15 de ago. de 2018

Fogo Criminoso! A luta contra o desastre ambiental na Chapada dos Veadeiros. - Editor - É A DESTRUIÇÃO TOTAL



Fogo Criminoso!

A luta contra o desastre ambiental na Chapada dos Veadeiros

Reportagem especial por Mídia
Acompanhamos na semana passada o maior incêndio da história do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O fogo começou no dia 17 de outubro e suspeita-se de que tenha sido iniciado de modo criminoso, já que as condições que geram fogo espontaneamente no cerrado não eram favoráveis. Os fortes ventos daquele dia também ajudaram para que o fogo se alastrasse rapidamente. Vivemos na pele a difícil missão de combater o fogo em meio a morros, penhascos, vegetação espinhosa, intenso calor e fumaça. Trabalho este que não tem hora para começar ou terminar e que, a qualquer momento, pode causar sérias lesões, ou mesmo a morte. O fogo é traiçoeiro, uma súbita mudança na direção dos ventos pode literalmente encurralar quem está combatendo as chamas.



Fotos: Mídia NINJA
Diversos voluntários mobilizaram-se para ajudar. Dentro do parque estavam a equipe oficial de brigadistas, o avião da força aérea brasileira, o Hércules, e o corpo de bombeiros. No entorno, pessoas dispostas a ajudar e brigadistas voluntários.
A articulação da sociedade civil, através do financiamento coletivo, adquiriu equipamentos de combate ao fogo, água, comida e combustível para o transporte das brigadas. Braços dispostos e experientes no assunto se movimentaram pela região e trabalharam dia e noite. Uma operação como essa custa caro, muito caro. Um avião como Hércules, que despeja água sobre as queimadas, precisa de combustível e voar para um local próximo para coletar água. Brasília sofrendo uma crise hídrica não podia ajudar, então, Hércules tinha que buscar água em Anápolis (GO), aumentando o gasto de combustível por exemplo.
Segundo Christian Berlinck, coordenador de combate ao fogo do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, o Governo Federal gastou aproximadamente um milhão de reais na operação. Da sociedade civil, foram quase 200 voluntários envolvidos nas funções da operação e quase 600 mil reais arrecadados em um exitoso financiamento coletivo, que continuará a ser feito, na criação de brigadas voluntárias permanentes, que atuariam anualmente.

Foto: Mídia NINJA
Foram quase 20 dias de fogo. Quando todos deram um respiro e as coisas pareciam estar controladas, novos focos surgiram, iniciados por um raio. Foram 10 horas a mais de dedicação até que fossem todos controlados e extinguidos. Com a ajuda das chuvas, que chegaram quando todos já estavam exaustos, os momentos de crise começaram a se acalmar. Foram dias subindo e descendo morros e encostas, com uma equipe incansável, muitas vezes sem dormir e com poucos recursos para o trabalho.


Fotos: Mídia NINJA
No dia 1 de novembro o parque tornou a abrir para o público e os impactos ainda não puderam ser mensurados — as espécies de plantas atingidas, animais sem referência, casas e pousadas atingidas, milhares de metros cúbicos de água consumida. Embora os dados ainda não sejam precisos, sabemos que 66 mil hectares, o equivalente a 28% da unidade de conservação foram destruídos. Segundo o ICMBIO, 80% da área que fica em Cavalcante foi atingida, afetando a vida de comunidades e animais que ali vivem.
Com as chuvas, a recuperação de algumas espécies vegetais é rápida — o capim por exemplo, rebrota facilmente. No entanto, a severidade de um incêndio como esse, ou a frequência de queimadas intensas, diminui a possibilidade de reserva de nutrientes nas raízes das plantas, o que, com o passar do tempo, faz com que elas não tenham força pra crescer e sejam eliminadas do ecossistema.




Foto: Mídia NINJA
O drama vivido na Chapada repercutiu internacionalmente também. A Nasa captou imagens da queimada e artistas como Leonardo Di Caprio falaram sobre o incêndio, alertando as pessoas para ajudar na mobilização de combate ao fogo e do risco que o bioma brasileiro corre. Apesar da importância do cerrado como berço das águas de algumas das principais bacias hidrográficas do país, para agricultura familiar e para o agronegócio, autoridades públicas e grandes empresários da monocultura parecem não entender a dimensão dos impactos que o bioma vêm sofrendo. A Câmara Legislativa de Alto Paraíso de Goiás, por exemplo, durante o auge dos incêndios, aprovou a fusão das secretarias de meio ambiente e da agricultura, o que, na prática, segundo organizações da sociedade civil, enfraquece mais ainda a bancada ambientalista, e deixa decisões importantes sobre gestão ambiental para a bancada ruralista, maioria na Câmara.

Um problema ambiental urgente na Chapada dos Veadeiros, e que se agravou com os recentes incêndios, é a crise hídrica. Com o crescimento urbano desordenado, e a crescente utilização de pivôs centrais (técnica que utiliza mais recursos hídricos na irrigação de grandes monoculturas), o nível das águas de alguns rios vêm baixado radicalmente, e o abastecimento de água de cidades como Alto Paraíso já está comprometido, sendo necessários racionamentos semanais. Na tentativa de contornar o problema no abastecimento de água, está surgindo na região o mercado de poços artesianos; estão perfurando o solo cada vez mais profundamente em busca do lençol freático, outra clara evidência do esgotamento dos recursos hídricos.
A Chapada dos Veadeiros é um importante destino turístico do País, mas é muito mais que isso. É um grande hotspot ecológico do Cerrado, que também abriga uma das maiores populações quilombolas do país e remanescentes indígenas; é também um importante centro de agricultura familiar, holístico e de estilos de vida alternativos. São muitos e urgentes os desafios para o desenvolvimento sustentável da região. O recente e trágico incêndio evidenciou alguns desses problemas: crise hídrica, mudanças climáticas, descaso do poder público e conflitos de interesses com o agronegócio.

Há também forte especulação imobiliária na região, crescimento urbano desordenado e um crescente abismo social, com a população nativa sendo empurrada cada vez mais para a periferia. Mas a recente tragédia também pode ter mostrado os caminhos para resolver tais problemas: a união da sociedade civil, o financiamento coletivo e a criação de programas de inclusão social.
Há luz no fim do túnel para a Chapada, embora o caminho seja árduo e de choque com interesses políticos e comerciais.

Foto: Mídia NINJA
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