Há limites para a Corregedoria? (ou, precisamos mesmo de um corregedor?)
O lamentável e triste desfecho envolvendo o ex-reitor da UFSC, prof. Luís Carlos Cancellier, começa a ganhar contornos mais definidos em relação a fatos até então desconhecidos que suscitam sérios questionamentos sobre os limites de atuação da corregedoria.
De fato, como foi noticiado no jornal O Globo [1], lemos que
“O corregedor Rodolfo Hickel do Prado vinha acusando o reitor de pressioná-lo, de tentar barrar a investigação em curso, e seu depoimento à PF foi importante para a decisão judicial.
O reitor vinha afirmando em entrevistas que a discussão sobre se o caso deveria ser investigado pela Corregedoria ou pela Procuradoria da universidade era eminentemente técnica e jurídica.
O corregedor não chega a acusar diretamente o reitor de estar entre os que receberam dinheiro desviado, mas ressalta que a investigação estava em curso e era uma suspeita.
Em entrevista ao Diário Catarinense", no último dia 19, Prado respondeu sobre que motivo imaginava que o reitor tivesse para obstruir as investigações. "Acredito que, e isso é mera suposição, foi para tentar proteger alguns de seus pares, ou até mesmo ele (Cancellier). Mas não chegamos a uma conclusão (sobre as condutas dos investigados), o processo está em trâmite ainda", declarou.”
Estamos diante de um fato inusitado, pois, como diz a reportagem, se o corregedor não chegou a acusar diretamente o reitor de estar entre os que receberam dinheiro desviado, fica a dúvida se ele, na ocasião da entrevista, dispunha de provas concretas quanto ao envolvimento do reitor. Ora, mas se não tinha provas concretas do envolvimento do reitor em algo ilícito, qual o sentido do corregedor dar uma entrevista a um jornal reconhecendo ser mera suposição (dele) que o reitor agia obstruindo as investigações ? Por que essa publicidade dada a algo que se baseia em meras suposições? Afinal, onde está a presunção da inocência? Um outro dado ainda mais preocupante em relação a atitude do corregedor nós lemos na própria entrevista que ele deu ao Diário Catarinense em 19 de Setembro [2], citada no trecho acima, onde o corregedor afirma que o reitor não tinha acesso as investigações. Ora, mas se o reitor não tinha acesso ao processo como ele poderia se defender das suspeições baseadas em meras suposições que o corregedor tornou público na entrevista que deu ao Diário Catarinense?, algo que abalou a reputação da instituição e a própria pessoa do reitor, um fato que pode ter contribuído para o trágico desfecho. Fica evidente então que o corregedor deveria ter mantido o sigilo das denúncias se abstendo de dar entrevistas e, assim, de tornar público meras suposições que ele na ocasião não tinha como provar.
Não deixa de ser perturbador considerar que se o corregedor agiu dessa forma em relação ao reitor - o funcionário da UFSC com maior visibilidade diante do público - aparentemente não avaliando o dano que meras suposições causariam a instituição e a reputação das pessoas, fica o questionamento do que levaria o corregedor a agir de outra forma em relação a qualquer outro servidor? Assim, que proteção teria um trabalhador desta universidade quando suspeições baseadas em meras suposições parecem se tornar razão suficiente para o corregedor dar publicidade a investigações que deveriam ser mantidas sigilosas?
Não sendo este necessariamente o caso envolvendo o corregedor, pois somente uma investigação aprofundada da atuação dele poderá aferir isso, há aqui uma questão fundamental que todos nós fazemos diante da ação midiática de alguns procuradores, juízes e policiais federais:
Que proteção tem o cidadão comum contra o abuso daqueles que revestidos de autoridade e movidos por uma ânsia persecutória acabam por desempenhar a função de “acusadores públicos” antes mesmo do devido processo legal e do direito ao contraditório?
A lição que vem de Brasília, principalmente na figura do ex-procurador geral da República e de seus auxiliares, não é das melhores visto a multiplicidade de solicitações de arquivamentos de denúncias que eles mesmos posteriormente pediram, o que evidencia um trabalho precário e superficial de acusar sem o devido cuidado de fundamentar a denúncia. A razão dessa banalização acusatória é simples de se entender, pois, não havendo uma lei de abuso de autoridade, esse trabalho mal feito não tem repercussão alguma no exercício da função do acusador público. Diferente de outras profissões, onde o trabalhador é cobrado pelo desempenho de sua função, um acusador público, usufruindo das prerrogativas do cargo, escapa do crivo do bom exercício da profissão, já que uma acusação mal substanciada é, sim, trabalho precariamente feito. É por isso que vemos com tanta preocupação a emergência de um quarto poder na República, a PGR, pois nada impede que seus servidores ajam de forma autônoma sem serem alcançados nem moderados por nenhum dos outros poderes.
