Diante do salário da filha, Luiz Fux se calou
Marcelo Auler (*)

Ela, desde março de 2016 é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Foi nomeada e empossada na vaga do quinto dos advogados com apenas 35 anos de idade, após um procedimento polêmico de escolha. Segundo se discutiu à época, Marianna não teria comprovado a prática jurídica exigida em lei. Por isso, foi considerada sem experiência suficiente. Nada disso superou a campanha feita pelo pai que lhe garantiu ser a candidata mais votada entre seus hoje colegas de plenário. (A propósito vale a leitura da reportagem de Malu Gaspar na revista piauí – Excelentíssima Fux).
O comentário do ministro publicado na Folha de terça-feira (05/09) – Ministro do STF diz que existe tentativa de enfraquecer o Judiciário – foi feito em função da recente divulgação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do custo médio de um juiz ao erário público – R$ 47,7 mil mensais em 2016. Fux, ao defender a divulgação destes valores, acrescentou: “Às vezes há um esquecimento proposital de que o juiz é um servidor público. Como servidor, o juiz deve receber aquilo que todo servidor recebe. Na hora de analisar um juiz não pode analisar o Judiciário, mas sim, um servidor público”.
Ao que parece, esqueceu o telhado de vidro na família. Ao recorrer à página de transparência do TJ-RJ, este Blog constatou que Marianna, nos primeiros seis meses de 2017 – não há ainda dados sobre os pagamentos feitos a partir de Julho – embora tenha um salário nominal bruto de R$ 30.471,11 – aferiu um total de R$ 219.449,01, o que corresponde a uma média mensal de R$ 36.574,84. Rendimento quase igual ao salário bruto de seu pai – R$ 37.476,93 – e bem acima do que ele recebe líquido, um pouco menos do valor que admitiu ao jornal paulista: R$ 25.347,53.

Na manhã desta sexta-feira (08/09) o Blog recebeu o cartaz de uma campanha que está sendo liderada pelo SindJustiça do Rio, para que o ministro Fux libere a ADI 4393 que ele retém no seu gabinete há cinco anos e quatro meses. A campanha foi lançada há três semanas.
Ao se recusar a responder ao questionamento que o Blog lhe encaminhou através da assessoria de comunicação do STF (veja abaixo), Fux deixou de explicar também outro assunto delicado: os motivos que lhe levam a manter paralisado há cinco anos e quatro meses, em seu gabinete, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4393.
Trata-se de uma ação proposta em março 2010 pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele questiona a constitucionalidade da Lei nº 5.535/2009, do Estado do Rio de Janeiro, que criou diversos tipos de auxilio aos magistrados. Em especial, no seu artigo 35 estipula o auxílio saúde, auxílio pré-escolar, auxílio-alimentação, diferença de entrância, adicional de permanência, gratificação “pelo exercício como Juiz Dirigente de Núcleo Regional” e outros.
Inconstitucionalidade – Esta ADI foi distribuída ao então ministro Carlos Ayres Brito que, em maio de 2012, levou o caso ao plenário. Na ocasião, ele presidia a corte. No seu voto, afastou as preliminares levantadas pela Advocacia Geral da União que propunha o não conhecimento da Ação, e concluiu:
“Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei nº 5.535/2009, do Estado do Rio de Janeiro: arts. 2º, 4º, 7º a 10, 14 a 26, 27, 29, 31 a 33, incisos I, III, VI, VII, VIII, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “f”, “g” do inciso V e §§ 2º, 3º, 5º e 6º, todos do 35, além dos arts. 36 a 49″.
Isto significa que ele considerou inconstitucionais os artigos, incisos e parágrafos da lei que geram até hoje vários benefícios os magistrados do Rio, entre os quais: auxílio-saúde; auxílio pré-escolar; auxílio-alimentação. As gratificações de adicional de permanência; pela prestação de serviços de natureza especial, definidos em Resolução do Tribunal de Justiça; pelo exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na 3º Vice-Presidência, na Corregedoria, em número de até nove juízes de direito para cada órgão mencionado, e no Segundo Grau de Jurisdição; gratificação de comarca de difícil acesso; pelo exercício como Juiz Dirigente de Núcleo Regional; pela designação para compor Turma Recursal dos Juizados Especiais.
E ainda, diferença de entrância; valores pagos em atraso, sujeitos ao cotejo com teto junto com a remuneração do mês de competência; e demais vantagens previstas em lei, inclusive as concedidas aos servidores públicos em geral, e que não sejam excluídas pelo regime jurídico da Magistratura.
A prevalecer o voto do relator (leia a íntegra abaixo), tais benefícios – verdadeiros penduricalhos nos salários dos magistrados fluminenses – deixariam de ser pagos. Mas, como o processo foi paralisado pelo pedido de vista do ministro Fux – que, como todos sabem, começou a sua carreira na magistratura no Poder Judiciário do Rio onde foi desembargador até ser nomeado, em 2011, com a ajuda do amigo, governador Sérgio Cabral, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, depois, para o STF – tudo continua sendo devido aos juízes e desembargadores.
Impedimento? – Isto em um Estado que se encontra literalmente falido e deixa servidores e aposentados sem vencimentos. Ou seja, atrasa ou não paga salários muito menores do que os “auxílios” dados à magistratura e aos membros do Ministério Público Estadual.
Mais curioso é que quando Fux pediu vistas do processo – 2012 – ele não tinha a filha como desembargadora do Tribunal de Justiça. Ela só veio a ser nomeada em 2016. Desde então, porém, ela passa a ter interesse na Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a Lei nº 5.535/2009, pois se beneficia de alguns auxílios ali estipulados.
Segundo consta do Código de Processo Civil – que Fux ajudou a reescrever com base no conhecimento jurídico que armazena -, ele pode estar incorrendo no previsto no artigo 144. Ali constam os motivos de impedimento de um magistrado no julgamento de determinado processo. Ele prevê o impedimento do magistrado:
“IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive”;
Na medida em que sua filha passa a ter interesse nesta ADI, isto não obrigaria Fux a se declarar impedido de julgá-la? Ou, como lhe questionamos – sem merecermos resposta – supor este impedimento seria dar uma interpretação mais amplas do que se deveria ao inciso IV do artigo 144?
Dentro da Lei – A favor de Marianna diga-se que nada do que ela recebe é ilegal. Pode até serem auxílios discutíveis moral e eticamente. Por exemplo, o tal auxílio moradia que é pago a quem já morava na cidade onde trabalha, independentemente do magistrado ou membro do MP possuir ou não casa própria.
Segundo dados oficiais do Tribunal de Justiça todos os 876 juízes e desembargadores na ativa recebem o auxílio moradia – R$ 4.377,00, que Ayres Brito não condenou. Considerou que ela está coberta pela Lei Complementar nº 35/79. Ou seja, uma lei escrita nove anos antes da Constituição Cidadã de 1988, e até hoje não revista. Com isto, apenas o TJ-RJ arca com uma despesa mensal, com esta gratificação, de R$ 3.824.252. Valor, por si só, considerável. E que se repete em todos os tribunais do país, assim como na Justiça Federal e nos Ministérios Públicos Estaduais e Federal.
Mas isso não é tudo. Segundo a folha de pagamento postada na página do Tribunal de Justiça, no mês de junho, os gastos com o pagamento as chamadas indenizações – o que inclui ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio alimentação, auxílio moradia, auxílio pré-escolar, auxílio-educação, indenização de transporte e indenização por dias de compensação de plantão não usufruídos (repouso remunerado) – totalizaram R$ 8.192.827,97.
Retirando-se desse total o que é pago a título de auxílio moradia – que o ministro Ayres Brito considerou estar coberto por uma lei antiga – o Tribunal pagou ao seus juízes e desembargadores R$ 4.368.575 nesta rubrica. Mais do que o gasto com auxílio moradia.
Confira os pagamentos feitos à desembargadora Marianna nos seis primeiros meses de 2017:

