época falou-se que teria ingerido a cocaína que transportava em um saco plástico, suicidando-se com uma overdose como também narramos em Repeteco na morte na Aduana (PR): “suicídio”.
Contrariando a posição do delegado federal encarregado do caso, Renato Obikawa Kyosen, assim como a do procurador da República Daniel de Jesus Sousa Santos que defenderam e insistiram no arquivamento do caso por falta de indícios de conduta criminosa, o juiz Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz do Iguaçu (PR), recusou os pedidos e atendeu à requisição dos advogados para que seja feita a exumação do cadáver e novos exames periciais.
A decisão judicial foi provocada por um detalhado Parecer Técnico-Científico, assinado pelo perito legista independente, do Rio de Janeiro, Leví Inimá de Miranda, com 189 laudas, sendo que nas últimas 15 ele relaciona 163 citações biográficas às quais recorreu para respaldar suas conclusões que se chocam com as da Polícia Federal e do MPF. Para o perito independente, “a morte se deveu e foi ocasionada pela ação absurdamente agressiva por parte de agentes da Receita Federal’. E tudo encoberto por um inquérito mal feito na Polícia Federal, que acabou endossado pelo procurador.
Ao optar por reabrir as investigações de um caso que o MPF queria encerrado desde o último dia 4, o juiz Clementino determinou ainda a substituição do delegado. Mas, ele não tem como providenciar a troca de um membro do Ministério Público Federal que, no caso, desde que recebeu o caso se tornou o “promotor natural” do mesmo. Pelo que se depreende das manifestações do procurador Souza Santos, suas convicções estão solidificadas. Esta troca só poderá ser feita pela Câmara Criminal da Procuradoria Geral da República  se e quando o juiz, discordando da posição do procurador, encaminhar o caso a uma revisão.
Ao decidir determinar ao delegado chefe de Foz do Iguaçu a substituição do responsável pelas investigações, o juiz Clementino ressaltou não fazer isso por ter alguma crítica ao policial, seu trabalho, bem como o dos peritos oficiais. Considerou, porém, necessário que:
o trabalho desenvolvido seja revisto por autoridade policial que não esteja comprometida com o resultado primário do inquérito, de modo a analisar as diligências já realizadas e aquelas por realizar, com absoluta independência quanto ao resultado anterior“.
Ademir Gonçalves Costa Mosaico2Daniel apresentava sintomas de possíveis maus tratos, além do rosto desfigurado. Mas a Polícia concluiu que ele não sofreu espancamento como se cogitou à época e que sua morte decorreu de intoxicação por conta de fármacos que a vítima teria ingerido, cujos sintomas apareceram nos exames, em especial o de sangue.
Apesar das ponderações do juiz, a leitura atenta do Parecer Técnico do perito independente mostra que a investigação ficou a dever, com falhas que geram questões para as quais não se encontram respostas. Inimá de Miranda, inclusive, levanta a possibilidade de Fraude Processual ao constatar, pela análise das fotos – o seu trabalho foi feito em cima dos laudos oficiais – a possibilidade de terem limpado o local do crime antes da chegada da perícia.
A grande incógnita, porém, é o representante do Ministério Público Federal, o procurador Souza Santos. Tal como o delegado Kyosen, ele parece já estar com uma posição consolidada sobre a inexistência de crime na estranha morte de Ademir. Convicção tal que sequer levou em consideração o Parecer Técnico Científico do perito independente, que participa do processo na função de “assistente de acusação”.
O delegado, em 05 de junho, apresentou seu relatório. No inquérito, ouviu basicamente servidores da Receita e pessoas que trabalham na Aduana (como vigilantes), a equipe do SAMU que prestou socorro mas encontrou a vítima já sem vida. O único estranho ao serviço público foi o mototaxista Edivalço Brum da Silva. Mas ele, como os demais, sustentou a mesma história de que o rapaz estava transtornado, com surtos psicóticos e se debatendo. Todos disseram que Ademir tentou fugir pulando um alambrado, ocasião em que foi pego pelas calças e estas acabaram arriadas. Para paralisá-lo usaram spray de pimenta em seus olhos.
Só depois, imobilizado no chão, foi algemado com as mãos para trás e levado para dentro da cabine da Receita. As testemunhas afirmam que não houve agressão física. Garantiram que a vítima continuou se debatendo, passou mal e quando o SAMU chegou já tinha morrido. O delegado, em seu relatório, sustenta que “a abordagem dos servidores da Receita Federal foi proporcional à resistência oferecida por Ademir”. Kyosen concluiu que:
o óbito de Ademir Gonçalves Costa foi causado por intoxicação causada (sic) pelos fármacos lidocaína e fenacetina, sildenafil e clobenzorex. Contudo ficou demonstrado que o mesmo não praticou conduta relacionada à importação de cocaína. A abordagem dos servidores da Receita Federal foi proporcional à resistência oferecida por Ademir Gonçalves Costa. Ademais, as marcas, escoriações e livores apresentados no corpo de Ademir Gonçalves (relatado no Laudo nº 292/2017) são condizentes com o comportamento apresentado pelo mesmo no momento da abordagem (vídeos do evento 21) e posição do corpo após o seu óbito (decúbito ventral). Não se vislumbrando demais diligências, dá-se por encerrada esta investigação“.
