29 de jan. de 2019

Memórias Indígenas na Ditadura: Cárcere e Tortura no Reformatório Krenak MARCOS RODRIGUES BARRETO1 EDYLANE EITERER. DESTAQUE DO TEXTO - 'a violencia cometidas contra os indíos ela não é um parentese na história do Brasil, pelo contrário, ela é a marca que permanece ao longo da história e desconhecida". Editor - SÃO 519 ANOS DE ESPOLIAÇÃO, ASSASSINATOS, TORTURAS

Memórias Indígenas na Ditadura: Cárcere e Tortura no Reformatório Krenak MARCOS RODRIGUES BARRETO1 EDYLANE EITERER

2 Resumo

 Este artigo abordará o processo de construção discursiva de dominação da ditadura empresarial-militar instaurada no Brasil em 1964, e suas ações repressivas, através das quais foram criadas reformatórios, casas de tortura e centros de formação militar para grupos indígenas. Ateremo-nos às dinâmicas de resistência desenvolvidas atualmente para sobrevivência das memórias da militância e resistência política em face aos mecanismos de opressão de Estado. Destacamos a importância da percepção do conceito de justiça de transição, e das possibilidades de reparação simbólica. A partir de movimentos sociais que concebem uma cadeia de disputas, no que compete ao direito à memória - que podem ser sociais, políticas ou culturais - assim como da abertura dos arquivos, emergem novos testemunhos, sujeitos e histórias. Estes espaços, em que documentos e edificações de novos museus de consciência, locais onde antes funcionaram centros de tortura e formação militar para grupos indígenas, serão pensados como lugares de memória. Palavras-chave: Memória, Indígenas, Justiça de Transição. Apontamentos sobre a origem da política indigenista –

