Anatomia de um golpe de Estado
- 31/03/2014 17h47
- Brasília
Ivan Richard, Danillo Macedo relatório da Agência Brasil

Tanques rolando pelas ruas à medida que a população se tornava cada vez mais polarizada sob um presidente indefeso: esse era o estado das coisas no Brasil quando a ditadura militar começou, há 50 anos. Na madrugada de 31 de março de 1964, tropas do exército partiram para o Rio de Janeiro a partir de Minas Gerais e lançaram um golpe de estado há muito planejado pelas forças militares. O novo regime duraria não menos que 21 anos.

Os tanques do exército no 1964 Coup d'État no Rio
Três anos antes, quando o então presidente Jânio Quadros renunciou, os militares tentaram impedir que o vice-presidente João Goulart, também conhecido como Jango, assumisse o poder. Em um esforço para manter as circunstâncias pacíficas, o Congresso Nacional aprovou a mudança no governo, de um sistema presidencial para um sistema parlamentar, o que limitaria o poder de Jango como chefe de Estado.
Em janeiro de 1963, um referendo constitucional foi realizado e o presidencialismo foi restaurado. Jango chegou ao poder disposto a apresentar seu Plano Básico de Reforma, que incluía a implementação de uma reforma agrária. O projeto, no entanto, não conseguiu apoio suficiente no Congresso e acabou sendo abandonado.
Mesmo assim, o golpe militar, tramado por comandantes das Forças Armadas, vem ganhando força ao longo dos anos, diz o professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Paulo Ribeiro da Cunha. Ele acrescenta: “Uma tentativa já ocorrera em 1954 - um preâmbulo, que foi abortado principalmente por causa do suicídio de Getúlio Vargas. Mas muitas outras tentativas de golpe se seguiram. ”De fato, outra ocorreu em 1955, sem sucesso, visando impedir o presidente eleito Juscelino Jubitschek de assumir o cargo. Além disso, duas revoltas militares foram encenadas, em 1957 e 1959.

Antonio Barbosa, PhD, Professor de História da Universidade de Brasília
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Analistas ressaltam dois momentos-chave para as Forças Armadas montarem o golpe e derrubarem o governo em 1964. O primeiro deles é o rali da “Central do Brasil”, realizado na sexta-feira, 13 de março, no Rio de Janeiro. De uma plataforma erguida do lado de fora do prédio do agora extinto Ministério da Guerra, João Goulart fez um discurso duro em nome de sua futura administração e seu Plano Básico de Reforma, que os militares interpretaram como uma afronta. Uma semana depois, a resposta da direita veio na forma de uma manifestação pública chamada “Marcha da Família com a Deus pela Liberdade”. “Mais de 500 mil pessoas foram às ruas de São Paulo. E isso aconteceu há 50 anos, sem internet ou mídia social. Foi nesse ponto que os líderes, que há muito vinham planejando o golpe, perceberam que era o momento certo, ”Observa Antonio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele menciona que ninguém se levantou em apoio a João Goulart. “Não podemos esquecer que mais de 75% da população brasileira era analfabeta e mais de 95% eram seguidores da Igreja Católica. E, nesse ponto, a igreja mergulhou profundamente na luta anticomunista ”.
Em 31 de março de 1965, Jango é deposto, e durante os 21 anos seguintes, cinco generais assumiram as rédeas do país - um período chamado "Anos de chumbo". Toda uma geração política foi suprimida pela ditadura; milhares de pessoas foram torturadas e mortas, e o país enfrentou um grande colapso econômico, à medida que a dívida externa aumentava para níveis alarmantes durante os anos do regime militar.
Jango pediu asilo político no Uruguai com sua família, apenas para voltar a falecer em 7 de dezembro de 1976. Originalmente relatado como um ataque cardíaco, a causa de sua morte continua sob investigação.
O papel do Tio Sam
Conforme relatado em documentos oficiais, o golpe foi encenado pelos militares brasileiros e contou com o apoio da sociedade e dos principais empresários do país. No entanto, historiadores e testemunhas observam que outro ator desempenhou um papel decisivo na forma como os militares realizaram seu plano: o governo dos EUA.

