JUSTIÇA ELEITORAL INVESTIGA CANDIDATAS LARANJAS EM SÃO PAULO

O uso indiscriminado de candidatas laranja não é mais exclusividade do PSL; a prática se alastrou pelos partidos de direita e extrema-direita; a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo propôs quatro Ações de Impugnação de Mandato Eletivo dirigidas a deputados eleitos e candidatos do Podemos por suposto uso de candidatas "laranjas" para preencher a cota de 30% de mulheres exigida pela legislação eleitoral; as ações também são contra os partidos coligados PHS e PMB, Solidariedade e Patriota. Foram identificadas mais de 60 candidatas 'laranjas' nesses partidos no estado de São Paulo
Cessar a desigualdade da mulher na política - Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
Procurador Regional Eleitoral em São Paulo
A quota feminina para as candidaturas proporcionais, prevista na Lei das Eleições (n. 9.504/97, ao menos 30%), ainda está longe de alcançar o necessário objetivo de diminuir a sub-representação das mulheres nas casas legislativas.
Aumentos significativos de participação feminina houve na Câmara dos Deputados, de 51 para 77 mulheres e em algumas Assembleias Legislativas Estaduais, como a de São Paulo, cujo o salto foi de 11 para 18 mulheres (19% do total) e o de Minas Gerais, 5 para 10, em 77 cadeiras, 12,98%, do total. Amazonas saltou de uma única representante para quatro. Na maioria dos Estados, porém, o acréscimo foi discreto. Em 13 das unidades da federação a representação feminina é superior a 15% do total; somente em dois estados atinge ou supera 25%. Em contrapartida em cinco estados, a representação feminina na Assembleia Legislativa é inferior a 10%. Mato Grosso do Sul não elegeu nenhuma deputada estadual. Comparando os dados de 2014 com os de 2018, a maioria dos Estados (16) apresentou crescimento na representação feminina. No Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Rondônia houve diminuição. Os números do Acre, Amapá, Mato Grosso e Piauí são os mesmos.
Estado
|
Legislatura de 2015/2018
Número de Mulheres
|
Legislatura de 2015/2018
Percentual de Mulheres
|
Legislatura de 2019/2022
Número de Mulheres
|
Legislatura de 2019/2022
Número de Mulheres
|
Total de membros da Assembleia Legislativa
|
Acre
|
4
|
16 %
|
4
|
16%
|
24
|
Alagoas
|
2
|
7,40%
|
5
|
18,51%
|
27
|
Amapá
|
8
|
33,33 %
|
8
|
33%
|
24
|
Amazonas
|
1
|
4,00 %
|
4
|
16%
|
24
|
Bahia
|
7
|
11,11 %
|
9
|
14%
|
63
|
Ceará
|
7
|
15,21%
|
6
|
13,04 %
|
46
|
D. Federal
|
5
|
20,83%
|
3
|
12,5%
|
24
|
Espírito Santo
|
4
|
13,33%
|
3
|
10,00%
|
30
|
Goiás
|
4
|
9,7 %
|
2
|
4,8%
|
41
|
Maranhão
|
6
|
14,28%
|
7
|
16,66%
|
42
|
Mato Grosso
|
1
|
4 %
|
1
|
4 %
|
24
|
M.G. do Sul
|
3
|
12,5%
|
0
|
0,00%
|
24
|
Minas Gerais
|
5
|
6,5 %
|
10
|
12,98%
|
77
|
Pará
|
3
|
7,3 %
|
8
|
19,51%
|
41
|
Paraíba
|
3
|
8,33%
|
5
|
13,88%
|
36
|
Paraná
|
3
|
5,6 %
|
5
|
9,25%
|
54
|
Pernambuco
|
5
|
10,20%
|
10
|
20,40%
|
49
|
Piauí
|
4
|
13,33%
|
4
|
13,33%
|
30
|
Rio de Janeiro
|
8
|
11,42%
|
12
|
17,14%
|
70
|
R.G. do Norte
|
2
|
08,33%
|
3
|
12,5%
|
24
|
R.G. do Sul
|
7
|
12,72%
|
9
|
16,36%
|
55
|
Rondônia
|
3
|
12,5%
|
2
|
8,33%
|
24
|
Roraima
|
4
|
16,7%
|
6
|
25%
|
24
|
Santa Catarina
|
3
|
7,5%
|
5
|
12,5%
|
40
|
São Paulo
|
10
|
10,6%
|
18
|
19,14%
|
94
|
Sergipe
|
4
|
16,7%
|
6
|
25,00%
|
24
|
Tocantins
|
2
|
8,33%
|
5
|
20,83%
|
24
|
(1)
Esses números mostram a dimensão do desafio à espera da cidadania brasileira. A extinção da quota, como se propôs, simplesmente agravaria o problema, deixando aos partidos a liberdade de apresentarem, aos eleitores, apenas os homens de sempre e, eventualmente, uma ou outra mulher mais próxima das lideranças partidárias. Cabe reconhecer, porém, a insuficiência dos atuais instrumentos legais para a ação afirmativa destinada a prover igualdade de gênero na representação política.
Cabe registrar que as estruturas partidárias sempre ofereceram forte resistência às exigências legais de diversidade de gênero. Num primeiro momento, os percentuais previstos na Lei das Eleições eram simplesmente ignorados. A Justiça Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral e as organizações de mulheres lograram, paulatinamente, forçar as greis partidárias ao cumprimento, ainda que numérico, da quantidade de candidatas. Surgiu daí o fenômeno das candidaturas femininas fictícias, no qual mulheres apenas aparentavam se candidatar, desistindo na primeira ocasião, sem arrecadação ou campanha, não raro conduzindo à votação zerada.