O positivismo e o SPI 

O movimento positivista no cenário brasileiro emergiu na segunda metade do século XIX, adquirindo força nos principais centros de formação educacional no Rio de Janeiro, entre eles a Escola Militar. Um movimento encabeçado pelo professor Benjamin Constant entusiasta da ideologia positivista, sendo este considerado um dos maiores responsáveis pela propagação e consolidação da doutrina positivista no Brasil, formando alunos como Tasso Fragoso, Manuel Rabelo, Alípio Bandeira, Lauro Sodré e Cândido M. S. Rondon, este último considerado elemento fundamental para germinação da política indigenista do século XX. 1 Pedagogo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Doutorando do Programa de PósGraduação em Memória Social (PPGMS-UNIRIO). 2 Historiadora pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutoranda do programa de Doutorado Internacional.: Transferencias Interculturales e Históricas em La Europa Medieval Mediterrânea pela Universidade dAlacant, Espanha. 2674 É importante ressaltar a importância do papel desempenhado pelo positivismo no Brasil, ainda que cometendo falhas em relação aos serviços prestados às populações indígenas, principalmente num período em que o índio era visto como obstáculo ao progresso, deve ser dado o devido destaque ao Apostolado Positivista do Brasil, entidade que passou a dar atenção aos indígenas, buscando a proteção deste povos, a militância para demarcação de terras indígenas, a luta por garantias de vida e punição aos crimes contra eles praticados. O ideal positivista promoveu debates, manifestações e posicionamentos que culminaram na transição do Império para República, gerando expressivas implicações para acepção da política indigenista brasileira, dentre elas, a criação do Ministério da Agricultura (1906), pois necessitava responder o “problema indígena” gerado por meio da frente expansionista e como solução foi selecionada a proposta positivista, dentre eles Marechal Rondon, que militava pela criação de um órgão encarregado de exercer a política indigenista. De fato, o positivismo que, lado a lado com o liberalismo, estruturou ideologicamente a recente república, contando com o apoio da ascendente classe burguesa e dos integrantes da força militar que compõem o conglomerado de autoridades de distintos setores do Estado. Neste sentido, o positivismo cevou conceitualmente a República, assim como as instituições, as alocuções e as perspectivas sobre o indígena. De acordo com o esquema evolutivo proposto pelo positivismo, os indígenas eram considerados “obsoletos”, pois encontravam-se no platô animista de evolução, sendo considerados inábeis, total ou parcialmente incapazes de sofisticar um pensamento ou reflexão racional, contudo, apresentavam potencial para evoluir por meio do poder tutelar desempenhado pelo Estado. Em 20 de julho de 1910, sob os cuidados de Marechal Cândido Rondon, foi fundado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais SPILTN (1910-1967), entidade diretamente responsável pela execução das políticas indígenas e criação de centros agrícolas compostos por campesinos assentados em espaço de colonização oficial. O projeto de criação do SPILTN previa uma composição organizacional complexa, dispondo de uma diretoria, duas subdiretorias e treze inspetorias, situadas em distintos estados do Brasil. Para atuação juntos aos povos indígenas, ficou determinada a criação de “povoações indígenas”. Estas povoações apresentavam o seguinte arranjo: um diretor, um ajudante e um escrevente, prevendo 2675 também indígenas escolas do ensino primário, lições de música, oficinas de manufatura, máquinas e utensílios agrícolas diversos, com a finalidade de aprendizagem das técnicas agrícolas pelos indígenas. Entre as ações do SPI, estava a autopromoção do êxito do processo civilizatório dos “selvagens” em diversos regiões do país, de acordo com o discurso institucional do Estado. Segundo o Código Civil de 1916, os indígenas eram parcialmente capazes de desenvolver aptidões específicas, de forma que o estado estaria apto a sujeitar os indígenas ao “regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais”. Trocando em miúdos, este código civil reproduz o discurso preconceituoso evolucionista juridicamente, prevendo o desaparecimento à medida que o processo civilizatório fosse consolidado tornando-os trabalhadores nacionais. As décadas que se seguiram a criação da SPI, o debate sobre a política indigenista permaneceu aquecido, assunto corrente nos canais de comunicação daquele período, que possivelmente influenciou as agitações culturais do Modernismo Brasileiro, originando o movimento antropofágico na década de 1920, composto por Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade (Manifesto Antropofágico, 1928), Mario de Andrade (Macunaíma,1928), entre outros que procuravam repensar a questão cultural nacional que há tanto tempo valorizava os ideais do velho continente, assim como os modelos político-econômicos. Neste mesmo período, através da Lei 5.484, foi regulamentado o estatuto jurídico que estabelecia a emancipação progressiva da tutela ao classificar os povos indígenas nas seguintes categorias: os “aldeados ou arranchados”, os “nômades”, os que “viviam em povoações” e os que “viviam promiscuamente com os civilizados”. Os indígenas que se enquadram nas três primeiras categorias estariam assistidos pelo SPI, ou seja, seriam anulados qualquer ato firmado sem a sua assistência. Os indígenas pertencentes a quarta categoria passariam pelo procedimento de emancipação através de documento jurídico declaratório formal assinado por representante legal do SPI, sendo assim, o indígena emancipado estaria sob a jurisdição da lei dos brancos. Ainda que o Brasil, historicamente, apresente legislações de cunho protecionista para com os nativos, estas não impediram o espolio, a escravidão, a tortura, a morte, as desmoralizações aos povos indígenas e o desrespeito em geral aos direitos indígenas. Como pesquisador é necessário entender o abismo entre a legislação (ideologia) e a prática (ação) fidedigna das políticas indigenistas no Brasil. 
2676

 A Extinção do SPI e o surgimento da Funai –
 Do Relatório Figueiredo aos campos de confinamento de indígenas 

