Museu é lugar de que?
Mostra fotográfica traz discussões sociais para dentro do MIS Campinas

ReExistir - Foto: Sandra Lopes
por Jornalistas Livres Campinas20 novembro, 2017
Com o objetivo de levantar discussões sobre existir e resistir em um país com tantas deficiências estruturais e políticas, como o Brasil, está em exposição no Museu da Imagem e Som de Campinas – MIS- a mostra ReExistir, que reúne, pela primeira vez, o trabalho do coletivo feminino de fotografia Carolinas.
Rompendo com a ordem tradicional de exposições fotográficas em museus, as imagens de Fabiana Ribeiro, Cintia Antunes e Sandra Lopes, são apresentadas impressas em tecidos, nas dimensões de 1,20m x 0,80m, dando a sensação de tridimensionalidade e movimento, dialogando diretamente com a mobilidade dos temas escolhidos para serem retratados pelas fotógrafas, todos de cunho político-social. O coletivo encara a técnica de impressão nesses tecidos também como uma forma de aproximar as pessoas da arte, que pode ser tocada, experimentada e vista de vários ângulos.
A sala da exposição ReExistir divide-se em três temas diferentes. Com fotografias da comunidade Nelson Mandela – liderada por mulheres e um símbolo da batalha constante por direitos básicos na cidade-, Fabiana Ribeiro capta vários momentos importantes das questões de moradia e falta de políticas públicas com populações vulneráveis socioeconomicamente. ‘’ Quais os reflexos desse pós golpe na vida do trabalhador? na identidade de classe, de gênero? Temos todas essas discussões rolando na Mostra’’, diz Fabiana.
A fotógrafa Sandra Lopes é a responsável por tocar nos tabus da sexualidade e todo o discurso intolerante revivido nos últimos tempos, como por exemplo, a polêmica cura gay. ‘’Corpos e nudez existem na arte desde que o homem começou a desenhar e pintar paredes, na pré-história, conhecida como arte rupestre’’.
As fotografias de Cintia são frutos do projeto ‘’EmPodera’’, oficinas gratuitas de fotografia realizadas pelas arte-educadora na cidade. Nelas, adolescentes de movimentos sociais são retratadas de uma forma bem sensível, trazendo questionamento sobre gênero e classe.
A Mostra ReExistir faz parte de outra exposição em cartaz no MIS, a Mostra Luta – organizada por coletivos populares de comunicação – que também traz questões político-sociais para dentro do museu, desde 2008.
As exposições exibidas no MIS- Campinas entre outubro e novembro de 2017, dão continuidade a uma uma discussão iniciada meses antes, com o encerramento da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira. Cancelada pelo Santander Cultural, e precursor de uma série de polêmicas envolvendo arte, que levantou questionamentos sobre como deveria ser utilizado o espaço cultural, principalmente museus.

Fotografas do Coletivo em roda de conversa
Museóloga e especialista cultural do MIS Campinas, Juliana Siqueira, defende o museu como um espaço de reflexão, um espelho da cultura que permeia e habita todos os espaços sociais, possibilitando uma visão sólida sobre a forma como vivemos e como poderíamos viver. ‘’Quando no Queer, no MAM, no MASP, mostram a sexualidade de forma utópica, ou seja, sem opressão. Isto é o papel do museu, refletir e ver outras possibilidades de libertação, não só consumir um produto, como em um shopping center’’.
Juliana, acredita que a não aceitação dessas manifestações culturais se devem a uma onda de conservadorismo, resultante da crise econômica atual. Uma vez que, quando o sistema entra em crise a tendência é que a classe mais privilegiada seja menos aberta a negociações.
‘’ Quando isso acontece, essa classe tende a buscar um culpado. Você vê isso quando a população alemã culpabiliza os judeus pela crise econômica, na década de trinta, e vê isso aqui no Brasil atualmente também’’.
Todas as exposições repudiadas por parte da população nos últimos meses têm como ponto em comum performances e exposições que tocam em assuntos considerados tabus, como o nu, opressões e sexualidade.
’’Defender a liberdade do corpo, um corpo que não é totalmente erotizado é super válido. A erotização está na cultura de massa, na exploração comercial. O que não é o caso da arte que questiona isso’’, afirma a museóloga.
Historiador e vice diretor do curso de museologia da PUC-Campinas, Lindener Pareto, explica que as polêmicas que tangem o mundo artístico são parte do conceito de arte, já que essas expressões tendem a refletir sobre as próprias condições humanas . ‘’Sempre foi fundamental, principalmente em períodos difíceis do ponto de vista político-social, que os artistas se manifestassem criticamente. Nós nunca estivemos isentos do problema da censura, mas agora estamos voltando a viver esse período. Não como uma repetição da história, mas como permanências do fascismo do século vinte’’.
Um episódio emblemático para refletir sobre os acontecimentos recentes é, segundo o professor, pensar que na Alemanha nazista, Picasso e outros grandes artistas do momento, eram conhecidos por fazer ‘’arte degenerada’’ . Já que o que tinha valor para aquele povo, naquele contexto, era a arte tradicional de séculos anteriores – sendo que essa arte também foi questionada por pensadores conservadores daquela época-. ‘’A arte sempre passou por essa subjetividade, ninguém é obrigado a gostar de nada, mas ao mesmo tempo não é necessário censura. Então a manifestação artística faz parte da liberdade e expressividade humana’’.
Levar exposições como a Mostra Luta e ReExistir para dentro de espaços institucionais como museus ajuda a lançar luz sobre questões sociais, que muitas vezes acabam não sendo abordadas por fazerem parte de grupos excluídos socialmente. ‘’Essas pessoas que são excluídas são também quem conquistam os avanços sociais. Então elas precisam estar aqui, faz parte do papel do museu expor o que não é hegemônico na cultura. Dar focos de reinvenção ao mundo’’, diz Juliana.
Outro ponto característico das Mostras Lutas e ReExistir tem a ver com representatividade desses grupos. ‘’Quem é que vai contar essa história? Dessa menina que vive na ocupação? Ou das Mulheres que estão lá? Um museu que abriga esse tipo de acervo, que aceita imagem das pessoas que são feitas por elas próprias aceita a palavra do outro. É a museologia social‘’. Conclui a especialista cultural.
As mostras Luta e ReExistir estarão em cartaz até o fim de novembro no MIS- Campinas.
Por Victória Cócolo

Ensaio_Empodera | foto: Cintia Antunes

Comunidade Mandela | foto: Fabiana Ribeiro
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