14 de jan. de 2018

"VER O RACISMO COMO UM 'PROBLEMA DOS NEGROS' E UM PRIVILÉGIO DOS BRANCOS ". -Editor - COM 52% DE POPULAÇÃO NEGRA, NAS URNAS ESSE PROBLEMA NÃO SERÁ MAIS PRIVILÉGIO DOS BRANCOS ESSA MUDANÇA DE SITUAÇÃO DE PODER MUDA RADICALMENTE A ESTRUTURA ATUAL E QUE NÃO É DE HOJE.



 
Alessandra Góes Alves Rio de Janeiro

"VER O RACISMO COMO UM 'PROBLEMA DOS NEGROS' E UM PRIVILÉGIO DOS BRANCOS "




O BRASIL ESTÁ longe de ser uma democracia racial, como inúmeros fatos demonstraram ao longo de 2017. A demissão do apresentador William Waack, da TV Globo, depois de dizer que uma era grande, uma era incipiente "coisa de preto", uma festa em que secundaristas se Fantasia de faxineiras e entregadores de pizza, uma fala do ministro Luís Roberto Barroso sobre Joaquim Barbosa ser um "negro de primeira linha", novos ataques em linha por personalidades como a Taís Araújo, uma apresentadora Maria Júlia Coutinho e Miss Brasil 2017, Monalysa Alcântara, entre outros, ampliar o debate sobre o tema. Os brancos, porém, pouco discutidos sobre sua história de papel.
Em entrevista a The Intercept Brasil, uma pesquisadora Lia Vainer Schucman fala sobre hierarquias raciais e sua relação com os privilégios da branquitude.
O que significa ser branco em nossa cultura? Quais acessos, possibilidades e vantagens são garantidos aos brancos em função do racismo? Qual o papel dos brancos no combate ao problema? Em entrevista a The Intercept Brasil, uma pesquisadora Lia Vainer Schucman fala sobre hierarquias raciais e sua relação com os privilégios da branquitude.
"É um processo individual, coletivo e institucional. Depois de reconhecer que há privilégios por conta do racismo, quem quer se opor ao problema tem que fazer uma vigilância constante ", diz Schucman. Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), ela enfatiza que o racismo não pode ser combatido apenas com educação. "O racismo é um problema material. A educação ajuda, mas não é o combate ao racismo sem redistribuição de renda, terra e poder ", afirma a pesquisadora.
A Intercepção Brasil: O que é um branquitude? Qual a sua relação com o racismo?
Lia Vainer Schucman: Quando falamos em branquitude, primeiro devemos pensar em contexto. Falar em branquitude pode se referir a estudos sobre populações brancas, como italianos, alemães, portugueses, etc. Mas, no contexto do movimento antirracista, trata-se dos estudos críticos da branquitude. Ou seja: pensar como a branquitude se constrói a partir do racismo. O termo "branquitude" remete à ideia da identidade racial branca: é quando os brancos começam a ser racializados, tais como negros e indígenas nas sociedades estruturadas pela ideia de raça.
Olham-se os negros como um grupo racializado, os indígenas como grupo racializado, mas os brancos como indiv.
Um raça é um conceito construído no século 19 por uma pseudociência que vai dizer um determinado fenótipo vai ter uma continuidade moral, intelectual, estética. Falar em identidade racial branca e falar sobre significados históricos-culturais construídos sobre o fenótipo branco - fenótipo que terá atribuições morais, intelectuais e estéticas que trazem uma ideia de civilização por trás. Esse conceito de raça foi construído com uma ideia de qualidade: o próprio grupo que inventou o conceito (brancos europeus) hierarquizou e disse que algumas atribuições são melhores do que outras. Então, os brancos se colocaram em uma posição de superioridade em relação a outros grupos.
Ruth Frankenberg, teórica britânica do tema, diz que é uma branquitude que é um "lugar confortável, onde você está com os outros através da lente que você não é o que é mesmo", e esta lente é a raça. Olham-se os negros como um grupo racializado, os indígenas como grupo racializado, mas os brancos como indiv. Um branquitude é uma racialidade que se compõe desta noção de raça construída no século XIX, mas que não é vista enquanto tal: é vista como neutra. E, além de neutra, ela blinda aos brancos a ideia do que é negativo. Mesmo com os povos europeus com uma escravização de negros e indígenas, o genocídio dos judeus, uma colonização da África e do Oriente, o aparecem no imaginário como continente civilizatório, enquanto a África aparece como o continente da "barbárie".