Durante o Governo de Jânio Quadros, em 14 de abril 1961 foi criado o Parque Nacional do Xingu, idealizado pelos irmãos Villas Bôas, contudo o projeto fora redigido por Darcy Ribeiro, na iniciativa de conter o extermínio dos grupos indígenas na Amazônia por parte de fazendeiros que buscavam apoderar-se das terras, como nos relata Roberto Gueudeville3 , sobre seringalista que obtém moratória pra assassinar índios. De fato, o projeto impediu o avanço voraz de fazendeiros neste local demarcado (continuou em outros), no entanto, afastaram etnias distintas de seu local de origem, estas que tem seu ponto fundamental de sociedade vinculado a terra onde nasceram e morreram seus ancestrais, sendo esta a primeira terra indígena homologada pelo governo federal. Em 1960, as circunstâncias de desordem administrativa no SPI, excedeu as fronteiras do aceitável. A corrupção tornou-se um problema endêmico, atingindo todos os platôs da hierarquia institucional, gerando ciclos viciosos com sucessão de desacertos propositais, tomando proporções de gravidade excepcional. José Maria da Gama Malcher, ex-dirigente do SPI, reconhecido inclusive pelo Marechal Rondon como um funcionário exemplar, menciona o que levou o fracasso dos empreendimentos do SPI. Entre os erros do Estado, alega a escassa e a irregular presença de recursos financeiros, a admissão, por indicação, de profissionais não qualificados para prestação de serviços como professores semi-analfabetos, pilotos que não dispunham de avião para pilotar, mecânicos de aviões sem aviões para reparar, enfermeiras sem formação mínima para exercer a função. Segundo Rocha (2003) soma-se ao cenário o relato sobre um comerciante no Rio Tapajós, que detinha o monopólio do extrativismo da borracha, abarcando a produção indígena, que por distintos meios de associação, obtinha vantagens através de suborno de funcionários e dirigentes da 2ª Inspetoria, adquirindo assim a conivência e o sigilo de funcionários, recebendo em contrapartida a mão de obra indígena gratuita. A década de 1960 reserva capítulos sinistros não apenas sobre o SPI, que teve suas contas de 1964 e 1965 investigadas pela Policia Federal, que procurava por desvios de verbas, servidores sob acusações de crimes contra os indígenas, como prostituição de 3 Reportagem de Roberto Gueudeville, prêmio ESSO de Reportagem de 1961 e 1963. Diário de Salvador 27 de setembro de 1964. 2677 menores, escândalos de venda de gado, agiotagem, furto, que acarretaram nas demissões de chefes do SPI por crimes diversos de corrupção, tais como: irregularidades no sistema contábil com a finalidade de desvio de dinheiro público, a falsificação de documentos e recibos, dispêndios e pagamentos sem qualquer justificativa, documentos rasurados tornando-os ilegíveis propositalmente, contas bancárias com nomes de pessoas diferentes, porém com a mesma assinatura, pagamentos de valores elevados sem duplicata ou recibo que pudesse comprovar, falsas despesas com funerais e hospitalizações e outra atividades que nunca foram executadas. As atividades do Serviço de Proteção aos Índios chegaram ao fim, no dia 16 de Junho de 1967, após um incêndio, aparentemente uma mera “fatalidade”. Destruiu sete andares inteiros do Ministério da Agricultura, em Brasília, transformaram quase 60 anos de pesquisas, filmes, mapas, gravações e arquivos diversos do Serviço de Proteção ao Índio em cinzas. Um incêndio sobre o qual pairam suspeitas, pois o mesmo ocorreu posteriormente à instalação da Comissão de Inquérito do SPI pelo Ministério do Interior, coordenada pelo General Albuquerque Lima, que nomeou Jader