“Soberania verdadeira só se materializa com investimentos permanentes em educação e pesquisa, que se realizam em instituições nacionais, públicas ou privadas. Empresas cujos centros de decisão localizam-se no exterior não farão isso”, afirma o “pai do pré-sal”.
Por Juliana Ewers
A descoberta de grandes reservas de petróleo na camada do pré-sal, no Brasil, e de shale gas (também conhecido como gás de xisto), nos Estados Unidos, provocaram uma mudança nas perspectivas futuras para esses recursos não renováveis e, consequentemente, uma revolução geopolítica dentro desse cenário.
Complementares ou concorrentes? Descubra o que pensa o geólogo Guilherme Estrella, também conhecido como o “pai do pré-sal”, sobre essa nova realidade.
[ Inovação ] Qual a sua opinião sobre o shale gas? O senhor acredita que essa produção possa vir a comprometer o mercado que até então se imaginava ser do pré-sal?
Estimativas da IEA (Agência Internacional de Energia, sigla em inglês) apontam para uma demanda mundial de 100 milhões de barris/dia (bopd) por volta da terceira década deste século, mesmo levando em consideração a participação no mercado tanto do óleo leve de folhelho (light tight oil) quanto do gás de folhelho (shale, em inglês). Com o agravante de que perto da metade destes 100 milhões provirão de campos ainda não descobertos.
A produção desses hidrocarbonetos sofre várias restrições, tanto ambientais como sociais e econômicas, tanto nos próprios Estados Unidos como em vários outros países. Alguns deles chegando até a proibir sua produção. As condicionantes às quais a produção desses hidrocarbonetos deverá obedecer são tão incertas que o próprio governo norte-americano não permite que as empresas produtoras de petróleo em seu território o exportem.
Em outra dimensão, não menos importante, até mais: existe o comportamento real, material e pragmático do mercado mundial que não vislumbra qualquer redução do preço do barril de petróleo nas próximas décadas, como informa também a IEA. O preço do barril vai permanecer em torno dos 110 dólares americanos.
De outro lado, todas as visões antecipadas da matriz energética mundial para os próximos 30 anos – ainda que a considerar a concretamente crescente participação dos renováveis e do gás natural – reservam para o petróleo uma presença praticamente estável em termos percentuais, mas crescente em termos volumétricos.
Não há, portanto, no horizonte visível, qualquer ameaça para o petróleo como a principal fonte de energia segura e confiável para a humanidade ao longo de, pelo menos, a metade deste século XXI.
[ Inovação ] Então, o senhor não acredita na possibilidade de haver uma crise do petróleo como já observado no passado?
O futuro do petróleo e do gás natural do nosso pré-sal está propiciando ao Brasil alcançar a segurança energética indispensável para sustentar o desenvolvimento nacional por todo este século XXI.
Um aspecto crítico dessa afirmação é o fato de a Petrobras ser a operadora única para a produção do pré-sal nacional. Não há, dentre todas as empresas petrolíferas mundiais, outra empresa que não a estatal brasileira, que o descobriu, que detenha o conhecimento de geologia e de engenharia, a tecnologia e a experiência operacional que assegurem a produção em elevados padrões econômicos, tecnicamente segura e ambientalmente responsável do pré-sal brasileiro; além de estar dentro das expectativas e necessidades que o Brasil demanda por uma fonte segura e confiável de energia. Prova disso é o fato de termos atingido a marca dos 500 mil bopd em tempo recorde, feito espetacular que merece o amplo reconhecimentio da indústria petrolífera mundial.
Um ponto relevante e do qual se fala muito pouco diz respeito aos gigantescos volumes de gás natural associado ao óleo do pré-sal brasileiro. O gás natural do nosso pré-sal chega num momento extremamente crítico do processo de desenvolvimento social e tecnológico brasileiro quanto a dois aspectos: é imprescindível contarmos com suprimento oriundo do território nacional. Matéria-prima esta que dotará o Brasil de sua independência na área petroquímica e de sua autossuficiência em fertilizantes, necessários para a segurança alimentar do nosso país. O gás natural do nosso pré-sal fornece com sobras essa demanda. [Fertilizantes nitrogenados são derivados da amônia – que é obtida a partir da transformação química do gás natural – e amplamente utilizados na agropecuária e na indústria. De acordo com a Petrobras, a demanda do mercado brasileiro de fertilizantes é maior que a produção nacional.]
[ Inovação ] Temos de considerar também que, com o crescimento global, a demanda por petróleo aumenta proporcionalmente. As fontes tradicionais, como os gigantescos campos no Oriente Médio, devem parar de crescer em 2030, segundo a Agência Internacional de Energia. Isso numa época em que o consumo de óleo terá aumentado 50%. O senhor acredita que o Brasil vai conseguir elevar a produção no mesmo ritmo que a demanda dos próximos anos? O senhor enxerga um planejamento para isso dentro do nosso país?
Essa última pergunta é, talvez, a mais importante. Como fica o planejamento nacional para que tudo isso aconteça? Este é o ponto. O Brasil necessita urgentemente de um planejamento estratégico nacional. Que país, que sociedade queremos ser? Desenvolvimento integral significa processo de consecução de soberania também completa. O consagrado economista brasileiro Luis Gonzaga Belluzzo, recentemente, nos alertou para a nossa inapetência em discutir a estratégia nacional. A dimensão energética é fundamental, mas não basta.
Temos que olhar para trás e ver na história dos países hoje chamados de centrais que seus respectivos desenvolvimentos basearam-se em estratégias em que Estado e empresas privadas genuinamente nacionais estavam no centro de decisões.
Considero este um ponto decisivo pela simples razão de que a soberania verdadeira, a chamada autonomia de decisão, ao lado do controle das riquezas e potencialidades naturais nacionais, só se materializa verdadeiramente com conhecimento e capacitação tecnológica e das engenharias dos brasileiros e investimentos permanentes em educação e pesquisa, que se realizam em instituições nacionais, estatais ou privadas, no Brasil. Empresas cujo controle e centros de decisão localizam-se no exterior não farão isso.
https://www.inovacao.unicamp.br/entrevista/gas-natural-associado-ao-oleo-do-pre-sal-vai-dotar-o-brasil-de-independencia-em-petroquimica-e-autossuficiencia-em-fertilizantes-diz-guilherme-estrella/
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