TIB Como essa branquitude funciona no Brasil?
LVS Quando pensamos identidade racial branca no Brasil, devemos entender como pensamos identidade, como pensamos raça e quem é considerado branco na sociedade brasileira. Primeiro, é importante lembrar que "identidade" é diferente de "identificações". A identificação é um percurso individual de um sujeito. Uma pessoa pode ser branca e ter identificações com uma capoeira, com o candomblé, com o samba - tidos como sendo da chamada "cultura negra". A identidade coletiva, não: ela é construída sócio-historicamente e depende da estrutura social em que um indivíduo está inserido.
Então, pensando que não Brasil ou o racismo é de fenótipo, mesmo que uma pessoa é identificada com uma chamada "cultura negra", é sua cor da pele e vista como branca, então ela é branca. Ou seja: é o fenótipo que vai dizer quem é branco e quem não é. Um pouco diferente: um branquitude se dá não só pelo fenótipo, mas também pela origem étnica dos indivíduos. Feita essa ressalva, podemos falar que, de modo geral, os brancos no Brasil são considerados a partir do fenótipo. Então, uma identidade racial aqui é esse olhar sócio-histórico construído pelo fenótipo. Essa identidade não é fluida como podemos pensar, às vezes, sobre o gênero e outras classificações. A identidade é mais fixa quando falamos de raça, no sentido de que a classificação acontece logo, pelo olhar.
Mesmo sendo um conceito que não existe biologicamente, esta ideia da raça branca como superior, construída no século XIX, está bem planejada e está em tudo no Brasil hoje.
Um negro sempre está carregando uma raça, é sempre representante dos negros, enquanto um branco é representante dele mesmo.
TIB Em que situações do cotidiano se vê essa branquitude?
EU CONTRAQuando as pessoas falam que o cabelo liso é superior, mais bonito do que outros, ou quando elas são elogiam "traços finos", elas usam este conceito de raça para falar sobre a uma superioridade estética de um grupo sobre outro. Já vi criança de três anos de idade dizendo que acha o olho azul "o mais bonito". De onde ela tira isso? Da mídia, das propagandas, da escola, onde professores falam para as crianças com esse fenótipo que os olhos azuis são lindos. A gente acha uma coisa pequena, mas essa pessoa com olho azul cresce com uma auto-estima muito maior do que outras que compram ouvindo seu cabelo "é difícil de pentear". Outro exemplo é quando alguém pergunta a uma pessoa negra brasileira o que ela acha do Barack Obama. Pergunte-lhe e obtenha um papel de parede com o Donald Trump, Associando que é branco (Trump) tem uma representatividade das pessoas, uma pessoa vai falar que é uma generalização e vai perguntar o que ela tem a ver com Trump. Um negro semper está carregando uma raça, é semper representante dos negros, enquanto um branco é representante dele mesmo.
Se você pensa que raça pode ser fluida, você pensa que como pessoas pode escolher uma raça. Mas elas não podem.
Você disse que a identidade racial não é tão fluida como sexualidade e identidades de gênero. No fim de Maio, a revista feminista dos EUA Hypathia publicou um artigo de defesa de uma ideia de uma "identidade transracial". Nenhum artigo, uma autora defende que os argumentos que amparam uma identidade transgênero deveriam amparar uma possibilidade de uma identidade "transracial".
Não existe essa categoria transr-racial, que pode sair da escolha dos sujeitos. Se você pensa que raça pode ser fluida, você pensa que como pessoas pode escolher uma raça. Mas elas não podem. Falando de sociedades estruturadas pelo racismo, uma pessoa negra não pode acordar um dia e falar que não é preto porque se identifica com Mozart, gosta de ouvir música clássica, estuda filosofia alemã e tem referências europeias. Não existe essa possibilidade porque uma pessoa está em uma sociedade estruturada pelo racismo de tal forma que é uma polícia vai parar essa pessoa, ela vai sofrer mais batidas pol, por exemplo.
Pessoas negras não têm o direito de se desracializar. Já como brancas podem zoar com isso, brincar com essa racialidade o tempo todo sem problemas. Isso é um privilégio da branquitude.