de Figueiredo para presidi-la, com a finalidade de apurar as irregularidades denunciadas. As inquirições que compuseram o Relatório Figueiredo, apresentam as dificuldades sofridas pelos investigadores nas desgastantes viagens, percorrendo imensas distâncias entre os postos indígenas e explanam o lamento de não trazer à tona a brutalidade que os indígenas foram submetidos em sua totalidade. Observa-se no documento, o assombro ao presenciar que a repartição pública tenha descido a tão baixos padrões de decência, no que competem à injustificável omissão por parte dos servidores do SPI às práticas de tortura nos Postos Indígenas, que durante anos conviveu com a punição física contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios, espancamentos que causavam invalidez ou morte, crucificação, venda de crianças indígenas para fins sexuais que deveriam ser impedidos pelos responsáveis dos postos indígenas, e com a reincidência dos crimes, os servidores deveriam ser destituídos dos cargos e punidos, algo que infelizmente nunca aconteceu, pois os mesmos estavam cientes, quando não partícipes, e acobertavam os crimes. Dentre os numerosos crimes cometidos, dois deles destacam-se pelo nível alarmante de crueldade, um deles era o “tronco”, que nada tem a ver com o “tronco de açoite” que os escravos negros foram submetidos, pois: O “tronco” era, todavia, o mais encontradiço de todos os castigos, imperando na 7ª Inspetoria. Consistia na trituração do tornozelo das 2678 vítimas, colocado entre duas estacas enterradas juntas em ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente. (...) Isso porque, de maneira geral, não se respeitava o indígena como pessoa humana, servindo homens e mulheres, como animais de carga, cujo trabalho deve reverter ao funcionário. (Relatório Figueiredo,1968, p.4913) Ainda que tais crimes estivessem capitulados no Código Penal vigente, a prisão, o trabalho forçado e os castigos foram seguidos como processo de humanização da relação do indígena com a SPI, segundo o Relatório Figueiredo, deveria ser saudado a adoção de tais práticas no exercício de “proteção ao índio”. Não satisfeitos com o trabalho forçado (leia-se escravidão) para civilizar os nativos, usurpavam toda a produção sem pagamento ou qualquer satisfação prestada aos indígenas. Francamente, o lugar do discurso deve ser colocado sob análise em relação ao período e as políticas vigentes, contudo, não há a possibilidade de não indignar-se, perante a barbárie na segunda metade do século XX, principalmente quanto às mulheres indígenas, que no dia seguinte ao darem a luz, eram enviadas para o trabalho do roçado, sendo vedado o contato com o recém-nascido durante o trabalho. Em 5 dezembro do mesmo ano (1967), durante o Governo de Costa e Silva em meio as cinzas do SPI, por meio da Lei nº5.371, foi criada a Fundação Nacional do Índio, a partir do que sobrou dos acervos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), do Conselho Nacional de Proteção ao Índio e do Parque Nacional do Xingu (P.N.X), órgão sucessor da execução de políticas indigenistas no Brasil, com novas atribuições a partir da Lei nº 6001/1973, no compete a lei de regulação de terras dos índios, silvícolas e comunidades indígenas, e revistas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, com alterações permanentes e significativas no que compete a questão do respeito a preservação da cultura indígena como realidade temporária com intuito de integrá-los à sociedade, progressiva e a harmonicamente, à comunhão nacional, como os mesmos fossem subcategoria, negando as práticas de assimilação.

