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by RC de Oliveira - 2017
DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2PROSOPOGRAFIA FAMILIAR DA OPERAÇÃO "LAVA-JATO" E DO MINISTÉRIO
TEMER1 Ricardo Costa de Oliveira2 José Marciano Monteiro3 Mônica Helena Harrich Silva Goulart4 Ana Crhistina Vanali5
RESUMO: os autores apresentam a prosopografia dos principais operadores da "Lava-Jato" e a composição social,
política e familiar do primeiro Ministério do Governo de Michel Temer. Analisou-se as relações familiares, as conexões
entre estruturas de poder político, partidos políticos e estruturas de parentesco, formas de nepotismo, a reprodução
familiar dos principais atores. Pesquisou-se a lógica familiar, as genealogias, as práticas sociais, políticas e o ethos
familiar dentro das instituições políticas para entender de que maneira as origens sociais e familiares dos atores
burocráticos, jurídicos e políticos formam um certo "habitus de classe", certa mentalidade política, uma cultura
administrativa, uma visão social de mundo, padrões de carreiras e de atuações políticas relativamente homogêneos. As
origens sociais, a formação escolar, acadêmica, as práticas profissionais, os cargos estatais, os privilégios e os estilos de
vida, as ideologias e os valores políticos apresentam muitos elementos em comum nas biografias, e nas trajetórias
sociais e políticas desses atores.
Palavras-chave: Lava-Jato. Ministério Temer. Prosopografia.
FAMILY PROSOPHOGRAPHY OF THE "LAVA-JATO" OPERATION AND THE
MINISTRY TEMER
ABSTRACT: The authors present the prosopography of the main operators of the "Lava-Jet" and the social, political
and family composition of the first Ministry of Government of Michel Temer. Family relations, the connections
between structures of political power, political parties and kinship structures, forms of nepotism, and family
reproduction of the main actors were analyzed. Family logic, genealogies, social practices, politics and family ethos
within political institutions were investigated to understand how the social and family origins of bureaucratic, juridical
and political actors form a certain "class habitus", certain Political mentality, an administrative culture, a world view of
the world, relatively homogeneous career patterns and political actions. Social origins, scholastic training, academic,
professional practices, state offices, privileges and lifestyles, ideologies and political values present many elements in
common in the biographies, and in the social and political trajectories of these actors.
Keywords: Lava-Jet. Temer’s Ministry. Prosopography.
Enviado em 15/07/2017
Aprovado em 28/07/2017
1 Uma versão preliminar desse texto foi apresentada no 18º Congresso Brasileiro de Sociologia. Que Sociologia
azemos? Interfaces com contextos locais, nacionais e globais realizado de 26 a 29 de julho de 2017 no Centro de
Convenções Ulysses Guimarães, Brasília/DF.
2 Professor de Sociologia na Universidade Federal do Paraná.
3 Professor de Sociologia na Universidade Federal de Campina Grande-Paraíba.
4 Professora de Sociologia na Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
5 Doutora em Sociologia e membro do grupo de estudos CNPq NEP (Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR).
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REVISTA NEP-UFPR (Núcleo de Estudos Paranaenses), Curitiba, v.3, n.3, p. 1-28, agosto 2017 ISSN 2447-5548
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Introdução O campo da justiça e o campo da política, assim como qualquer outro campo, se constituem a partir de processos de disputas. O campo da justiça no Brasil não pode ser compreendido sem a relação com o campo político. Assim, lançar o olhar analítico sobre a operação Lava-Jato e o Ministério Temer, permite situar, ainda que de forma introdutória, as posições que cada agente ocupa na operação e no ministério; e, mais que isso, permite observar as biografias e trajetórias, com especial destaque para a variável família, a origem social do agente e os espaços de formações pelas quais passaram. Este mapeamento, ainda que exploratório, nos possibilita pensar hipóteses que fortaleceram, ainda mais, a construção desta pesquisa, em curso, sobre a Operação Lava-Jato e o primeiro Ministério Temer. Mapear a que família, genealogia, rede social e política pertencem os operadores da operação Lava-Jato e os ministros do primeiro Ministério Temer, as profissões, os currículos e atuação política dos agentes, pais e familiares. Identificar a escolaridade/formação, lugar de formação, trajetórias da vida profissional, lugares que frequentam, círculos de sociabilidades, padrões de matrimônios, cultura política, dentre outros elementos, permitem compreender a constituição das matrizes de percepções e valores, as formas pelas quais estes agentes classificam o mundo e que, muitas vezes, orientam suas escolhas e decisões. Os valores construídos desde a infância e reforçados nos espaços escolares, nos espaços de sociabilidades, em que frequentam também se transformam em objetos valiosos de análises para a compreensão de grupos seletos de indivíduos e sua relação com a condição de classe na qual ocupam posições no espaço da estrutura social. Permite-nos, portanto, problematizar no