Barragem de rejeitos de bauxita da mineradora Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Barcarena (PA) – Treze comunidades ribeirinhas, que dependem dos recursos naturais dos igarapés Bom Futuro, Gurajuba e dos rios Murucupi e Tauá, na bacia do rio Pará, em Barcarena, viram seus quintais e poços artesianos serem tomados por uma lama vermelha na sexta-feira (16). Chovia forte na região. Mas a certeza era outra. Houve o que eles temiam há muitos anos: o vazamento de rejeitos químicos das atividades de processamento da mineradora Hydro Alunorte, de capital norueguês, reconhecida como a maior refinaria de bauxita do mundo.
O Instituto Evandro Chagas (IEC), em Belém, foi acionado pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal para avaliar os impactos socioambientais e riscos à saúde dos moradores das comunidades. Barcarena tem 112 comunidades ribeirinhas e um total de 121.190 habitantes, segundo o último censo do IBGE.
Na quarta-feira (21), a Hydro Alunorte negou o vazamento da barragem de rejeitos de bauxita. A empresa é de propriedade da multinacional
norueguesa Norsk Hydro .
“Apesar do volume de chuva excepcional que incidiu sobre a região entre os dias 16 e 17 de fevereiro, superior a 200 milímetros, em aproximadamente 12 horas, segundo registros da empresa Climatempo, não houve qualquer transtorno nos depósitos de resíduos sólidos da refinaria”, diz nota da empresa.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Barcarena também negou o vazamento. O descaso das autoridades e da empresa lembra como foram tratados os moradores de
Mariana (MG) , onde aconteceu o maior desastre ambiental por rompimento de barragem de mineração no Brasil, em 2015.
Nesta quinta-feira (22), o pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do IEC, Marcelo de Oliveira Lima, divulgou um laudo do resultado da coleta de amostragens de águas e efluentes que fez no igarapé Bom Futuro, confirmando que houve o vazamento de rejeitos da barragem da empresa Hydro Alunorte.
Segundo o pesquisador do IEC, as amostras analisadas tinham níveis de chumbo, sódio, nitrato e alumínio, sendo que este último está 25% acima do permitido para a saúde humana. A lama vermelha vista nas comunidades São João, Burajuba, Sítio Conceição, Cupuaçu Boa Vista, São Lourenço Gibiriê, todas de remanescentes quilombolas, é de bauxita e outros produtos químicos.
“Ao contrário do que a empresa diz e afirma, houve, sim, os transbordamentos. As bacias não estavam suportando a quantidade de chuvas”, disse Marcelo de Oliveira Lima, em coletiva de imprensa em Belém.
Mineradora norueguesa Hydro, em Barcarena (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
O advogado socioambiental Ismael Moraes disse à reportagem que enviou uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) na qual consta fotos de um duto de 500 centímetros de diâmetro que despeja resíduos tóxicos direto no meio ambiente, incluindo áreas de floresta nativa.
O duto é o DRS-2, que segundo a empresa Hydro Alunorte, foi construído respeitando a legislação ambiental.
De acordo com o
site da BBC Brasil , após negar irregularidades com o duto, a Hydro admitiu, em nota, a existência do canal encontrado por pesquisadores do Instituto Evandro Chagas (IEC) . “Durante uma das vistorias, verificou-se a existência de uma tubulação com pequena vazão de água de coloração avermelhada na área da refinaria”, afirma a empresa. “Conforme solicitado pelas autoridades, a empresa está fazendo as investigações necessárias para identificar a origem e natureza do material, bem como realizando a imediata vedação desta tubulação.”
Para o advogado Ismael Moraes, as atividades da Hydro deveriam ser paralisadas imediatamente. “As ações deles são fraudulentas, terríveis e quem paga com a vida é a população e o meio ambiente”, afirma.
Duto clandestino encontrado na área da refinaria Hydro (Foto: IEC)
Em entrevista à agência Amazônia Real , Ângela Maria Vieira, presidente do Conselho Fiscal da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), disse que a contaminação de rejeitos químicos da empresa Hydro Alunorte está no solo e na água de Barcarena. “A contaminação começa na cabeceira do rio Murucupi, depois cai dentro do rio Pará e aí vai para todo o lado. Está tudo contaminado”, afirma.