"Jango" (João Goulart) e o presidente dos EUA, John Kennedy,
Conversas gravadas entre o presidente John Kennedy e o então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, foram divulgadas pela Casa Branca e revelam que a maior potência mundial considerava o Brasil sob o comando de Goulart com muita preocupação.
História da UnB O professor Virgílio Arraes argumenta que, durante a Guerra Fria, o governo dos EUA temia que o maior país latino-americano seguisse os passos de Cuba, onde as forças de Fidel Castro derrubaram o ditador Fulgencio Batista em 1959 e estabeleceram um regime socialista dois anos depois , com o apoio da União Soviética.
Arraes também considera o poder militar dos Estados Unidos como uma das principais razões pelas quais a resposta de Jango ao golpe foi tão morna. “Provavelmente havia mais informações de que Jango estava ciente, e isso o impediu de mostrar vontade de resistir.”
O descontentamento dos EUA com o governo de João Goulart existia desde 1962, quando o embaixador Gordon advertiu o Departamento de Estado dos EUA sobre Jango. Em uma de uma série de gravações feitas na Casa Branca, Kennedy pergunta a Gordon se uma intervenção militar no Brasil era aconselhável. Isso aconteceu em outubro de 1963, 46 dias antes de Kennedy ser assassinado. Mais tarde, o embaixador Gordon retomou seu debate com o presidente Lyndon Johnson.
Para evitar o sucesso da suposta “ameaça comunista”, Washington trabalhou para se aproximar dos brasileiros. Uma das estratégias adotadas foi a Aliança para o Progresso, um programa abrangente de cooperação para o desenvolvimento de diversas áreas. A mais dramática foi a criação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que produziu e lançou material anti-comunista para a rádio, televisão, jornais e filmes - tudo em clara oposição ao governo de Goulart. Realizado sob a suspeita de ter financiado as campanhas eleitorais de candidatos que se opuseram a Jango nas eleições de 1952, o IBAD foi dissolvido pela Justiça em 1963.
Para Arraes, o conhecimento de que os EUA estavam enviando uma frota para a costa brasileira, confirmada mais tarde pelo próprio embaixador Gordon, fornece uma razão suficiente para Jango não reagir com muita força. “Se o exército que derrotou os nazistas e as forças imperiais do Japão se movesse em direção a qualquer país da América do Sul, que tipo de esperança alguém poderia ter, do ponto de vista da guerra?”
Censura tenta silenciar a alma dos brasileiros
Depois de 1964, contornar a censura era uma tarefa difícil para artistas e intelectuais brasileiros que resistiam ao regime militar. Tornou-se comum entre os compositores, por exemplo, incluir metáforas em suas letras em uma tentativa de expressar seus protestos e escapar aos olhos atentos da ditadura.

Chico Buarque
Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gonzaguinha, para citar alguns, fizeram parte de uma longa lista de compositores que tiveram suas músicas censuradas durante o regime militar. O caso mais notório, no entanto, foi a censura da canção de Geraldo Vandré, intitulado “Pra nao dizer Que Não Falei das Flores” ( Não quer dizer que eu não mencionou as flores , em uma tradução aproximada Inglês), que ficou em segundo lugar no nacional fase do Festival Internacional da Canção de 1968, no Rio de Janeiro. Com seu famoso refrão ( Vamos lá, vamos lá / Esperar não é saber / Quem sabe faz o momento / [e] não espera [acontecer], em tradução literal), a música, originalmente chamada de “Caminhando”, tornou-se um hino para todos os que lutavam contra a ditadura. Vandré mais tarde buscou asilo político no exterior, depois que o Ato Institucional 5 ( Ato Institucional 5, ou simplesmente "AI 5") foi aprovado no mesmo ano, concedendo ainda mais autoridade aos líderes militares.

Geraldo Vandré
Chico Buarque, por sua vez, era o alvo favorito dos militares e protegia suas canções da censura ao adotar o pseudônimo Julinho de Adelaide. Foi assim que ele conseguiu impedir que “Acorda, amor” (Wake up, amor) fosse banido - uma música cujas letras descreviam o pesadelo que era ter “pessoas batendo no portão”.
O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony descreve a tarefa de lidar com a censura: “Os censores eram realmente estúpidos, portanto não podiam ver certas nuances. E, uma vez que eles eram realmente estúpidos, eles frequentemente criticavam coisas sem importância e proibiam a peça ou a música ”, diz ele.
O produtor cultural Fabiano Canosa, um dos profissionais encarregados dos eventos do Cine Paissandu, símbolo da resistência cultural do Rio de Janeiro nas décadas de 1960 e 1970, diz que as coisas não são diferentes para os cineastas, especialmente para os documentaristas.
Não demorou muito para que a repressão também chegasse à imprensa.

Publicação de jornal do Correio da Manhã
Os principais jornais do Brasil, que inicialmente apoiaram o regime militar, começaram a retirar seu apoio assim que a classe média e os empresários brasileiros perceberam a direção em que os militares estavam liderando o país. Como viam a si mesmos cada vez menos poder de decisão e percebiam que a vida política no Brasil havia sido reduzida à submissão à ditadura militar, muitos passaram a considerar o governo criticamente, o que facilitou a expressão de intelectuais e juristas. contra a repressão e a violência. Este é o contexto no qual as primeiras revistas semanais foram criadas, inspiradas no “Time” americano. “Veja” foi a primeira desse tipo. Foi criado em 1968 e teve vários problemas confiscados pela polícia, às vezes antes de sair das bancas. Diário "Estado de São Paulo",
Enquanto isso, do outro lado, os militares começaram a usar a televisão como uma ferramenta para disseminar sua propaganda. Eles deram apoio financeiro a programas que elogiassem o governo e suas ações, como o programa chamado “Amaral Netto, o Repórter”, exibido pela TV Globo. O trabalho de jovens compositores também seria encorajado pelos militares, se conseguissem transmitir nas suas letras um sentimento de patriotismo exagerado, como a canção de Don & Ravel “Eu te amo, meu Brasil”. “O Brasil - ame-o ou deixe-o” tornou-se o lema do regime militar da época.
Traduzido por Fabrício Ferreira
Editado por: Nira Foster / Olga Bardawil
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