No início da minha vida de doutorado ( "Entre o encardido, o branco eo branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo" ), relato que fui a uma festa e perguntei a pessoas brancas qual era a raça delas. Como pessoas iam respondendo "pitbull", um outro falou "marciano". Somente uma pessoa se declarou branca. Se é um falante que é uma raça dele é "marciano", vai falar que não quer admitir ou que está a negar uma própria raça. Pessoas negras não têm o direito de se desracializar. Já como brancas podem zoar com isso, brincar com essa racialidade o tempo todo sem problemas. Isso é um privilégio da branquitude.
Em junho de 2017, uma escola de Novo Hamburgo (RS) promoveu uma festa "Se nada der certo", em que estudantes secundários "se fantasiaram" de faxineiras, entregadores de pizza, seguranças, atendentes de supermercado e entregadores de pizza. A festa gerou repercussões nas redes sociais e uma das críticas para o combate ao racismo na escolha das profissões. Como você está avaliando?
Não é pra pra pensar no Brasil sem pensar em trabalho - aquilo que não imaginário da população brasileira é nomeado como "trabalho de branco" e trabalho dos não-brancos "(descendentes indígenas e população negra brasileira). Em um exercício que propõe em uma disciplina, coloquei fotos de uma mulher branca e de uma mulher negra com minissaia, um terninho e uma blusinha. E coloquei um homem branco e um homem negro de terno e gravata. Pedi para os estudante pensarem quais são como profissões para pessoas. Para a mulher branca, disseram "psicóloga", "dentista", "advogada" e "gerente de banco". Tratam-se de profissões liberais, que exigem uma formação universitária. Para a mulher negra, disseram "prostituta", "empregada doméstica" e "secretária". Para os homens brancos, apareceram como profissões de "médico", "dentista", "advogado", "Gerente de banco", "empresário", enquanto para o homem negro disseram "jogador de futebol", "segurança", "motorista" e "pagodeiro". Como respostas mais que não são por causa da roupa e que os lugares de trabalho não Brasil são racializados.
TIB O que mostra sobre o racismo no Brasil?
LVS Em todos os lugares onde é branquitude é hegemônica, aprende-se a ser racista. Mas em alguns, aprende-se e se adere abertamente - como se não houver apartheid da África do Sul. No Brasil, é difícil como pessoas aderirem ao racismo tal como se adere a um partido político ou a uma doutrina, movido por ideologia, como foi um Ku Klux Klan nos Estados Unidos ou o partido nazista na Alemanha. Se grupos como "o Sul do País", não Rio Grande do Sul, mas não estão chegando a 10% dos racistas brasileiros.
Aqui, como pessoas aprendem a ser racistas: elas olham um cargo de poder (como políticos, médicos, engenheiros), veem que eles são ocupados por pessoas brancas e têm um pensamento quase infantil de que isso acontece porque os brancos são melhores. Não se pensa nisso como uma relação de poder.
O fato de brancos estarem nos lugares de poder gera racismo, eo racismo faz com que solo brancos estejam nestes espaços. É uma relação dialética. A não é mentirosa, porque elas veem aquilo no cotidiano. Não é mentirosa, porque elas veem aquilo no cotidiano. Mas é uma resposta acrítica: elas não veem que isso so acontece por causa do racismo.
É uma resposta que não é uma crítica social - estes lugares subalternos são ocupados por pessoas negras por quê? Responda a crítica de colocar no raciocínio nessa configuração do que como pessoas veem: em sua maioria, esses cargos são ocupados por negros e isso é culpa do racismo.
Você disse que, para o grupo branco, uma raça branca aparece como "neutra". Em 2011, muros de uma escola no bairro do Limão (Zona Norte de São Paulo) foi pichada com palavras como "vamos cuidar de nossas crianças brancas" depois de uma escola Não há disciplinas sobre disciplinas sobre a cultura dos negros. A raça branca não apareceu no contexto?
Antes das costas raciais para universidades federais, existia um discurso muito mais forte de que "somos todos misturados", que trazia aquela ideia da mestiçagem desenvolvida pelo Gilberto Freyre. Depois das cotas, como pessoas começaram um falar sobre os próprios privilégios - de uma forma tosca, com falas do tipo "vou perder minha vaga". Esse pensamento já traz de antemão é uma ideia de uma vaga é uma pessoa branca.
Como uma pessoa negra está "roubando" uma vaga? Universidades públicas são lugares públicos, pagamentos pela população brasileira composta por 52% de negros. Então essa vaga "estava para" sujeitos brancos a partir de privilégios.
