7 de abr. de 2019

O branqueamento de um presidente

Suficientemente negro?

O branqueamento de um presidente

Oito artistas evocam a história do primeiro – e até hoje único – presidente negro da Colômbia através de várias versões de seu retrato. A exposição “Suficientemente negro?” inicia uma discussão sobre a identidade e as narrativas de branqueamento. Ana Luisa González visitou a exposição no Centro Colombo Americano, em Cali.
O projeto faz parte da iniciativa Blanco Porcelana, da artista Margarita Ariza, que desde 2011 reúne arquivos, fotografias, desenhos e performances para evidenciar a aspiração de brancura vigente em nosso cotidiano, assim como a hierarquia racial, a discriminação, a exclusão e as ações de branqueamento que atravessam a história familiar e a de uma nação.
A controvérsia
No debate inaugural, moderado por Margarita Ariza, seis artistas compartilharam diversas visões sobre sua versão do retrato, o branqueamento do semblante de Nieto e a necessidade de questionar se é preciso ser negro para falar sobre a identidade afro-colombiana.
Entre os artistas, Mónica Restrepo expôs sua abordagem do retrato por meio de um gesto icônico do antigo presidente Obama: jogar o microfone no chão após seu discurso. Para Restrepo, “este é um gesto citado por Obama dos rappers e comediantes dos anos 1980, como uma forma de dizer que já não há mais nada a dizer, não há nenhum adversário que seja melhor que ele”.
A partir de um objeto – um microfone partido em pedaços – surge a questão: que vozes podem ser ouvidas e quais são silenciadas? Assim como Nieto foi um presidente censurado por um sistema colonial, a artista também questiona se ela pode ou não falar de Juan José Nieto Gil.
Esta pergunta ressoou entre o público, e um espectador indagou aos artistas sobre em que contexto uma pessoa pode falar de um presidente negro, se não cresceu em uma comunidade afro-colombiana. A questão constituiu o centro da discussão: o que é o negro? E como se configuram os debates sobre se pessoas são suficientemente negras para falar ou representar os afro-colombianos?
Fabio Melecio Palacios, agraciado com o prêmio Luis Caballero de 2011, um artista que enquadra sua obra no pensamento afro, colocou em evidência a urgência de se repensar a identidade negra. Em seu retrato, o artista questiona se o ocultamento da figura de Nieto continua sendo um assunto banal. Sobre sua obra na exposição, Melecio declarou: “A imagem de Nieto é feita de isopor, um material totalmente banal, popular, que pode passar despercebido”. Entretanto a cor da peça também faz referência ao branqueamento da figura de Nieto.
A crítica de Melecio reformula a questão de como o negro deve ser nomeado como é, e merece um lugar num sistema em que as narrativas de exclusão herdadas do colonialismo ainda persistem. Seu olhar talvez seja uma forma de se sair do sistema de castas implantado no país graças a um misto de capitalismo e herança colonial.
E foi justo o Estado colombiano que perpetuou os processos de colonização e modernização que marcaram a história da violência na Colômbia. A artista Liliana Vergara interpreta o retrato a partir da impunidade e do ocultamento perpetuado pelo Estado colombiano. “Coloco em evidência como essas histórias são ocultadas de nós, e isso faz com que não tenhamos nenhuma memória. Talvez esta seja a estratégia para que não tomemos nenhuma atitude e continuemos como um rebanho.” Seu retrato recorre a elementos religiosos como a estela, o rastro e a ferida para exibir os valores cristãos do Estado colombiano, e questiona os discursos que perduram na história da Colômbia.
Ana Luisa González é jornalista cultural em Bogotá, Colômbia.
Suficientemente Negro?
Centro Cultural Colombo Americano, sede norte
Cali, Colômbia
Entrada franca
De segunda a quinta, das 9h às 19h
Sexta-feira, das 9h às 18h
Sábados, das 8h às 12h
A exposição estará em cartaz até dia 30 de março de 2019.

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