Terça-feira, 24 de julho de 2018
Bolsonaro é o candidato da “desesperança”
Foto: EBC
O fenômeno da “desesperança” representa a ameaça da alçada ao poder de um candidato que que já declarou que é “preconceituoso, com muito orgulho”, que o erro da ditadura militar foi “torturar e não matar” e que disse a uma colega da Câmara dos Deputados que “não te estupro porque você não merece”.
“O voto em Bolsonaro é um voto de frustração, de desencantamento com o sistema político”, diz a socióloga da Unifesp Esther Solano. Em sua pesquisa intitulada “Crise da Democracia e extremismos de direita”, ela realizou longas entrevistas com simpatizantes do pré-candidato do PLS, buscando compreender quais são os principais elementos de identificação dos eleitores com o discurso de Bolsonaro. A socióloga buscou entender, também, quais foram os fatores conjunturais e estruturais que deram condições para essa guinada à direita no cenário político brasileiro.
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O cenário que possibilitou a ascensão do ‘bolsonarismo’
Alguns aspectos conjunturais e estruturais explicam, segundo a socióloga da Unifesp, o que pode se chamar de “onda neoconservadora, alt-right, ‘nova direita’ ou crescimento da extrema direita”, simbolizada, em grande medida, pela figura de Jair Bolsonaro. Entre eles, podemos citar a desconfiança generalizada na política, o antipetismo e o medo da violência e da criminalidade, temas que veremos a seguir:
A desconfiança na política e nos partidos – A desorganização política advinda do golpe de 2016 é, para a autora, um dos elementos que possibilitou a ascensão política de Bolsonaro nos últimos anos, na medida em que “fragilizou intensamente a ordem democrática e acelerou processos de decomposição política”.
Segundo a autora, “a anomia política instaura-se no cotidiano, levando a uma degradação muito rápida e a uma perda de confiança das bases representativas da sociedade brasileira”.
Exerce papel importante, nesse sentido, a atuação da Operação Lava Jato que, por meio de uma “justiça penal do espetáculo”, colaborou para a imagem do político corrupto e ajudou na popularização da visão de que os termos “político” e “corrupto” são quase sinônimos entre si.
Para os eleitores de Bolsonaro entrevistados por Esther Solano, ele é “o único, ou um dos únicos políticos honestos do Brasil”. Para eles, não importa se um candidato é de esquerda ou de direita pois, para eles, os políticos se preocupam com “somente seu próprio benefício e interesse”.
As denúncias de corrupção contra ele, não abalam seu eleitorado:
O crescimento do antipetismo – Grupos populistas de direita, como o Movimento Brasil Livre (MBL), Vem pra Rua e os próprios seguidores de Bolsonaro construíram, segundo Esther Solano, grande parte de sua popularidade sobre a narrativa de que o PT seria “o partido mais corrupto do país”.
Vários dos eleitores de Bolsonaro admitiram, durante as entrevistas, ter votado no PT nos dois primeiros mandatos. O argumento é de que “Lula estava perto do povo, era carismático, alguém diferente dos políticos de sempre e era honesto”.
Atualmente, esses candidatos adotam um forte discurso antipetista, ancorado na retórica anticorrupção e na rejeição de políticas de redistribuição de renda das quais, segundo Solano, alguns inclusive foram beneficiados. Os mesmos argumentos de “proximidade, carisma e honestidade” que justificaram votos em Lula em 2002 e 2006, hoje servem para justificar o voto em Bolsonaro.
Sobre isso, a entrevistada M. declara:
Questionada sobre o fato de Lula ser de esquerda e Bolsonaro, de direita, ela responde:
O medo da violência e da criminalidade – De acordo Esther Solano, o problema da violência, nunca resolvido no Brasil, “permanece sempre como uma porta de entrada aberta para os grupos de direita”. Para ela, a ausência de uma resposta efetiva a esse problema durante as últimas gestões “deixa em mãos de uma direita punitiva e demagógica, que insiste na guerra às drogas, no estado policialesco e na militarização da segurança pública”.
“As pessoas têm medo”, afirma Esther, e a instrumentalização do medo é algo antigo e recorrente. Apesar do Brasil ser o terceiro maior encarcerador em todo o mundo, persiste a noção de que esse é o país da impunidade.
As respostas de Bolsonaro convencem seu eleitorado: “mão dura, disciplina, cadeia, redução da maioridade penal, aumento das penas no Código Penal, prisão perpétua, porte de arma, dar muito mais poder e proteção à polícia, acabar com a vitimização do bandido”:
Para Esther Solano, conhecer as condições que proporcionaram o crescimento de um candidato como Bolsonaro é importante, inclusive, para que seja possível combatê-lo. “Ele representa a politização da antipolitica, é um candidato que representa um populismo de direita, um populismo antidemocrático”.