 Terror de Estado –      

 A Política Indígena na Ditadura Militar 

Conhecer punições, prisões e torturas pelas quais os indígenas foram submetidos durante a ditadura militar, como cadeias, reformatórios e centros de formação militar, permitem compreender as dinâmicas de resistência desenvolvidas para sobrevivência, 2679 afirmação e reconhecimento de suas identidades étnicas através das narrativas dos indígenas - coletadas pela Comissão Nacional da Verdade e MPF - que vivenciaram o processo de confinamento nos postos indígenas e registros do período, na Fazenda Guarani em Carmésia (MG) , no Reformatório Krenak(MG) em Resplendor, e a formação da Guarda Rural Indígena (GRIN). Segundo PARAÍSO (1998), a origem do povo Krenak estaria na ancestralidade dos indígenas Botocudos que habitavam a região do Vale do Rio Doce, (Minas Gerais – Espírito Santo) suspeitos da pratica antropofágica e por suas características étnicas marcantes, como o uso de adornos de madeira inseridos em partes do corpo (orelhas e lábios inferiores) recebeu destaque em registros pictóricos de Jean-Baptiste Debret e literários do príncipe Wied-Neuwied. A designação do nome Krenak, supostamente derivada dos grupos chefiado pelo capitão Krenak, provavelmente atribuída por funcionários do SPI, identificavam assim os indígenas que habitavam a região do Posto Indígena Guido Marlière. O Reformatório Krenak, assim como a Fazenda Guarani, estavam sob os cuidados dos militares. Implantado em 1969, na cidade de Resplendor interior de Minas Gerais, sob a administração do Capitão Manoel Pinheiro, chefe da polícia militar do Estado de Minas Gerais. A colônia penal recebia indígenas considerados marginalizados pelo sistema ditatorial, resistentes ao sistema imposto, “desajustados sociais” ou infratores enquadrados no código de contravenção penal, à exemplo os indígenas que se entregam a “ociosidade”, aqueles que apresentam “vícios de pederastia”, que tenha consumido álcool em terras indígenas ou praticado roubos e homicídios. O Reformatório está localizado nos domínios do antigo Posto Indígena Guido Marlière (Região do médio Rio Doce), dentro do Parque Estadual de Sete Salões. Na colônia penal, os indígenas conduzidos ao reformatório eram mantidos presos, em condições insalubres, sofrendo constantes retaliações, confinamento em solitárias e punições físicas em caso de insubordinação com a presença de crianças como “método pedagógico”, muitos desconheciam o motivo da subtração de sua liberdade e, agora, restrita as mediações do posto indígena, enquanto suas terras ancestrais eram loteadas e ocupadas por fazendeiros. Os “confinados” cumpriam diversas funções diárias, pela manhã desempenhavam trabalhos braçais nas lavouras, que poderiam perdurar por toda a tarde e à noite eram obrigados a dormir após o jantar. Há relatos de insuficiência de fornecimento de alimentação e vestuários. 2680 O Reformatório Agrícola Indígena Krenak, durante o período de 1969 à 1972 registra um fluxo considerável de indígenas de diversas regiões do país, assim como a Fazenda Guarani, situada em Carmésia, região da Serra do Cipó, também em Minas Gerais. Apresentando o prolongamento de atividades cruéis da ditadura, recebendo indígenas para “tratamento mental”, sabendo-se que o local não proporcionava atendimento psiquiátrico. Atualmente, o local ainda emana simbolismo da capela e do engenho, vestígios do período da ditadura militar, habitado por um grupo Pataxó, dos quais os primeiros foram transferidos para Porto Seguro na Bahia. a violencia cometidas contra os indíos ela não é um parentese na história do Brasil, pelo contrário, ela é a marca que permanece ao longo da história e desconhecida. É inegável que este momento histórico representa muito mais que uma lombada, pois a violência cometida contas os indígenas é a marca que permanece ao longo da história, infelizmente desconhecida pela maior parte da população. A apresentação de deste dados, tem como finalidade de esclarecer um momento obscuro história indígena: a ditadura militar. Este tipo de conteúdo necessita ser explorado e divulgado a sociedade como parte integrante da formação de professores para Lei 11.645, ressaltando as arbitrariedades impostas pelo SPI-FUNAI, objetivando a reflexão sobre o poder tutelar e os desdobramentos de poder fornecido ao Estado naquele período. Desta forma, a abertura para a coleta de relatos de grupos indígenas, hoje pouco mencionado, já que são escassos sobre as suas atividades durante este período conturbado da história nacional, poderá indicar caminhos das implicações sociais do período ditatorial e as heranças destes anos de forte repressão, ocasionando em traumas que demandarão tempo para recuperar. Sendo assim, faz-se necessário que o Estado, contemple as narrativas dos indígenas que resistiram as práticas de tortura e violências em geral do regime militar, como parte integrante das memórias que foram veladas, e que necessitam emergir com o auxílio da