12 de abr. de 2019

Kevin Osepa: o artista de Curaçao aborda a cultura espiritual afro-caribenha. - Editor - O COLONIALISMO , ESMAGA, MASSACRA,MATA, DESTRÓI , A LÍNGUA,OS COSTUMES A CULTURA, APAGANDO A IDENTIDADE PESSOAL E TODA E QUALQUER RAIZ DE NATIVISMO.


Holanda: Contos não contados

Kevin Osepa: o artista de Curaçao aborda a cultura espiritual afro-caribenha

Inspirado pelo “pensamento mágico” de sua Curaçao natal, Kevin Osepa usa a fotografia e o cinema para criar histórias que exploram temas como religião, Diáspora Africana e família. Radicado na Holanda desde 2013, o fascínio desse artista por sua ilha de origem não diminuiu. Nesta entrevista, Osepa discorre sobre o que é tão sóbrio na Holanda, fala a respeito da cultura espiritual afro-caribenha e conta como lida com o Zwarte Piet.








C&: Que tipo de descobertas te marcaram significativamente em seu novo lar, a Holanda? E como isso se reflete na sua arte?
KO: Existe alguma coisa aqui na Holanda à qual me refiro como sobriedade. Para mim, parece que o estilo de vida e a paisagem não deixam espaço para a magia ou o pensamento mágico. No meu trabalho, normalmente tento “reencantar” a paisagem holandesa e introduzir nela rituais afro-caribenhos, bem como ideias mágicas. Assim, meu trabalho é um reflexo daminha criação do meu lar, ou da minha ideia de lar, aqui.
C&: O que ainda te fascina em relação a Curaçao?
KO: Sou fascinado pelo quanto nossa história e nossa cultura são ricas. Você tem que entender que o sistema educacional na ilha ainda carrega uma reminiscência colonial. Aprendemos nossa história sob a perspectiva holandesa, e nossas próprias tradições e histórias são escondidas debaixo de um tapete. Não falamos sobre isso. Assim, fazendo essa pesquisa por conta própria, redescubro minha ilha e sua história a partir de uma perspectiva africana. E, para mim, essa é uma perspectiva honesta.
Sou fascinado principalmente pela forma como nossos ancestrais conseguiram praticar sua religião (que era proibida nos tempos coloniais) debaixo do nariz dos colonizadores, sem que eles soubessem. Os rituais tornaram-se uma ferramenta para proteção e emancipação, e até hoje eles têm sobrevivido.
C&: Como você avalia o Zwarte Piet?
KO: A forma como lido com isso é tentar conversar sobre esse personagem com holandeses que sejam muito ligados a essa tradição. Tento passar adiante meu entendimento de que o Zwarte Piet é uma caricatura racista e sobre por que removê-lo é algo lógico. Essa discussão é bastante acalorada e torna-se mais intensa a cada ano. Chegou a um ponto, em que sinto muita tensão social quando esse assunto surge. Especialmente sendo negro, você é automaticamente parte da discussão.
Assim, penso que quanto mais cedo deixarmos no passado a celebração dessa caricatura racista, mais perto chegaremos de uma sociedade mais pacífica, amorosa e respeitosa. Mas, ao mesmo tempo, vejo esse assunto como um alerta silencioso para que a Holanda seja confrontada com o fato de que ainda há esse racismo silencioso vagando por aí. A discussão sobre o Zwarte Piet rompe o silêncio sobre um problema que é maior do que simplesmente uma velha tradição ou celebração.
C&: Como você concilia o fato de fazer arte sobre sua ilha de origem, mas morando na Europa?
KO: Visto que o trabalho é sobre a minha identidade pessoal e sobre a identidade coletiva da juventude afro-caribenha, isso acontece sem problemas. Frequentemente lembro a mim mesmo de que não vim para a Holanda para me tornar um artista holandês/europeu. Eu vim para a Holanda para me tornar um artista melhor. Assim, o lugar onde vivo não é um fator que deve me impedir de tratar de temas que me são próximos.