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Mas, se para seus simpatizantes, Jair Bolsonaro representa a ética e a busca por melhorias nas condições de vida dos cidadãos, seu histórico na política não sustenta essa narrativa:
Corrupção – No que diz respeito à honestidade e à isenção quanto a esquemas de corrupção, uma investigação um pouco mais aprofundada demonstra que Bolsonaro não é tão isento como afirma ser. Em 2014, no contexto da operação Carne Fraca, Jair Bolsonaro admitiu, em entrevista à Rádio Jovem Pan, ter recebido R$200 mil da JBS S/A e, em seguida, ter repassado o valor ao seu então partido, o PP. Sobre a doação, Bolsonaro desconversou: “qual partido não recebe?”
Além disso, o patrimônio do parlamentar vem aumentando cada vez mais desde que ingressou na carreira política. Em 2010, sua renda declarada foi de cerca de R$800 mil. Em 2014, saltou para mais de R$2 milhões. No início de 2018, o patrimônio de Bolsonaro, somado ao de seus três filhos, que também atuam em mandatos políticos, ultrapassou os R$15 milhões.
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, o montante real deve ser ainda maior, já que entre o patrimônio declarado estariam imóveis, adquiridos por R$400 mil e R$500 mil, mas avaliados pela Prefeitura do Rio de Janeiro em torno de R$1 milhão e R$2,2 respectivamente.
Bolsonaro também é conhecido por ser bastante generoso com seus amigos e familiares. De acordo com o site Pragmatismo Político, ele e seus filhos já empregaram, nos últimos 20 anos, uma de suas ex-mulheres, Ana Cristina, a irmã dela, Andrea, e o pai delas, José Cândido Procópio. Um dos filhos do parlamentar, o hoje deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também já trabalhou em seu gabinete.
Compromisso com os eleitores – Bolsonaro também não parece ser um político eficiente e preocupado em atuar em prol de seus eleitores. Cumprindo mandatos na Câmara desde 1991, o parlamentar apresentou cerca de 170 projetos de lei, dos quais apenas dois foram aprovados.
E mesmo que seus projetos virassem lei, eles teriam pouco impacto no bem estar da população. O PL 7699, de 2017, propunha inscrever o nome do ex-deputado federal Enéas Carneiro no Livro dos Heróis da Pátria. Já o PL 6055/2013, revogaria lei federal que obriga todos os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) a oferecer às vítimas da violência sexual um atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar”, entre eles o aborto em caso de estupro.
De acordo com o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto Queiroz, o mandato de Bolsonaro é nulo para a classe trabalhadora. Para a Rede Brasil Atual, ele afirmou: “Você não vê um projeto dele que contribua para a inclusão social, que crie oportunidade para as pessoas carentes. Não tem impacto positivo na cidadania da pessoas. […] É um parlamentar que não faria falta”.
Propostas para a segurança pública – Uma das preocupações do eleitor de Bolsonaro é a violência e a criminalidade. Seu candidato, no então, pouco apresenta além de frases feitas, que incitam populismo penal midiático, amplificando discursos contra as minorias e abrindo espaço para projetos de lei que provoquem um aumento ainda maior no encarceramento no Brasil.
Ao dissociar a criminalidade do contexto social, Bolsonaro parece ignorar que, de acordo com o Ministério da Justiça, três em cada quatro vítimas de homicídio no país são negras. Os negros também são as vítimas preferenciais do sistema carcerário: em 2014, mais de dois terços da população carcerária no Brasil era composta por pessoas negras.
O superencarceramento, defendido por Bolsonaro, não tem se mostrado uma solução para a criminalidade: entre 2000 e 2014, a população prisional no Brasil cresceu 119%, se aproximando dos 700 mil -, enquanto, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), taxa de homicídios subiu em 10,6% entre 2005 e 2015.
Em 2018, Bolsonaro apresentou projeto de Lei que previa tornar “excludente de ilicitude” as ações dos agentes federais na intervenção militar no Rio de Janeiro. Na prática, a medida impediria que os agentes respondessem criminalmente por qualquer ato no contexto da intervenção, dando carta branca para a ação violenta do exército nas comunidades cariocas, em que, de acordo com o Observatório da Intervenção, foram registradas mais de 450 mortes em decorrência de ação policial em cerca de cinco meses.
http://justificando.cartacapital.com.br/2018/07/24/bolsonaro-e-o-candidato-da-desesperanca/
Confira também alguns dos textos já publicados pelo Justificando sobre Jair Bolsonaro:
Por Lígia Bonfanti / Edição: André Zanardo
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