Voltando à nossa universidade, devemos nos perguntar se precisamos mesmo da figura do corregedor, afinal, parece que de todas as universidades federais somente a UFSC e a Universidade Federal da Bahia tem esse cargo, logo, deve haver uma razão para tão poucas universidades terem a figura do corregedor. Controvérsias a parte, não devemos confundir a autonomia para investigar com a concessão de plenos poderes a quem quer que seja, sendo este o cerne da lei de abuso de autoridade que em algum momento deve ser contemplada pelo congresso. Assim, havendo a figura do corregedor é preciso redefinir seu limite de atuação impondo um mecanismo de controle à própria corregedoria, talvez permitindo ao CUn destituir um corregedor em casos específicos. O ponto crucial que a comunidade acadêmica deve refletir é se deseja ter a figura de um corregedor que investido de amplos poderes agiu de forma totalmente inapropriada ao afirmar em público, por meio de uma entrevista a um jornal, fatos relativos a um processo sigiloso envolvendo pessoas e cuja suspeição o próprio corregedor reconheceu ser baseado em mera suposição. De concreto, fica então a dúvida da adequação do corregedor em desempenhar sua função, que no caso da publicidade que ele deu ao caso se revelou um episódio desnecessário, lamentável, indevido, inaceitável e de pouca sensibilidade quanto aos danos que poderiam causar as partes envolvidas! Sem entrar no mérito da culpabilidade ou inocência de quem quer que seja, a lição que fica é que a falta de cautela e comedimento pode levar a resultados injustos e desastrosos e que talvez um pouco de prudência teria evitado a triste tragédia que tirou a vida do Prof. Luís Cancellier.
De fato, como foi noticiado no jornal O Globo [1], lemos que
“O corregedor Rodolfo Hickel do Prado vinha acusando o reitor de pressioná-lo, de tentar barrar a investigação em curso, e seu depoimento à PF foi importante para a decisão judicial.
O reitor vinha afirmando em entrevistas que a discussão sobre se o caso deveria ser investigado pela Corregedoria ou pela Procuradoria da universidade era eminentemente técnica e jurídica.
O corregedor não chega a acusar diretamente o reitor de estar entre os que receberam dinheiro desviado, mas ressalta que a investigação estava em curso e era uma suspeita.
Em entrevista ao Diário Catarinense", no último dia 19, Prado respondeu sobre que motivo imaginava que o reitor tivesse para obstruir as investigações. "Acredito que, e isso é mera suposição, foi para tentar proteger alguns de seus pares, ou até mesmo ele (Cancellier). Mas não chegamos a uma conclusão (sobre as condutas dos investigados), o processo está em trâmite ainda", declarou.”
Estamos diante de um fato inusitado, pois, como diz a reportagem, se o corregedor não chegou a acusar diretamente o reitor de estar entre os que receberam dinheiro desviado, fica a dúvida se ele, na ocasião da entrevista, dispunha de provas concretas quanto ao envolvimento do reitor. Ora, mas se não tinha provas concretas do envolvimento do reitor em algo ilícito, qual o sentido do corregedor dar uma entrevista a um jornal reconhecendo ser mera suposição (dele) que o reitor agia obstruindo as investigações ? Por que essa publicidade dada a algo que se baseia em meras suposições? Afinal, onde está a presunção da inocência? Um outro dado ainda mais preocupante em relação a atitude do corregedor nós lemos na própria entrevista que ele deu ao Diário Catarinense em 19 de Setembro [2], citada no trecho acima, onde o corregedor afirma que o reitor não tinha acesso as investigações. Ora, mas se o reitor não tinha acesso ao processo como ele poderia se defender das suspeições baseadas em meras suposições que o corregedor tornou público na entrevista que deu ao Diário Catarinense?, algo que abalou a reputação da instituição e a própria pessoa do reitor, um fato que pode ter contribuído para o trágico desfecho. Fica evidente então que o corregedor deveria ter mantido o sigilo das denúncias se abstendo de dar entrevistas e, assim, de tornar público meras suposições que ele na ocasião não tinha como provar.
