AI-5: ainda não terminou de acabar
Artistas como Cildo Meireles, Artur Barrio e Carlos Pasquetti passaram a incorporar estratégias de guerrilha
Há cinquenta anos era publicado o Ato Institucional no 5. O decreto, que suspendeu as garantias constitucionais no país, simboliza o momento de consolidação do regime militar e deixa profundas marcas na sociedade brasileira. O estado de exceção atinge não apenas as vítimas diretas do regime, que vivenciaram a tortura, a morte e o exílio, mas a sociedade como um todo. A ruptura da legalidade democrática leva à perda do direito de expressão, à autocensura, à instabilidade institucional, dentre outras consequências, cujos tentáculos se estendem até nossos dias. Para investigar os efeitos deste trauma no campo artístico, o Instituto Tomie Ohtake deu espaço à mostra “AI-5: Ainda não terminou de acabar”.

Tratou-se de uma exposição ao mesmo tempo arquivística e artística, histórica e contemporânea. A espinha dorsal do evento foram documentos, depoimentos, registros e obras reunidas ao longo de um ano de intensa pesquisa. Foram consultados cerca de 40 artistas, não apenas visuais mas de outros campos da cultura como a música e o cinema, na tentativa de criar um panorama mais amplo dos efeitos e respostas dados no período
pela sociedade. “É uma espécie de ensaio sobre relação de força entre campo criativo e forças autoritárias da época”, sintetiza Paulo Miyada, idealizador e curador da mostra. Abrangendo um período amplo, que vai desde 1964, ano em que se deu o golpe, até 1980, quando se inicia o processo de abertura, a mostra se divide em diferentes núcleos temporais.
pela sociedade. “É uma espécie de ensaio sobre relação de força entre campo criativo e forças autoritárias da época”, sintetiza Paulo Miyada, idealizador e curador da mostra. Abrangendo um período amplo, que vai desde 1964, ano em que se deu o golpe, até 1980, quando se inicia o processo de abertura, a mostra se divide em diferentes núcleos temporais.
Os quatro anos que antecedem o endurecimento provocado pelo AI-5 são vistos por Miyada sob a égide do conceito de “opinião”, que permeia uma série de iniciativas (exposições, show, teatro…) e sintetiza o caminho viável. Num período em que a ação político-partidária não era mais possível, restava a expressão das ideias e a noção de contracultura, de fortalecimento diante dos interditos, como forma de resistência. “Com o decreto a opinião foi criminalizada”, afirma Miyada, para quem essa geração ativa em meados dos anos 1960 representa o ponto de ápice e quebra de um projeto estético ltamente engajado. Dentre as obras deste período estão a obra “Che Guevara Vivo ou Morto”, de Claudio Tozzi, que foi destruída por militantes de extrema direita no Salão de Brasília de 1967 (e posteriormente reconstruída pelo artista).
A partir do fortalecimento da censura, em 1968, algumas estratégias de escamoteamento foram sendo adotadas. Artistas como Cildo Meireles, Artur Barrio e Antonio Manuel passaram a incorporar estratégias de guerrilha, como a infiltração em outros sistemas, a clandestinidade, e uso da ideia de morte como símbolo do momento político. Um dos destaques do núcleo foram os desenhos feitos na prisão por Carlos Zílio, que o artista concordou em mostrar apenas em 1996 e raramente foram exibidos.
Outras formas de dar continuidade à produção artística em ambiente tão hostil foram a adoção de uma certa marginalidade experimental, desafiando os códigos moralistas em vigor; o uso de um autonível de codificação como forma de autoproteção ou a utilização de circuitos alternativos como cineclubes e a arte postal. Artistas como Paulo Bruscky, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino (que comparece com um projeto, nunca realizado, de obra sobre os desaparecidos), Wlademir Dias Pino, Claudio Tozzi e Antonio Dias são alguns dos nomes contemplados. Falecido recentemente, Dias esteve presente com duas obras bastantes emblemáticas do período final da Nova Figuração: um caderno inédito que inicia ao chegar em Paris em 1968, no qual escreve, em referência à antológica série de pinturas negras: “Arte negativa, para um país negativo: pinturas inteiramente negras com apenas uma palavra em branco”, num claro processo de enlutamento, e a obra “Cabeças”, formada por urnas vedadas e pintadas de preto, dispostas como se fossem cabeças decepadas.
Encerrando a exposição, Miyada relembrou dois movimentos importantes de reafirmação da arte e da cultura brasileiras e latino-americanas, representadas por duas figuras centrais nesse processo de reflexão e sistematização da arte brasileira: o projeto elaborado por Mario Pedrosa para a reconstrução do MAM-RJ após sua destruição em um incêndio em 1978 e o Encontro de Críticos de Arte da América Latina, organizado por Aracy Amaral na Bienal, em 1981. E, para mostrar que trata-se de um problema mais amplo, com reflexos
evidentes nos dias atuais, incorporou um pequeno porém potente núcleo de arte contemporânea, no qual artistas como Paulo Nazareth, Matheus Rocha Pitta e Bruno Dunley, entre outros, lidam com essa cicatriz ainda aberta.
evidentes nos dias atuais, incorporou um pequeno porém potente núcleo de arte contemporânea, no qual artistas como Paulo Nazareth, Matheus Rocha Pitta e Bruno Dunley, entre outros, lidam com essa cicatriz ainda aberta.


Nem a ideia da produção deste período como algo monolítico nem a possível crítica de que
o engajamento político é feito em detrimento de uma qualidade formal das obras sustenta-se diante de uma pesquisa detalhada como esta. A diversidade e a fertilidade se impõem e compõem uma trama bastante diversificada e rica. É como “um quebra-cabeças histórico”, diz Miyada que no ano passado já havia organizado “Osso”, uma exposição-apelo pelo direito de defesa de Rafael Braga. Inicialmente, sua ideia era tentar realizar uma ação em rede, envolvendo outras instituições, como forma de resposta ao discurso conservador e às ameaças crescentes a liberdade artística, como os movimentos capitaneados por uma certa “nostalgia do autoritarismo” exigindo o fechamento e à censura de exposições e peças de teatro, por exemplo. No lugar dessas parcerias institucionais, se fortaleceram os laços com a comunidade de pesquisadores – fundamentais no levantamento de dados – e artistas.
o engajamento político é feito em detrimento de uma qualidade formal das obras sustenta-se diante de uma pesquisa detalhada como esta. A diversidade e a fertilidade se impõem e compõem uma trama bastante diversificada e rica. É como “um quebra-cabeças histórico”, diz Miyada que no ano passado já havia organizado “Osso”, uma exposição-apelo pelo direito de defesa de Rafael Braga. Inicialmente, sua ideia era tentar realizar uma ação em rede, envolvendo outras instituições, como forma de resposta ao discurso conservador e às ameaças crescentes a liberdade artística, como os movimentos capitaneados por uma certa “nostalgia do autoritarismo” exigindo o fechamento e à censura de exposições e peças de teatro, por exemplo. No lugar dessas parcerias institucionais, se fortaleceram os laços com a comunidade de pesquisadores – fundamentais no levantamento de dados – e artistas.
https://artebrasileiros.com.br/arte/exposicoes/ai-5-ainda-nao-terminou-de-acabar/
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