sentido de nos perguntarmos: até que ponto os agentes da operação Lava-Jato e do Ministério Temer operam a partir dos valores e percepções materializadas, incorporadas (muitas vezes inconscientes) e orientadas pela classe a qual pertencem? Quais as matrizes de percepções destes agentes, observando a condição e a posição de classe que ocupam na estrutura social? Quais suas trajetórias e em que espaços foram formados? Não se pode compreender, portanto, a “elite da Lava-Jato” sem compreender a rede de relações sociais, profissionais, políticas e ideológicas que constituem estes agentes. Tais agentes não podem ser compreendidos dissociados de suas trajetórias e das trajetórias de seus familiares. Assim como não podem ser analisados de forma isolada, como indivíduos abstratos, que agem de acordo com o que “diz a lei”. São indivíduos concretos que possuem intenções e interesses em suas
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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 ações, além de pertencerem a famílias e classe sociais “privilegiadas”, possuidoras de uma cosmovisão de mundo, que, em muito, foi construída no decorrer do processo histórico nas principais instituições que formaram e formam as elites jurídicas e as elites políticas do país. Estas são conectadas e atreladas às elites do dinheiro, que em sua totalidade formam, com a elite midiática, a classe dominante em nosso país. Este seleto grupo de indivíduos, os operadores da Lava-Jato e do Ministério Temer, forma parte do 1% mais rico no Brasil e muitos até mesmo do 0,1% mais rico em termos de rendas. As instituições que formam os bacharéis em Direito geralmente apresentam uma visão de mundo tradicional e conservadora na reprodução das desigualdades sociais. Não tão diferente, e de forma significativa, os cursos de direito no Brasil possuem uma relação histórica direta na formação de quadros das elites para ocupar os principais cargos da alta burocracia estatal e os cargos eletivos no país. Embora tenha diminuído este padrão de recrutamento, por meio da proliferação dos cursos de direito, para os outros cargos eletivos da república, quando comparado a outros períodos da história; porém, não é de se afirmar que isto diminuiu para os cargos que exigem a expertise e monopólios na área para a atuação nas instituições que formam o sistema de justiça no Brasil. Quase sempre as elites institucionais são compostas por juristas que ocupam cargos chave das instituições da administração da Justiça estatal, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça, os tribunais estaduais, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, conforme salienta Almeida (2010) as elites profissionais, por sua vez, são caracterizadas por lideranças corporativas dos grupos de profissionais do Direito que atuam na administração da Justiça estatal, como a Associação dos Magistrados Brasileiros, OAB e a Confederação Nacional do Ministério Público. As elites intelectuais são formadas por especialistas em temas relacionados à administração da Justiça estatal. Este grupo, apesar de não possuir uma posição formal de poder, tem influência nas discussões sobre o setor e em reformas políticas, como no caso dos especialistas em direito público e em direito processual. Na pesquisa realizada por Almeida (2010) é possível identificar três elites políticas que têm em comum a origem social, as universidades e as trajetórias profissionais. Segundo Almeida (2010, p.38), todos os juristas que formam esses três grupos provêm da elite ou da classe média em ascensão e de faculdades de Direito tradicionais, como o Faculdade de Direito (FD) da USP, a Universidade Federal de Pernambuco e, em segundo plano, as Pontifícias Universidades Católicas
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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 (PUC’s) e as Universidades Federais e Estaduais da década de 60. Ao lançarmos o olhar sobre a “elite” responsável pela operação Lava-Jato, veremos que sua formação tem vinculação, em termos de graduação, no Brasil e com especial destaque para as Universidades situadas no eixo sul-sudeste, com destaque a Universidade Federal do Paraná. Porém, em termos de pós-graduação, o núcleo duro da operação, realiza formação no Brasil e no exterior, com especial destaque para formações em universidades de língua inglesa. Estas características são importantes para compreendermos as trajetórias e o habitus de classe deste seleto grupo e dos que formam o primeiro Ministério Temer, não menos importante é testar a hipótese de que tanto os membros da Lava-Jato e os membros do primeiro Ministério Temer possuem trajetórias que não podem ser entendidas sem relacioná-las a constituição de certas “dinastias do poder”, certas famílias presentes na elite estatal há mais de uma geração. Em relação à Lava-Jato com procuradores e policiais federais quase sempre advindos de famílias em que pais e familiares atuaram e/ou atuam no sistema de justiça, muitos no período da última ditadura militar, portanto, pertencentes, a certa “dinastia jurídica”. No que tange ao primeiro Ministério Temer, observa-se que, parte significativa dos agentes nomeados para ocupar as pastas, advém de tradicionais famílias políticas e mesmo de “dinastias