Comissão Nacional da Verdade e do grupo Tortura Nunca Mais, para que a sociedade compreenda a formação discursiva sobre os grupos indígenas, realizando ações concretas e efetivas no plano real, não apenas na constituição de museus de consciência, mas de circulação de informação e intensidades, alcançando os segmentos da esfera educacional e (educação) patrimonial. No contexto da conclusão do Relatório das Comissões da Verdade, além das continuas oitivas do Ministério Público Federal e do conceito de Justiça de Transição, 2681 devem ser apreciadas reflexões acerca de medidas de reparação, assim como de mecanismos de não repetição, de reconhecimento público por parte do Estado e de seus agentes pelos crimes cometidos, reconhecendo direitos e garantias dos grupos ou povos afetados. O direito à Verdade e à Memória, através da efetiva apuração dos fatos, aliado ao amplo acesso aos documentos públicos, é fundamental neste processo. Promovendo análises de como estas políticas se estruturam e o contexto em que atuam para podermos pensar a respeito da política de memória e as políticas públicas em relação às memórias de resistência dos povos indígenas. Lidamos com a importância da democratização do acesso à informação, no contexto similar ao projeto “Memórias Reveladas”, da sanção da Lei de Acesso à Informação e da Comissão Nacional da Verdade. A criação e difusão de lugares de memória daqueles que sempre estiveram à margem do poder. As memórias emergentes tem como objetivo apresentar a percepção do conceito de justiça de transição e suas possibilidades de reparação simbólica aos grupos minoritários, através de movimentos sociais que concebem uma cadeia de disputas, no que compete o direito a memória sejam sociais, políticas ou culturais, por parte da edificação de museus de consciência que tendem a surgir nos próximos anos, bem como uma relação de poder simbólico (BOURDIEU, 1992) e de valores frente aos aparelhos discursivos detentores de hegemonia do período militar. Dentre as atividades do Ministério Público e pesquisadores estão os seguinte aspectos: A averiguação de elementos atuais que podem ser enquadrados como reflexos traumáticos provenientes do período da ditadura, e a que ponto, os mesmos possam influenciar a memória coletiva da sociedade e individualmente para os indígenas envolvidos (HALBWACHS, 2004) dos diversos grupos étnicos, relegados ao esquecimento (ROSSI, 2010), e, até mesmo, pela negação de identidades. Lançar luz no debate sobre os locais de tortura de indígenas no período pósgolpe militar abarca diversas finalidades além da denúncia e do despertar para pesquisas voltadas para temática, é um convite para desconstrução do reforço discursivo sobre o indígena como figura subalterna, do preguiçoso, do selvagem por meio de atitudes perniciosas aos quais foram submetidos, na Fazenda Guarani e o Reformatório Krenak, e lugares que ainda estão por ser descobertos. Indicar à obrigação, de salvaguardar os locais que serviram de centros de tortura do regime ditatorial brasileiro, é preciso, e este não é um ponto sem importância, que o sujeito da ação identifique no objeto a ser preservado algum valor. Compreender que é 2682 admissível, reterritorializar espaços onde a violência deixou vestígios, por meio do uso pedagógico destes locais, para luta por direitos. Ressaltando que estes espaços, utilizados como locais de tortura, podem ser resignificados por meio de contribuições dialógicas, além de conceber uma reparação simbólica, permitirá empoderar os indígenas e a sociedade como todo do discurso do “nunca mais”, evitando a propagação dos crimes que molestam a humanidade. Vale lembrar a importância da preservação da cultura brasileira e de respeito ao indígena, sendo necessária a averiguação de como colaborar para enriquecer as possibilidades de ações, sociais, políticas e pedagógicas com auxilio de mecanismos midiáticos como ferramentas de resistência da cultura indígena. Aproximar e trazer a memória para a discussão é assumir a relação que ela tem entre o passado e o presente, mas deve-se ter cuidado ao se tratar de “memória coletiva”, sabendo que os relatos e as memórias são permeados pelas suas características individuais e poderão ser próximas, mas nunca idênticas, Benjamin nos brinda com a informação que a “Metade da arte da narrativa está em evitar explicações(...)o contexto psicológico da ação, não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que já não existe na informação”(BENJAMIN, W. 1994, p.203). Ressaltamos também, o uso da memória leva ao aspecto do esquecimento e das omissões, que podem ou não ser intencionais, como nos indica Pollack (1989). Outro aspecto que temos que levar em conta nos meios de produção das memórias e identidades são as relações de poder que são produzidas em nível simbólico na sociedade e que agem diretamente nas influências que exerce sobre a construção das próprias identidades e na manutenção da ordem social já estabelecida.