Dados extraídos do portal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Na coluna Indenizações consta os R$ 4.377,00 do auxílio moradia e mais R$ 1.825,00 de outro auxílio não especificado pelo Tribunal. Como também não explicaram ao que se refere “Vantagens Eventuais” que, no semestre, equivaleram a R$ 71.099,26, ou 2,33 salários base da desembargadora.
Marianna Fux, por exemplo, recebeu nos seis primeiros meses de 2017 uma indenização mensal de R$ 6.202,00. Retirando-se o auxílio moradia, ela ainda percebe alguma ajuda no valor mensal de R$ 1.825,00. No semestre equivaleu a um ganho a mais de R$ 10.950. Questionado, o Tribunal de Justiça não explicou ao Blog a que se refere tal pagamento.
Também ficou sem explicação uma verba que lhe foi paga na rubrica Vantagens Eventuais. Entre janeiro e maio, totalizou R$ 71.099, 26 – R$ 10.157,04 nos meses de janeiro, fevereiro e março e de R$ 20.314,07 em abril e maio.
Segundo o portal do Tribunal de Justiça, esta rubrica engloba pagamentos referentes a “gratificação de férias, parcela autônoma de equivalência, pecúnia (férias e licença especial), acumulação, auxílio, substituição de cargo efetivo, diferença de entrância; ou ainda, gratificação hora-aula, adiantamento de 13º salário, 13º salário”. O total que ela recebeu nesta rubrica equivale a 2,33 salários nominais seus, de R$ 30.471,11.
O silêncio do ministro Fux, assim como de sua filha Marianna e do próprio Tribunal de Justiça que não retornou ao pedido de explicações encaminhado pelo Blog contrasta frontalmente com a fala da presidente do STF esta semana, quando abordou a famigerada gravação de Joesley Batista.
Na ocasião, ao anunciar seus pedidos de providências junto à Polícia Federal, Cármen Lúcia enfatizou:
“impõe-se com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza a apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado”.
Ao que parece, ao silenciar-se, o ministro Fux e a desembargadora Marianna, não respeitaram esse direito dos cidadãos brasileiros serem informado dos atos do Poder Judiciário, no caso, do Rio de Janeiro. Ressalte-se que não existe ilegalidade nos pagamentos/recebimentos, mas nem por isso eles deixam de ser discutíveis.
Principalmente levando-se em conta que o ministro está retendo um julgamento que poderá, em tese, como propôs o ministro Ayres Brito no voto que transcrevemos abaixo, suspender muitos destes penduricalhos salariais que ajudam a deteriorar mais ainda os cofres do Rio de Janeiro. Ou será que isso não merece esclarecimento?
(*) Matéria reeditada às 13H35 para incluir o cartaz da campanha do SindJustiça: “Libere a ADIN, Fux”
http://marceloauler.com.br/diante-do-salario-da-filha-luiz-fux-se-calou/
0 comentários:
Postar um comentário