Segundo Ângela, a população está com medo. “Estamos pedindo socorro. Depois do que aconteceu de sexta (16) para sábado (17), a gente espera o pior por aqui. Eu tenho 59 anos, e durante todo esse tempo de vida eu nunca vi uma comunidade assim ir para o fundo. E o pior, ir para o fundo com água contaminada”, afirma.
A presidente do Conselho Fiscal da Cainquiama contou que o transbordamento dos rejeitos químicos da barreira da Hydro Alunorte aconteceu durante a chuva torrencial que caiu por 12 horas no final de semana passado em Barcarena. Ela contou o que viu após o acidente. “Aqui não temos mais nada com vida. Os peixes todos morreram. Morreram galinhas, patos e nós não temos água, porque todos os nossos poços ficaram comprometidos. Estamos à mercê, estamos nas mãos de Deus”, lamenta ela.
Conforme o laudo do Instituto Evandro Chagas, os produtos químico encontrados na água do igarapé Bom Futuro e rio Pará são: chumbo, nitrato, sódio e alumínio; eles podem provocar doenças gástricas e até câncer.
Em nota à imprensa divulgada na quinta-feira (22), a Hydro Alunorte anunciou que vai analisar o laudo do Instituto Evandro Chagas para depois se manifestar. Antes, a empresa estava amparada em um laudo emitido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que garantia a qualidade da água para consumo em Barcarena.
Procurado pela reportagem da agência Amazônia Real, o Inmetro disse que vai apurar o laboratório responsável pelo laudo e saber sobre a sua veracidade.
Danos ambientais
Mineradora Hydro Alunorte, em Barcarena, já foi multada pelo Ibama (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
A empresa, controlada pela multinacional norueguesa Norsk Hydro ASA, passou a explorar atividades de bauxita, alumina e alumínio. No Pará, iniciou suas atividades em 1995. Em 2010, a multinacional comprou ações da Vale e passou a operar a mina de bauxita Paragominas.
No site, a Hydro Alunorte diz que detém 51% das ações da empresa Albras e a empresa NAAC (Nippon Amazon Aluminium Company) detém as ações restantes. “Produzindo alumínio desde 1985, a fábrica tem uma capacidade anual de aproximadamente 460 mil toneladas, graças à eletricidade fornecida pela usina hidroelétrica de Tucuruí.”
Em nota enviada à reportagem, o Ibama disse que, em 2009, aplicou três multas contra a Hydro Alunorte em decorrência de poluição pelo lançamento de rejeitos de mineração da barragem no rio Murucupi, em Barcarena. O evento ocorreu durante processo de beneficiamento de bauxita. As multas totalizam R$17,1 milhões e não foram pagas até o momento.
A empresa apresentou recursos nas instâncias administrativas, que seguem em análise, conforme os prazos previstos na legislação.
Segundo o Ibama, o licenciamento das barragens de rejeito de mineração da empresa Hydro é estadual. Na manhã do último domingo (18), o Ibama foi comunicado sobre a suspeita de rompimento nas barragens e, no mesmo dia, enviou equipe para vistoriar o local. Na ocasião, não foi constatado rompimento nos Depósitos de Resíduos Sólidos (DRS) 1 e 2.
“Serão realizadas novas vistorias nesta sexta-feira (23/02). Se for constatada derivação clandestina de efluentes, trata-se de crime ambiental, e serão aplicadas as sanções previstas na legislação. O Ibama prosseguirá com a apuração junto aos demais órgãos competentes”, disse o instituto.
Em nota enviada à reportagem, o Ibama disse que investiga se houve contaminação e/ou má-fé da empresa com relação ao duto encontrado pelos pesquisadores. “Dois representantes da Hydro Alunorte estiveram no local no último domingo, mas não mencionaram a tubulação. Segundo eles, não teria ocorrido extravasamento. A estrutura (a tubulação) só foi descrita nesta sexta-feira (23/02) pelo gerente de Meio Ambiente da empresa”, diz a nota.