Nos últimos dias de junho, os três advogados – com Santos atuaram André Vitorasi e Wilson Neres – que, em nome dos filhos de Ademir atuam como assistentes de acusação, apresentaram em juízo o laudo do perito técnico Inimá Miranda, datado do dia 27 de junho. É um documento detalhado, com bastantes termos técnicos, de leitura difícil. O perito contesta não apenas laudos oficiais, como documentos e relatos feitos por servidores públicos da Receita Federal e da equipe da SAMU. Transcrevo trecho do parecer técnico que rebate o uso de drogas pela vítima:
PERITO-LEGISTA DOUTOR CARLOS ALBERTO MARTINS ARAÚJO (CRM 16473) deixou claro que INEXISTIAM corpos estranhos noESÔFAGO, no ESTÔMAGO e nas ALÇAS INTESTINAIS, sendo nessas por palpação. Esse importante dado põe por terra a falsa tese levantada de que ADEMIR GONÇALVES COSTA “engolira pacote de drogas” e que “teria engolido outro pacote de drogas”.”
Também restou comprovado que inexistia qualquer área de hemorragia de mucosa gástrica e também que não havia sangue no estômago, o que também contraria frontalmente a falsa tese de Hematêmese (vômito com sangue), assim como também INEXISTIA sangue na luz do esôfago. Paralelamente, INEXISTIA sangue na luz da traqueia. Isso, PER SI, demonstra que as teses levantadas foram absolutamente falsas, quanto ao “transporte de drogas deglutidas” e a Hematêmese (vômito com sangue).” (sic) (paginas 13 e 14 do Parecer Técnico)
Em outro ponto o parecer técnico do perito Inimá de Miranda (que reproduzimos abaixo) indica outra falha do laudo oficial acostado ao inquérito:
“a cavidade craniana NÃO FOI ABERTA, examinada e descrita; assim como, como veremos adiante, o perito legista deixou de colher fragmentos de cérebro e cerebelo, para EXAME TOXICOLÓGICO e EXAME ANATOMOPATOLÓGICO (Hiistopatologia). E, logicamente, em todo Exame Cadavérico, há de abrir as três principais cavidades: craniana, torácica e abdominal”. (sic) (página 15 do Parecer Técnico)
Um alerta aos leitores:   laudo técnico que reproduzimos abaixo pela importância que tem no caso contém imagens que podem chocar. Ele, porém, é importante para se conhecer as suspeitas levantadas pela perícia independente.
Em uma parte do parecer técnico é levantada uma hipótese diferente da causa morte que teria ocorrido por sufocação e não pela asfixia por fármacos. Ele aponta a pressão exercida por agentes da Receita Federal nas costas da vítima quando ela, caída ao chão, foi imobilizada pelos joelhos de um dos agentes, como mostra uma foto do momento. O texto diz:
Ao imobilizarem Ademir já caido ao chão, servidor da Receita acabou por pressionar o tórax da vítima com seu joelho o que, segundo o perito independente, pode ter contribuído para a asfixia. (Foto Reprodução)
Ao imobilizarem Ademir no chão, servidor da Receita acabou por pressionar o tórax da vítima com seu joelho o que, segundo o perito independente, pode ter contribuído para a asfixia. (Foto Reprodução)
Note-se que, durante a imobilização, até ADEMIR GONÇALVES COSTA ter sido algemado, um dos agentes da Receita Federal buscou imobilizar ADEMIR GONÇALVES COSTA, pondo-se sobre o tronco do mesmo, o que dificultou, sobremaneira, as expansões torácicas durante a respiração, considerando-se ainda que a vítima fora atingida por espuma de pimenta ― CONDOR GL 180/E ― em quantidade jamais estabelecida e cuja distância de aplicação jamais foi determinada. Segundo o Analista da Receita Federal ALLAN JAMES, ele teria usado um jato apenas. Todavia, no depoimento do mototaxista EDIVALÇO BRUM DA SILVA, foram aplicados 03 (três) jatos do spray de pimenta (espuma) contra o rosto da vítima. Os pontos de compressão torácica estão destacados com setas vermelhas. Tal compressão leva à Sufocação Indireta, por impedir a expansibilidade torácica durante a respiração, ainda mais em se considerando que ADEMIR GONÇALVES COSTA fora atingido por spray de pimenta (espuma) ― CONDOR GL 108/E ― em quantidade jamais quantificada, assim como jamais foi determinada a distância das aplicações do spray de pimenta. Sequer se sabe quantos jatos foram, afinal, aplicados e as durações de cada jato (?!). Ao que tudo indica, segundo a testemunha EDIVALÇO BRUM DA SILVA, foram três jatos no rosto de ADEMIR GONÇALVES COSTA. Veremos, mais adiante, que o composto químico Capsaicina é altamente irritante das mucosas, especialmente as mucosas das vias respiratórias.” (sic) (página 28 do Parecer Técnico)
No seu trabalho, Inimá de Miranda conclui que houve manipulação do local onde o corpo estava antes da perícia, como a limpeza do chão. Diz o seu Parecer Técnico:
Com base em tudo que discorremos até o momento, resta claro que aquele Local de Crime foi manipulado, modificado, especialmente diante da evidente limpeza realizada no chão junto à cabeça de ADEMIR GONÇALVES COSTA. O Local de Crime foi dolosamente fraudado (Fraude Processual)!” (páginas 31/32 do Parecer Técnico)
No dia 4 de julho, o procurador apresentou a sua manifestação que incorporou os argumentos da Polícia Federal quanto a não existência de crimes. No documento de 10 laudas não se refere ao parecer técnico do perito legista independente. Fala apenas dos laudos do IML
Os exames periciais serviram para jogar um forte feixe de luz sobre a causa real do comportamento afoito, anormal, repentino e descontrolado de Ademir Gonçalves diante da abordagem dos fiscais de Receita Federal, bem como esclareceram o motivo da sua degradação física em curto espaço de tempo.
