15 de fev. de 2018

Rugby para todas: conheça as Leoas de Paraisópolis. - Editor - OS PRECONCEITOS, ESCONDEM AÇÕES IMPORTANTES FEITOS NA COMUNIDADE. TAMBÉM UM GRUPO DE 20 BAILARINAS , FOI DESTAQUE EM DESFILE DE ESCOLA DE SAMBA NO CARNAVAL

Sociedade 

São Paulo

Rugby para todas: conheça as Leoas de Paraisópolis

por Caroline Oliveira — publicado 12/02/2018 00h30, última modificação 09/02/2018 13h19
Equipe feminina da comunidade desafia o machismo, vende trufas para arcar com seus custos e tenta driblar o elitismo do esporte no Brasil
Caroline Oliveira
Leoas de Paraisópolis
O rugby que vem das vielas de Paraisópolis
Em um campo de grama sintética em Paraisópolis, antes um "terrão" encravado entre as ruas estreitas e improvisadas da comunidade, a treinadora de rubgy Marcia Muller grita "recebe com as duas mãos e passa com uma", "pausa para a água", "dois minutos" para as jogadoras, bate papo e ainda disputa a atenção de todos os ouvidos com a onipresente música Vai Malandra, de Anita.
De sua origem no Reino Unido do século XIX, o rugby parece ter chegado para ficar em Paraisópolis, segunda maior comunidade de São Paulo, encravada em meio a bairros nobres da zona sul da capital. O campo é o território do time feminino Leoas de Paraisópolis, equipe que desafia os estereótipos que cercam o rugby, como o de ser masculino e elitizado. 
Criada em 2010, a equipe feminina é parte do projeto do Instituto Rugby Para Todos e, desde o ano passado, existe também na categoria adulta. Além desta, também existe o M16, com garotas de 14 a 16 anos e o M19, de 17 a 19 anos.
“2017 foi o nosso primeiro ano como formação adulta, mas como elas já tiveram a base do juvenil, fomos melhores treinadas para o Qualify [uma espécie de seleção para as competições] e garantimos um lugar no Campeonato Brasileiro de Rugby”, diz Muller, também coordenadora técnica do Instituto. No campeonato, as leoas ficaram em quarto lugar e garantiram uma vaga já para a próxima temporada, conquista considerada um “feito” por Muller.

Elas passaram por cidades como Florianópolis, Rio de Janeiro, São José dos Campos e Curitiba. O time juvenil é o da categoria com mais títulos no Brasil. “Já tiramos times muito tradicionais das melhores vagas, como o SPAC, Charrua e o Desterro”.
A classificação em segundo lugar no Qualify não garantiu, no entanto, aporte financeiro externo para a participação no campeonato, somente auxílio aos custos com viagens de longa quilometragem. O Instituto arcou com as inscrições, totalizando cerca de 7 mil reais, e as jogadoras com hospedagem e alimentação.
“E como elas fizeram isso? Resolveram fazer trufas para vender. E, desde então, elas se mantêm nos circuitos paulista e brasileiro com as trufas”, detalha Muller.
A treinadora explica que a categoria juvenil não é responsável pelos próprios custos. Contudo, o adulto é a realidade do rugby brasileiro. “Até mesmo os juvenis, em outros clubes, pagam, pois é um esporte de elite. No SPAC, para cada juvenil treinar é 150 reais por mês, adulto, 370 reais”.
No Leoas, de 20 mulheres metade trabalha, seja em empregos fixos ou em “bicos”. Como é difícil para as atletas se sustentarem e continuarem no esporte, a evasão é considerável.
A pilar Hianka Morais, 19 anos e estudante, sai de Raposo Tavares para treinar em Paraisópolis. “A distância realmente é uma dificuldade, demoro 1h30min. Além disso, moro em um extremo da cidade e estudo em outro, então é mais complicado ainda. Porém, no final vale a pena, a gente deixa as dificuldades de lado para estar aqui”, afirma Morais.
“Cresci muito dentro do rugby como atleta e as meninas me ajudaram bastante, é muito prazeroso estar com elas”. Sobre o espaço para mulheres dentro do rugby, Morais afirma que os times femininos não recebem tanta atenção e nem verba quanto as equipes masculinos. “Então temos mais dificuldades na hora de correr atrás das coisas e de participar de campeonatos maiores”.
A capitã do time Karolina Ribeiro, 20 anos e estudante, explica que, apesar das desigualdades de gênero no esporte, as jogadoras não se deixam abater, “a gente faz o nosso e já era”.
Na realidade, ela coloca a dificuldade financeira como do principal obstáculo.
“O rugby é a melhor coisa que eu faço da minha vida. Aqui eu tenho a minha família, todos os meus amigos são daqui. Vivemos juntas, fazemos as coisas juntas. Na comunidade, nós temos bastante visibilidade. E quando estamos em campo, os outros times se impressionam, pelo motivo de termos batido de frente nos jogos.”
Gabrieli Oliveira, 20 anos, pilar e estudante, foi parar no clube por causa do irmão, também atleta no Leões de Paraisópolis. “Todo mundo falou que era um esporte violento. Fiquei apreensiva, mas achei interessante. Acabei participando de um treino e agora completo sete anos no esporte”, afirma.
Com cinco anos no Leoas, Oliveira engravidou de Arthur, mas não parou os treinos. Continuou jogando até do sétimo mês de gravidez. “Foi surreal estar grávida e treinar, às vezes eu via as meninas dentro de campo, mas eu estava grávida e chegou uma hora que eu não podia jogar”, diz.
“O rugby realmente me mudou, porque é um esporte de muita união e empatia, e isso acaba se manifestando na vida pessoal e profissional. Ano passado foi o nosso primeiro ano como adultas e cada vez que entrávamos em campo, recebíamos elogios. Tem até meninas nossas na seleção brasileira”, comemora, como as jogadoras Bianca Santos e Leila Silva.
Antes do rugby chegar em Paraisópolis, a treinadora Marcia Muller recorda que a comunidade só respirava futebol. A categoria feminina do esporte gerou ainda mais curiosidade. “A sociedade inteira é machista e não aceita mulheres dentro de esportes semelhantes aos praticados por homens”, diz.
Sanadas as curiosidades, o esporte é bem visto no local devido também aos aspectos social e pedagógico do projeto. O Instituto Rugby Para Todos conseguiu, além de cursos de inglês, fechar 20 bolsas de estudo na Aliança Francesa, depois de seis meses de negociação.
“Só aqui, nesse clube, trabalha-se a questão pedagógica”, orgulha-se Muller. “Se você passa com a camiseta amarela pelas ruas, todo mundo sabe que é do rugby. Aqui nós temos fisioterapeutas, psicólogos... Mas isso depende de verba e, consequentemente, de aprovação de projeto. Então o maior desafio é conseguirmos recursos para manter time o adulto”.
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/rubgy-para-todas-conheca-as-leoas-de-paraisopolis
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