políticas”. O teste positivo de tal hipótese de investigação permite-nos compreender como estas “dinastias jurídicas” e “dinastias políticas”, em boa parte formadas pela hereditariedade, agem no aparelho de Estado de forma a entender o habitus constitutivo destes agentes pertencentes à classe dominante do país. Em outras palavras, a partir do método prosopográfico, é possível identificar, através da biografia, formação, trajetória profissional e cargos ocupados, como famílias presentes por várias gerações no cenário jurídico e no cenário político, conseguem se manter, organizar relações e ativamente se reproduzir ao longo de séculos em nosso país. Permite, ainda, perceber como agentes de uma operação como a “Lava-Jato”, agem de acordo com interesses construídos no decorrer de sua formação, o que possibilita em certo sentido desmistificar “o mito das decisões neutras” e de um sistema de justiça que atua em consonância com o “princípio da imparcialidade”. É neste sentido que Almeida (2010) chama a atenção para o peso do “sobrenome de famílias” de juristas como variável que no Brasil tem importado para as escolhas de cargos-chave nas altas cortes, no STJ, por exemplo. O que demonstra o quanto o sistema de justiça e, mais especificamente, os poderes que constituem o judiciário são atravessados por disputas e interesses de classes, no sentido de disputa política pelo controle da administração do sistema Judiciário no Brasil. “No STF, sete
dos 11 ministros têm parentes como donos, administradores ou funcionários de grandes escritórios
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de advocacia, aponta levantamento do site Poder 360. Um oitavo, novamente o ministro Fux, tinha
uma filha advogada que trabalhava em grande escritório até o ano passado, quando ela deixou o
posto para virar desembargadora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro — sob questionamento
formal de que não tinha qualificações para tanto e suspeitas de influência de seu pai na nomeação.
Assim, esse tipo de suspeita está disseminada por praticamente todos os níveis do Judiciário
nacional.6” Nesse sentido, e diante do exposto, o objetivo geral desta pesquisa é o estudo prosopográfico dos membros da Operação Lava-Jato para a identificação do perfil genealógico dos operadores, seus vínculos familiares, sociais e institucionais. Assim poderemos traçar padrões na carreira desses operadores e caracterizar que tipo de influência política exercem. Em termos metodológicos, o método utilizado é o prosopográfico, posto que se tratam de biografias coletivas, de forma quantitativa, visando dar o sentido às ações políticas do grupo pesquisado (STONE, 2011). O ambiente do grupo investigado em suas instituições, educação, preferências políticas, habitus de classe, estilos sociais, relações sociais e políticas. A prosopografia é idealmente adequada para revelar as redes de profundos vínculos sociopsicológicos que mantêm um grupo unido. Este método prosopográfico funciona melhor quando é aplicado para grupos facilmente definidos e razoavelmente homogêneos em suas características sociais e políticas, quando os dados são obtidos de uma grande variedade de fontes, que complementam e enriquecem umas às outras. Metodologia quantitativa e qualitativa, operacionalização da técnica de pesquisa genealógica e análise das trajetórias familiares e carreiras profissionais. O universo da pesquisa compreende, portanto, os membros dos três núcleos principais Operação Lava-Jato – 14 procuradores do Ministério Público Federal, 8 delegados da Polícia Federal, o juiz Sérgio Moro e o Procurador Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros. O propósito desta prosopografia é dar sentido à ação política da Operação Lava-Jato e compreender a “força coesiva do grupo” pelas suas opções, relações, posicionamento, filiações econômicas, ideológicas e políticas dos seus membros. Soma-se a isso também a prosopografia dos Ministros nomeados primeiramente para compor o Ministério Temer, após o Golpe institucional em abril de 2016. Pesquisas sobre a prosopografia dos operadores da Lava-Jato revelam quem são, como pensam e agem no campo político. Ao traçar uma radiografia desse grupo social, por meio de
6 BORGES, Rodolfo (26/05/2017). Os laços da grande família jurídica do Brasil voltam à tona com a Lava-Jato.
Disponível em htttp://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/15/politica/1494855502_654494.html. Acesso 18.junho.2017.
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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 DOI: http://dx.doi.org/10.5380/nep.v3i2 biografia coletiva e da construção de seu perfil, será possível entender as raízes sociais de suas ações e a quem representam.
O que é a força-tarefa da Operação Lava-Jato? A Operação Lava-Jato é atualmente o epicentro da crise política que se vive no Brasil. Sua investigação começou pelas grandes empreiteiras e sua relação de natureza corrupta com altos quadros da Petrobrás no sentido de terem favorecimentos na obtenção de contratos públicos. Com isso, ela foi saudada como uma esperança de enfrentamento da corrupção no país, haja vista que, pela primeira vez, estava se colocando em primeiro plano do processo de investigação as grandes empresas corruptoras.