Determinação do Comitê da ONU: saia justa para PGR
Marcelo Auler
A determinação (“request”) do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que o Brasil respeite o direito político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de participar das próximas eleições criou uma saia justa para o Ministério Público Federal (MPF). Em especial para a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Ela, já na função atual, em novembro do ano passado esteve na 120ª Sessão Ordinária da Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizada na Costa Rica. Ali, após defender que “o Brasil cumpra, em suas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos” e afirmar que o país deve apoiar a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos, foi clara e taxativa com relação aos tratados e acordos internacionais.
Na ocasião, tal como noticiou a página do MPF, Raquel Dodge expôs: “a celebração de tratados e o reconhecimento da jurisdição de tribunais internacionais, pelo Brasil, impõem ao país o desafio de buscar sempre uma sociedade livre, justa e solidária e o combate efetivo à pobreza e à desigualdade”.
Após esta defesa do respeito aos tratados e acordos internacionais na reunião de Costa Rica, o que fará Raquel Dodge diante da determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU no sentido de garantir a participação de Lula na eleição? Logo ela, que precipitadamente, 48 minutos depois de registrada a chapa do Partido dos Trabalhadores, correu a pedir a impugnação da mesma junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Encontra-se em uma saia justa. Desrespeitará uma determinação de um colegiado internacional, cobrando respeito a acordos e tratados firmados pelo país, ou vai abrir mão da posição de tentar a todo custo impedir a candidatura de Lula?
Talvez queiram apontar alguma diferença entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos – um tribunal criado pela Organização dos Estados Americanos – e o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Apesar do nome, trata-se de um órgão de caráter judicial, composto por peritos independentes.. Ambos – Corte e Comitê – têm o mesmo papel de apreciar violações dos Direitos Humanos nos países membros. Os dois fazem parte do chamado Sistema Internacional de Direitos Humanos. E desde 2009 o Brasil reconhece a jurisdição obrigatória do Comitê.
O Ministério Público Federal brasileiro é um defensor desse Sistema Internacional de Direitos Humanos. Ele também já recorreu a este mesmo Comitê da ONU para se queixar do governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Foi em setembro do ano passado, como divulgou o correspondente de O Estado de S. Paulo, Jamil Chade: MPF e entidades brasileiras cobram governo Alckmin na ONU por não combater tortura. A reportagem diz textualmente:
“GENEBRA – O Ministério Público Federal, defensorias do Estado, organizações não governamentais como Conectas e outras instituições brasileiras cobram na ONU o governo de Geraldo Alckmin por não implementar mecanismos de prevenção de tortura no Estado de São Paulo. Em uma declaração lida no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas nesta segunda-feira, 18, o grupo alertou que o Brasil ratificou o tratado que exige a criação dos mecanismos em 2007. Mas, uma década depois, apenas nove dos 27 Estados da federação estabeleceram algum instrumento de prevenção“.
Ou seja, se o próprio Ministério Público Federal já recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para se queixar do desrespeito aos Direitos Humanos no Brasil, como poderá agora fazer ouvidos moucos ao que o mesmo Comitê determinou?
Muito provavelmente haverá quem recorra à Lei da Ficha Limpa aprovada pelo Congresso Nacional. Mas ela não está acima dos acordos e tratados internacionais que, ao serem ratificados pelo Brasil, também passaram pela aprovação do mesmo Congresso Nacional.
Com toda a sua experiência profissional, dificilmente a procuradora-geral terá tamanha dúvida. Mas, caso ela surja, basta que converse com o seu Secretário de Direitos Humanos e Defesa da Cidadania, André de Carvalho Ramos, doutor em Direito Internacional pela USP, onde ministra aulas sobre Direito Internacional e Direitos Humanos. Também foi pesquisador visitante no Centro de Direito Internacional de Lauterpacht (Cambridge).
É dele o texto abaixo intitulado “Principais Aspectos da Promoção de Direitos Humanos na Organização dos Estados Americanos“. Publicado na revista Hemisfério (Vol. 3, 2017), versa muito mais sobre a OEA, mas logo no início fala sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos regido pela ONU e não deixa dúvidas sobre a obrigação de serem respeitadas:
“O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste no conjunto de direitos e faculdades previsto em normas internacionais, que assegura a dignidade da pessoa humana e beneficia-se de garantias internacionais institucionalizadas. Sua evolução nessas últimas décadas é impressionante. Desde a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1945 e a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, dezenas de tratados e convenções consagraram a preocupação internacional com a proteção de direitos de todos os indivíduos, sem distinção”.
Continuando, afirma:
“Consequentemente, eventual alegação de “competência exclusiva dos Estados” ou mesmo de “violação da sagrada soberania estatal” no domínio da proteção dos direitos humanos encontra-se ultrapassada, após anos de aquiescência pelos Estados da normatização internacional sobre a matéria”.
No mesmo trabalho, ao final, ele enaltece, já no âmbito da OEA, o controle internacional do respeito aos Direitos Humanos, entre os quais destaca o controle do direito à democracia:
“O rol dos direitos protegidos é integral, abarcando tanto os direitos civis e políticos, com especial destaque à proteção do direito à democracia, bem como os direitos sociais, econômicos e culturais, como se viu acima no estudo da Carta Democrática Interamericana e na Carta Social das Américas.Em que pese eventuais críticas sobre as dificuldades de melhorias em várias situações envolvendo direitos humanos na região, a existência desse olhar interamericano sobre a temática é de extrema importância, pois traz visibilidade e chama a atenção dos Estados sobre a necessidade de reparação das violações de direitos, o que atende aos interesses tanto dos governos quanto da sociedade civil nos Estados democráticos da região.“
Conseguirá ele convencer sua chefe, Raquel Dodge?
https://marceloauler.com.br/determinacao-do-comite-da-onu-saia-justa-para-pgr/
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