 Considerações Finais 

É importante destacar que o presente trabalho integra a fase inicial da pesquisa de doutorado em Memória Social, utilizando de obras que mantém o diálogo constante, que se entrelaçam abordando a trajetória da política indigenista no Século XX. Primeiramente a obra “O Indígena e a República"4 de José Mauro Gagliardi, na qual 4 GAGLIARDI, José Mauro. O Indígena e a república. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1989. 2683 apresenta o cenário histórico-político que propiciou o surgimento do Serviço de Proteção aos Índios, os setores conservadores contrários a orientação positivista que operaram furtivamente no intuito de entravar as atividades do SPI, observa o êxito no contato com indígenas, sem deixar de mencionar a impotência em relação as doenças e o confinamento de indígenas em reservas reduzidas. A renomada obra “Um Grande Cerco de Paz” do antropólogo Antônio Carlos de Souza Lima, pode ser considerada peça-chave pela contribuição com a análise das classificações e finalidades do poder tutelar exercido pelo Estado sobre os indígenas, as ações disciplinares do campo ao instituírem o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, a dedicação em exibir as características gerais do período de 1910 à 1930 e o material cartográfico em “Órbitas do Sítio”. A terceira obra intitulada “A política indigenista no Brasil (1930-1967), do historiador Leandro Mendes Rocha, apresentando um estudo aprofundado sobre a política do Estado com os povos indígenas, dentro do período referenciado, marcando dois momentos importantes da história, o início(1930) pela reorganização e a modernização dos aparelhos estatais, a crise do sistema oligárquico e a expansão das atividades industriais. O recorte da pesquisa está restrito ao período de transição do governo brasileiro para o regime militar, porém o que interessa ao presente empreendimento é trazer a tona documentos do SPI-FUNAI no período de 1967 a 1988, buscando indícios nas obras anteriores, constituindo uma análise cronológica da política indigenista desde o surgimento da república ao fim do período ditatorial (1910-1988). Partindo desta reconstrução da política indigenista no Brasil no século XX, adentraremos no tema principal da tese, que é a abordagem dos crimes de prisões arbitrárias, punições severas, tortura, exploração da mão de obra indígena gratuita. Nesta fase da pesquisa, serão levantados e analisados os arquivos da Comissão Nacional da Verdade, os documentos que estão alocados no acervo do Museu do Índio-RJ, com a finalidade de comprovar que os indígenas foram submetidos a questões insalubres, presos, torturados e escravizados de forma oficiosa, porém legalmente. Destacamos que as memórias indígenas coletadas pelas Comissões Nacionais da Verdade e oitivas do Ministério Público Federal, poderão compor um dossiê amplo que possa vir a beneficiar as famílias que foram vítimas de prisão, tortura e impelidas a trabalharem em regime análogos a escravidão. Lembrando também, que a divulgação destes documentos e entrevistas irá colaborar para o preenchimento de uma lacuna na 2684 história indígena, sobre o esbulho, usurpação de terras e a proibição do uso da língua nos postos indígenas.

REFERÊNCIAS

 BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.197-221. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. COIMBRA, Cecília Maria Bouças. O Atrevimento de Resistir (prefácio). In: CARVALHO FILHO, Silvio de Almeida et alii. Deserdados: dimensões das desigualdades sociais. Rio de Janeiro: HP Comunicação Associados, 2007. DAVIS, Shelton. Vítimas do Milagre. O desenvolvimento e os índios do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. DIJK, Teun A. van. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2010. ______. Discurso e Contexto. São Paulo: Contexto, 2010. CHAGAS, Mario.Casas e portas da memória e do patrimônio, In GONDAR, Jô e DODEBEI, Vera, O que é Memória Social. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/PPGMS-UNIRIO, 2011. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. ______. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2013. FERRAZ, Joana. Anistia no Brasil: a arte de recordar e esquecer. In: PONTES Jr., Geraldo Ramos (Org.). Cultura, Memória e Poder: diálogos interdisciplinares. Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2013. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, Escrever, Esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006. GONDAR, Jô. Memória, Poder e Resistência. In: GONDAR, Jô e BARRENECHEA, Miguel Angel de (Orgs.). Memória e Espaço: trilhas do contemporâneo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva. São Paulo: ED. Centauro,2004. HUYSSEN, Andreas. Passados presentes, mídia, política, amnésia. In: Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2000. ______. Os direitos humanos internacionais e a política da memória: limites e desafios. In: Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, política da memória. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. p. 178-195. JELIN, Elizabeth. Los Trabajos de la memória. Madrid: Siglo XXI, 2002. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. Enciclopédia Einaudi. v.I. Memória – História. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997, p. 95- 106. ______. História e memória. Campinas, SP: Unicamp, 2003. 2685 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História - Revista do Programa de Estudos pós-graduados em História e do Departamento de História. v. 10, São Paulo, 1993. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Unicamp, 2007. ROCHA, Leandro M. A política indigenista no Brasil: 1930-1967. Goiânia: Ed. UFG, 2003. ROSSI, Paolo. O Passado, a Memória, o Esquecimento: seis ensaios da história das idéias. São Paulo: Editora UNESP, 2010. SOUZA LIMA, Antônio C. Um grande cerco de paz. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

http://www.cih.uem.br/anais/2015/trabalhos/1535.pdf
Share:

Related Posts:

0 comentários:

Postar um comentário