O Tribunal Superior Eleitoral deu vigorosa contribuição a esta demanda, ao admitir o emprego da Ação de Investigação Judicial Eleitoral e da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo para, mesmo depois da fase do registro, impugnar a regularidade do DRAP, Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários, entendendo que se tratava de abuso de poder sua configuração fraudulenta (REspe n. 1-49 e 24342, ambos de José de Freitas, PI).
O Supremo Tribunal Federal e, de novo, o TSE, prolataram outras decisões corajosas. Ao julgar a ADI 5.617, o STF decidiu que, dos recursos do Fundo Partidário utilizados nas campanhas eleitorais, 30%, ao menos, devem ir para as candidaturas femininas. Na Consulta n. 060025218 o TSE aplicou o mesmo princípio aos recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas Eleitorais, criado pela Lei 13.487/2017.
A experiência como Procurador Regional Eleitoral de São Paulo permitiu observação privilegiada sobre o modo como muitos partidos tratam suas mulheres candidatas. A Lei 13.487/2017 diz, com desfaçatez, que a direção nacional dos partidos é que deve definir como será distribuído o dinheiro público. Os partidos foram à tripa-forra, com as exceções de praxe. Em primeiro lugar, usaram recursos da quota feminina também nas candidaturas majoritárias (e houve um incremento de candidatas a vice), ao passo que a ação afirmativa é claramente destinada às candidaturas proporcionais. Em segundo lugar, num expediente para preencher a quota numérica feminina, venderam ilusões a mulheres que gostariam de participar na política, prometendo apoio material e financeiro que não veio nunca. Em terceiro lugar, usaram recursos da quota feminina para custear “dobradinhas”, nas quais muitas vezes a mulher não tem poder de decisão, chegando a usar, para tanto, somente recursos vindos das mulheres (contabilidade à parte). Por fim, valendo-se da ausência de critérios legislativos, empregaram a maior parte dos recursos em uma ou em poucas candidatas mulheres, deixando boa parte delas à míngua.
Esse texto não preconiza que se extraia dos partidos políticos a autonomia para decidir quais são seus candidatos e candidatas mais viáveis, aplicando, para eles, recursos de maior monta. Deplora, porém, que a Lei 13.487 não tenha definido critérios para sua utilização, que levassem em conta a necessidade de promoção das candidaturas femininas. A insuficiência de meios materiais para assegurar competitividade às candidatas femininas diminui o alcance da ação afirmativa preconizada pela Lei 9.504/97. Seria razoável que um percentual dos recursos seja destinado à distribuição igualitária entre todas as candidatas proporcionais do partido. Por igual, a gerência destes recursos deveria ser dada à comitês financeiros compostos por mulheres, pois a direção dos partidos não mostrou, como regra, estar à altura desse objetivo. Se o partido pretender gastar mais, em determinadas candidatas politicamente mais viáveis, deve buscar estes recursos nos outros 70% do total dos recursos públicos que estarão à seu dispor. Concilia-se, desta forma, a autonomia partidária com a efetividade da ação afirmativa prevista em lei.
A atuação dos partidos nos períodos não-eleitorais é, por igual, insuficiente para prospectar talentos políticos femininos e prepará-los para a disputa eleitoral.
Esse quadro de desigualdade tem levado muitos e muitas a proposição de quotas “de chegada”, reserva de vagas legislativas às mulheres. A nosso ver, porém, é difícil proceder a tal mudança sem alteração nas regras constitucionais, cuja maioria qualificada é de árdua consecução.
Firmamos, com a eleitoralista Karina Kufa proposta alternativa(2), baseada na distribuição igualitária das vagas do sistema proporcional não preenchidas por candidatos que tenham atingido o quociente eleitoral. Na verdade, mais de 85% dos candidatos proporcionais são eleitos exclusivamente em razão dos votos obtidos pelos partidos ou pelo conjunto dos candidatos. A ideia é que, para estas vagas, haja alternância de gênero. Quem atingir o quociente eleitoral estará eleito, independentemente de gênero; a mulher que tiver obtido mais votos dentre as candidatas ocupa a primeira vaga remanescente dada a seu partido, depois, o homem mais votado, dentro do partido, aí uma mulher, um homem, uma mulher e um homem. Basta alterar a redação do artigo 109 do Código Eleitoral, sem necessidade de reforma constitucional. O texto, que propusemos, seria o seguinte, já atualizado pela Emenda Constitucional 97, que proibiu coligações proporcionais:
“Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos e candidatas registrados pelos partidos, os que tenham obtido votos em número igual ou superior ao quociente eleitoral, na medida do quociente partidário. Remanescendo vagas, a primeira de cada partido ou coligação será ocupada pela candidata com maior votação nominal e a segunda, pelo candidato nas mesmas condições, assim prosseguindo, com alternância de gênero e na ordem das votações nominais, até o preenchimento de todos os lugares, sem prejuízo das regras do artigo 109”
Dá para fazer por lei ordinária.
Simulação que fizemos em relação ao pleito de 2014, que pode ser consultada no artigo referido, demonstrou que, como resultado final, 50% das vagas da Câmara dos Deputados seria ocupada por mulheres.
No Dia Internacional da Mulher, é a sugestão/homenagem que fazemos à sociedade, em prol das mulheres e da igualdade de todos e todas.
http://www.presp.mpf.mp.br/index.php/noticias/2084-cessar-a-desigualdade-da-mulher-na-politica2
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
Procurador Regional Eleitoral em São Paulo
Procurador Regional Eleitoral em São Paulo

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