Do que restou apurado, não há nos autos indicativos de conduta criminosa por parte dos servidores investigados; mas, ao contrário, há prova robusta, pelos laudos periciais, que o óbito de Ademir Gonçalves Costa foi causado por intoxicação pelos fármacos, fenacetina, lidocaína, clobenzorex e sildenafil, encontrados no sangue do falecido“.
A leitura, antes de sua manifestação, do Parecer Técnico do perito independente daria ao procurador a chance de constatar as dúvidas levantadas e as conclusões que se chocam com o seu entendimento e do delegado federal, como a que consta à página 38:
“Torna-se interessante destacar que o exame pericial tenha detectado os quatro fármacos (FENACETINA, LIDOCAÍNA, CLOBENZOREX e SILDENAFIL), mas não tenha detectado o componente do Spray de Pimenta (Espuma), Capsaicina Natural (?!). Por que não detectou?
Mais ainda, o procurador poderia verificar que o perito independente, na conclusão dos trabalhos (página 173) discordou de tudo o que o Inquérito Policial inclusive da presença sim de indícios de uma ação criminosa que justificaria uma ação penal. Consta do documento:
“Com base em tudo que discorremos ao longo do presente Parecer Técnico- Científico, resta-nos a certeza de que a morte se deveu ao uso excessivo do SPRAY de Pimenta (espuma) ― CONDOR GL 108/E mini ―, que ocasionou dificuldade respiratória na vítima, levando a uma SUFOCAÇÃO DIRETA, agravada pela forma que foi contida a vítima, impossibilitando seus movimentos respiratórios ― SUFOCAÇÃO INDIRETA. E que houve falhas gritantes no Exame Toxicológico, calcado em amostras insuficientes colhidas.
Dessa forma, concluímos que a morte se deveu e foi ocasionada pela ação absurdamente agressiva por parte de agentes da Receita Federal”. (grifo nosso).
despacho do njuizcobrando do MPFO curioso é que o juiz Clementino, no mesmo dia 5 de julho em que o procurador apresentou seu pedido, percebeu que Sousa Santos não havia lido o Parecer Técnico ao fazer sua manifestação pelo arquivamento do caso. Abriu então nova chance para que Sousa Santos analisasse o documento, concedendo-lhe cinco dias úteis para rever sua posição, como se depreende do despacho dele ao lado.
Ainda assim, Souza Santos não deu a mão à palmatória e, atendendo e agradecendo a decisão de o juiz lhe abrir novo prazo, preferiu fincar pé no seu convencimento inicial, inclusive com críticas ao trabalho técnico. Na sua nova manifestação ele expôs:
Analisando-os, o MPF entende que eles estão com conteúdo insuficiente, hiperbólico e parcial, além de estarem com uma qualidade muito inferior em relação aos laudos periciais do IML e da Polícia Federal.
Eles não representam a verdade.
Com efeito, o Ministério Público Federal requer o arquivamento dos autos e confirma a promoção encartada no evento 47“. (grifo nosso)
Este, porém, não foi o entendimento do juiz que acabou recusando-se a decretar o arquivamento do caso e determinando novas investigações e diligências, incluindo a exumação do cadáver para novo laudo pericial. Na decisão ele justifica-a:
O representante constituído pelos filhos do falecido juntou aos autos laudos periciais elaborados por dois assistentes técnicos, os quais chegaram a conclusões diversas daquelas demonstradas pela perícia oficial. Em seus respectivos laudos periciais, os experts contestaram tecnicamente a causa mortis de ADEMIR, fizeram apontamentos de que houve rompimento da cadeia de custódia e que a autoridade policial não atendeu às determinações dispostas no CPP.
Diante das contestações técnicas e jurídicas, amparando-me no poder geral de cautela e também considerando se tratar de bem jurídico de extrema importância (vida), entendo pertinentes alguns requerimentos elaborados“. (veja íntegra da decisão abaixo)
Terá o Ministério Público Federal disposição em rever suas posições?
Apoio:
Advocacia Eny Moreira
Marcelo Auler
Marcelo Auler http://marceloauler.com.br/morte-na-aduana-cai-o-delegado-e-agora-mpf/
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