Não deixa de ser perturbador considerar que se o corregedor agiu dessa forma em relação ao reitor - o funcionário da UFSC com maior visibilidade diante do público - aparentemente não avaliando o dano que meras suposições causariam a instituição e a reputação das pessoas, fica o questionamento do que levaria o corregedor a agir de outra forma em relação a qualquer outro servidor? Assim, que proteção teria um trabalhador desta universidade quando suspeições baseadas em meras suposições parecem se tornar razão suficiente para o corregedor dar publicidade a investigações que deveriam ser mantidas sigilosas?
Não sendo este necessariamente o caso envolvendo o corregedor, pois somente uma investigação aprofundada da atuação dele poderá aferir isso, há aqui uma questão fundamental que todos nós fazemos diante da ação midiática de alguns procuradores, juízes e policiais federais:
Que proteção tem o cidadão comum contra o abuso daqueles que revestidos de autoridade e movidos por uma ânsia persecutória acabam por desempenhar a função de “acusadores públicos” antes mesmo do devido processo legal e do direito ao contraditório?
A lição que vem de Brasília, principalmente na figura do ex-procurador geral da República e de seus auxiliares, não é das melhores visto a multiplicidade de solicitações de arquivamentos de denúncias que eles mesmos posteriormente pediram, o que evidencia um trabalho precário e superficial de acusar sem o devido cuidado de fundamentar a denúncia. A razão dessa banalização acusatória é simples de se entender, pois, não havendo uma lei de abuso de autoridade, esse trabalho mal feito não tem repercussão alguma no exercício da função do acusador público. Diferente de outras profissões, onde o trabalhador é cobrado pelo desempenho de sua função, um acusador público, usufruindo das prerrogativas do cargo, escapa do crivo do bom exercício da profissão, já que uma acusação mal substanciada é, sim, trabalho precariamente feito. É por isso que vemos com tanta preocupação a emergência de um quarto poder na República, a PGR, pois nada impede que seus servidores ajam de forma autônoma sem serem alcançados nem moderados por nenhum dos outros poderes.
Voltando à nossa universidade, devemos nos perguntar se precisamos mesmo da figura do corregedor, afinal, parece que de todas as universidades federais somente a UFSC e a Universidade Federal da Bahia tem esse cargo, logo, deve haver uma razão para tão poucas universidades terem a figura do corregedor. Controvérsias a parte, não devemos confundir a autonomia para investigar com a concessão de plenos poderes a quem quer que seja, sendo este o cerne da lei de abuso de autoridade que em algum momento deve ser contemplada pelo congresso. Assim, havendo a figura do corregedor é preciso redefinir seu limite de atuação impondo um mecanismo de controle à própria corregedoria, talvez permitindo ao CUn destituir um corregedor em casos específicos. O ponto crucial que a comunidade acadêmica deve refletir é se deseja ter a figura de um corregedor que investido de amplos poderes agiu de forma totalmente inapropriada ao afirmar em público, por meio de uma entrevista a um jornal, fatos relativos a um processo sigiloso envolvendo pessoas e cuja suspeição o próprio corregedor reconheceu ser baseado em mera suposição. De concreto, fica então a dúvida da adequação do corregedor em desempenhar sua função, que no caso da publicidade que ele deu ao caso se revelou um episódio desnecessário, lamentável, indevido, inaceitável e de pouca sensibilidade quanto aos danos que poderiam causar as partes envolvidas! Sem entrar no mérito da culpabilidade ou inocência de quem quer que seja, a lição que fica é que a falta de cautela e comedimento pode levar a resultados injustos e desastrosos e que talvez um pouco de prudência teria evitado a triste tragédia que tirou a vida do Prof. Luís Cancellier.
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Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática
[1] https://oglobo.globo.com/brasil/procurador-entidades-federais-apontam-abuso-no-caso-do-reitor-da-ufsc-que-se-matou-21902071#ixzz4uV84noOv
[2] http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2017/09/pressoes-comecaram-logo-apos-a-minha-posse-diz-corregedor-que-investiga-desvio-de-bolsas-na-ufsc-9905872.html
Professor do Departamento de Matemática
[1] https://oglobo.globo.com/brasil/procurador-entidades-federais-apontam-abuso-no-caso-do-reitor-da-ufsc-que-se-matou-21902071#ixzz4uV84noOv
[2] http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2017/09/pressoes-comecaram-logo-apos-a-minha-posse-diz-corregedor-que-investiga-desvio-de-bolsas-na-ufsc-9905872.html
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