“Nossa água é um veneno”
Maria do Socorro Costa Silva, presidente da Cainquiama, disse que as comunidades ribeirinhas de Barcarena são vítimas de crimes ambientais desde que começou a atividade de mineração no município. “Muita gente morre de câncer. Quem tem diabetes está perdendo a perna, por conta da água. Sem contar as doenças de pele. A nossa água é um veneno, porque ela tem bauxita, tem alumina, tem soda cáustica. Eles fazem isso porque aqui no Brasil as leis não valem muito. Vê se na Noruega eles fazem isso. Lá a poluição é zero”, denuncia.
A indignação da Maria do Socorro pode ser analisada por meio de dados simples do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com uma população estimada em 121.190 pessoas, a renda média dos trabalhadores formais em Barcarena é de 2,9 salários mínimos. Entretanto, 46,4% da população ganha, no máximo, meio salário mínimo, pouco mais de R$ 477. Na cidade, apenas 27,8% dos domicílios têm esgotamento sanitário adequado, e 16.2% de domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio).
“Se a gente for colocar numa balança, o que a gente ganha é nada perto do que eles lucram. Aqui pra gente eles dão dentadura, dão máquina de costura. Outra vez deram alguns computadores para a associação que nem funcionavam direito e em outra falaram que queriam fazer um sistema hidráulico pra gente. Mas com essa água? Com essa água a gente não quer. Ah, e eles também dão cesta básica de vez em quando. Depois de serem responsáveis por matar toda a nossa comida”, desabafa a presidente da Cainquiama.
O Ministério Público Federal no Pará anunciou que tem uma ação civil pública contra a Hydro Alunorte tramitando na Justiça Federal desde 2016. A ação trata da qualidade da água em Barcarena, prejudicada pelos impactos da produção industrial da empresa e pede o fornecimento de água potável aos moradores da região.
Leia aqui.
Em nota divulgada nesta sexta-feira (23), os Ministérios Públicos do Estado do Pará (MPPA), Federal (MPF) e a Defensoria Pública anunciaram que pediram o embargo de uma das bacias de rejeitos da Hydro Alunorte, em Barcarena. A bacia de rejeitos em questão é a DRS-2 que apresenta irregularidades no licenciamento ambiental. “A bacia não possui licença de operação e mesmo assim estava operando”, disse a promotora de Justiça do MPPA, Eliane Moreira.
De acordo com a promotora, a empresa também terá que apresentar uma análise comprovando que cumpriu o plano de contingenciamento no caso do vazamento ocorrido no fim de semana. E ainda, terá que executar imediatamente o plano de contingenciamento, inclusive com o fornecimento de água potável e atendimento à saúde das comunidades afetadas.
O pedido de embargo faz parte de uma série de recomendações – feitas a partir de uma ação conjunta entre MPPA, MPF e Defensoria – não apenas à Hydro, mas também à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e ao Governo do Pará.
Leia a íntegra da nota aqui .
A empresa Hydro Alunorte também
divulgou nota à imprensa na qual diz que iniciou a distribuição de água potável às comunidades de Vila Nova, Burajuba e Bom Futuro, em Barcarena. “Serão entregues mais de 8 mil galões de 20 litros por semana, totalizando semanalmente 162 mil litros. A empresa disse também que colabora com as mesmas comunidades para encontrar soluções que proporcionem o acesso permanente à água potável.”
VIDEO
Esta reportagem faz parte do projeto “Olhando por dentro da floresta”, da Amazônia Real em parceria com Aliança pelo Clima e pelo Uso da Terra (CLUA).
Esta reportagem foi atualizada às 23h para incluir notas oficias do MPF, Ibama e da empresa Hydro
Alunorte.
http://amazoniareal.com.br/vazamento-de-rejeitos-da-hydro-alunorte-causa-danos-socioambientais-em-barcarena-no-para/
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