Além disso, minha família inteira ainda vive em Curaçao. Visito meus parentes frequentemente e esse é um ótimo momento para realizar pesquisas e criar trabalhos relevantes. Notei que estar longe por um período longo de tempo faz a inspiração ser maior quando volto. Meu trabalho é sobre as ilhas, mas também tem muito da saudade de casa. Assim, estar no exterior tornou-se uma razão importante pela qual crio meu trabalho e também a razão do próprio trabalho.
C&: Qual foi a inspiração por trás de Con los santos no se juega, e com que o filme lida?
KO: Em meu novo trabalho, Con los santos no se juega (Com os santos não se brinca), revisito minhas memórias de infância para investigar como a espiritualidade afro-caribenha formou minha vida. Nasci num ambiente onde, apesar de serem tabu, rituais e pensamento mágico exerciam um papel importante. As práticas espirituais da Brua e Las 21 Divisiones, com as quais alguns dos meus parentes se envolviam secretamente, atiçavam minha curiosidade. Essas religiões sincréticas nasceram de uma fusão entre as influências católicas, africanas e indígenas. A dualidade frequentemente desempenha um papel vital, já que santos e espíritos têm poderes que podem ser convocados para o bem ou para o mal. Para manter essas forças em equilíbrio, existe uma variedade de mandamentos e rituais de limpeza e proteção.
No filme, combino histórias reais com poesia e imagens poéticas para transmitir uma visão da cultura espiritual afro-caribenha. Por exemplo, tem uma passagem no filme em que eu, como narrador, conto uma história sobre como minha avó me lavou, ainda bebê, com água azul para me limpar da energia maligna. Enquanto conto a história, recrio a água do banho. E na sequência dessa cena, há uma outra que lida com a ideia mais abstrata de sempre sentir a necessidade de limpeza espiritual. Eu tentei juntar todas essas histórias para pintar um retrato dessa experiência coletiva.
C&: Qual é a recepção da sua arte na Europa e no Caribe?
KO: Eu tive um 2018 muito ocupado, e sou muito grato por isso. Meu trabalho foi realmente bem em termos de exposições. Fui indicado para vários prêmios e expus em museus importantes como o Stedelijk Museum Schiedam e o Museu de Fotografia (Fotomuseum) da Holanda. E também fechei com uma galeria. Tudo aconteceu muito rápido. Assim, posso dizer que a recepção do meu trabalho é muito boa na Europa. Acho que a forma como o trabalho é apresentado desperta uma certa curiosidade em pessoas que têm uma origem cultural diferente.
Com relação ao público caribenho, a recepção é muito interessante. O trabalho deflagra uma conversa interessante sobre tradições escondidas e decolonização. Também notei que muitas das conversas têm a ver com autodescoberta e com a concretização de identidades pessoais.
C&: O que vem por aí em um futuro próximo?
KO: Neste exato momento, estou pesquisando sobre a homossexualidade em Curaçao. Na minha opinião, há um grande problema com homofobia na ilha. Quando cresci, não sentia que houvesse espaço para a minha existência. O resultado é que não há uma representação “adequada” dessa identidade. É como se ser curaçauense e gay fosse como água e óleo. Com meu trabalho, quero explorar a integração das duas coisas e tentar descobrir, através da literatura, experiências pessoais e histórias, o que é essa identidade. E traduzir isso em arte visual.
Kevin Osepa (nascido em 1994, em Willemstad, Curaçao, e atualmente radicado em Utrecht, na Holanda) é um fotógrafo nascido e criado na Ilha de Curaçao. Seu trabalho gira em torno de sua identidade e da identidade da juventude afro-caribenha em um mundo pós-colonial. Suas criações visuais e as histórias que ele conta são fortemente influenciadas por sua juventude. Enquanto os temas que explora são autobiográficos, seu trabalho também pode servir como um estudo quase antropológico. Usando diferentes técnicas experimentais, ele cria histórias visuais coloridas que exploram temas como religião, Diáspora Africana e família.
Entrevista realizada por Will Furtado.
Traduzido do inglês por Soraia Vilela.
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