Em um capítulo da minha tese de doutorado, falo sobre o "medo branco", que ocorre quando os brancos começam a se racializar. Uma pessoa só fala que vai perder uma vaga na universidade se ela assuma que é branca. Essa invisibilidade da raça branca cai em duas situações: quando há perda de privilégios ou nos momentos de ser racista. Existe um interesse: a raça branca aparece ou desaparece, dependendo do contexto. Mas, em geral, pessoas brancas não são vistas como pertencendo a uma raça.
O medo branco, mas nunca é um subalterno.
TIB Em que outras ocasiões ocorre o "medo branco"?
LVS O "medo branco" é um conceito proposto pela historiadora Celia Maria de Azevedo em sua tese de doutorado " Onda negra, medo branco ". Ela escreveu sobre o período pós-abolição, quando há muito mais negros do que brancos na sociedade brasileira. Na época, todos os lugares, não só no Brasil, tem medo de uma "haitização", dos efeitos da revolução negra do Haiti. Então, não é o que fazer para o Brasil ficar branco. É o medo do período pós-abolição.
Eu vejo o "medo branco" como o medo da auto-determinação negra. Em geral, como pessoas nas universidades não querem achar que como cotas raciais foi resultado da auto-determinação de movimentos sociais negros. Elas dice que a instituição "concedeu" como cobras, como se os brancos tivessem dado. Foi uma conquista negra.
Se 52% da população brasileira sofre racismo, é porque tem uma outra porcentagem para o legitimar essa estrutura de poder.
É como se um branquitude tentasse o tempo todo control até onde os negros podem ir eo que podem ser. Isso é próprio da branquitude. Isso é um medo da auto-determinação que tem um ver com a perda de privilégios. Essa perda se dá quando os brancos e negros têm uma média sujeito e sujeito-subalterno. Brancos estão acostumados a estar no lugar de poder. Em uma das 40 entrevistas para o meu doutorado, uma manicure disse que estranhou muito que a dona do salão onde ela trabalhava fosse negra. Ela diz que estranhou ter recebido ordens de uma pessoa negra e aquilo "estava invertido". Quando uma pessoa diz isso, ela pressupõe que há uma posição "normal" - com o branco em lugar de poder eo negro como subalterno. O medo branco, mas nunca é um subalterno.
TIB Qual uma importância de pensar um branquitude para falar sobre o racismo?
EU CONTRAUma ideia de que o racismo é um "problema de negros" é uma forma de ganhar dinheiro com um projeto de racismo e se desresponsabilizar este problema social. Até os brancos que reconhecem o racismo muitas vezes falam que esse é um "problema negro". Mas como construções identitárias de grupos racializados só existem em relação: não existiriam negros se não existissem brancos. Não existe além do outro. Qualquer pessoa negra sofreu racismo na escola. Nunca mais ouvi um negro dizer que não ouviu colegas de escola chamando de "macaco" ou mesmo aqueles apelidos vistos como "carinhosos" - "Pelé", "Mussum", "choquito", "brigadeiro". Negros foram racializados a vida toda e esse processo não é feito por um único branco. Se 52% da população brasileira sofre racismo, é porque tem uma outra porcentagem para o legitimar essa estrutura de poder.
TIB O que seria abrir mãos de privilégios?
EU CONTRAÉ um processo individual e coletivo, da estrutura também. Depois de reconhecer que há privilégios por conta do racismo, quer quer se opor ao problema tem que fazer uma vigilância constante, uma auto-análise o tempo todo. Pensando na relação entre indivíduos, o privilégio pode vir quando uma pessoa branca tem mais espaço para falar em uma situação, por exemplo. Pensando na estrutura, em todas as instituições brasileiras há racismo institucional, já que o racismo e estrutural. O racismo institucional é uma incapacidade de criação promovendo a igualdade racial. Então, se uma pessoa é diretora de uma escola infantil e entre em contato com essa leitura crítica da branquitude, ela deve pensar qual é uma história contada nas aulas, que livros didáticos são, onde estão como bonecas negras para as crianças brincarem. Se alguém organiza um evento na área de Matemática, deve pensar se vai ter algum (a) profissional negro (a) ali. Não é para chamar negros só quando o assunto é racismo. Por isso é uma vigilância constante. Muita gente entra em contato com o tema acha que não pode fazer nada. Mas acredite que todos. Digite o espaço do poder onde podemos fazer algo contra o racismo.
https://theintercept.com/2018/01/12/ver-o-racismo-como-um-problema-dos-negros-e-um-privilegio-dos-brancos/



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