14 de abr. de 2019

Prisão abusiva de imigrante africano faz do Centro de Florianópolis praça de guerra. - Editor - POR ESSAS PARAGENS, OS ÚNICOS E LEGÍTIMOS HABITANTES, SÃO OS ÍNDIOS.

Prisão abusiva de imigrante africano faz do Centro de Florianópolis praça de guerra

Guarda Civil Municipal ameaça fuzilar população que protesta contra agressão e detenção arbitrária de trabalhador senegalês

Alvo de constantes agressões pela guarda civil, senegaleses fazem protesto contra xenofobia na segunda-feira. Foto: Portal Desacato (2018)
Senegaleses aguardam liberação do conterrâneo em frente ao 5° DP, mas delegado o mantém preso
O Centro de Florianópolis virou um campo de xenofobia, racismo e violência contra trabalhadores africanos no início da tarde de pleno sábado (13/30).  Pelo menos oito homens da Guarda Civil da Ronda Municipal apreenderam a mercadoria de um trabalhador senegalês que vendia camisetas e bermudas na rua Álvaro de Carvalho, empurraram-no para dentro do camburão e o levaram para o 5° DP, onde foi preso sob alegação de desacato, resistência à prisão e agressão aos policiais. Vídeos gravados por outros imigrantes do Haiti e Senegal mostram, contudo, que o rapaz não reagiu, pelo contrário, ele foi o agredido. Nas imagens, os policiais ameaçam as pessoas que cercam as viaturas e protestam contra a prisão arbitrária, apontando metralhadoras e fuzis para a população civil. Alguns homens gritam batendo no peito: “Atira, podem atirar, covardes!”.  Um homem repete em vão: “Mas ele não fez nada!”. Passantes também recebem a agressão química e uma mulher com o filhinho de três anos entra em desespero ao se sentir sufocada pelo gás.
Pelo menos 20 pessoas, entre testemunhas e líderes de entidades solidárias aos imigrantes e refugiados na Grande Florianópolis, foram para a delegacia de plantão prestar apoio a Ousmane Hanne. O jovem de 30 anos veio para o Brasil há três anos trabalhar para ajudar a família no Senegal, tem documentos e situação legalizada, conforme a advogada popular Luzia Cabreira, que está fazendo a assessoria jurídica do caso ao lado de Daniela Felix. Elas foram chamadas com urgência ao 5° DP pelo vereador Lino Peres (PT), a pedido das entidades para defender o imigrante, mas o delegado não só o fez passar a noite na cadeia, como manteve a prisão e encaminhou queixa-crime ao juizado. Hanne foi acusado também de insultar os policiais, embora segundo Luzia, se comunique muito mal por causa do forte acento e só domine o dialeto de origem. Neste domingo, no início da tarde, ele prestará depoimento em audiência de custódia no Fórum da Capital para que o juiz decida se vai relaxar a prisão e defina as penalidades. Será acompanhado pelas advogadas, que devem apresentar denúncia de prisão arbitrária e violência policial.
  • Foi uma ação de desrespeito aos direitos humanos, com a prisão brutal de um trabalhador pacífico, que não representa nenhum perigo para a comunidade. É indigno como tratam um imigrante que já enfrenta preconceito e dificuldades de sobrevivência em território estrangeiro. Sem falar que policiais civis não são agentes legalmente designados para a função de fiscais de mercadorias. Essa prisão inadequada gerou um processo penal desnecessário para uma justiça já tão morosa pelo acúmulo de demandas. Tudo poderia ter sido resolvido com um acordo circunstanciado em que o vendedor ficasse sujeito a apresentar a nota das mercadorias, afirma Luzia Cabreira.
AUDIÊNCIA NO FÓRUM HOJE, PROTESTO CONTRA TRUCULÊNCIA AMANHÃ
Povo pacífico, imigrantes africanos são frequentemente vítimas de racismo e xenofobia Foto: Aline Torres (UOL)
Revoltados, os senegaleses, que têm uma associação com 55 fundadores, solicitaram ao vereador a convocação de um ato na segunda-feira (15/4), às 15 horas, na Câmara Municipal, para manifestar sua indignação e conseguir o comprometimento dos parlamentares contra a violência do aparato de repressão da prefeitura. Foram convocados o Centro de Referência e Apoio aos Imigrantes (CRAI), o Serviço Pastoral do Migrante (SPM), o Grupo de Apoio aos Imigrantes e Refugiados  (Gairf), a Sociedade Beneficente Cultura Brasil Haiti (Haibra), o Projeto PANA, da Cáritas/CNBB e ainda a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. “Foi uma truculência enorme contra o comerciante preso, contra os senegaleses e haitianos que estavam a sua volta e também contra a população de passantes agredidos com gás de pimenta e ameaçados com armamento pesado”, atesta Lino Peres.
Em frente à DP, a professora voluntária de língua portuguesa para estrangeiros, Elza Nunes, reuniu numa lista o nome completo e o telefone de 12 testemunhas da agressão, entre elas três brasileiros nordestinos, dois haitianos e sete senegaleses. Quando já estava no camburão, completamente rendido, Hanne recebeu outra vez gás de pimenta nos olhos. Elza explica que a única reação do senegalês foi se agarrar à mercadoria e tentar pedir, no seu português crioulo, que os guardas assinassem o termo de apreensão para que ele pudesse recuperá-la depois. “Caso contrário, eles sabem que nunca mais vão reaver os produtos adquiridos a duras penas”.
“Macacos, voltem pra sua terra. Aqui não é o seu país”, gritaram os comerciantes. Foto: Marcos Bruno (CBN/Diário)
Não é a primeira vez que policiais agridem gratuitamente imigrantes africanos nas ruas de Florianópolis.  “Batem nos camelôs imigrantes como se fossem ladrões”, denuncia Elza. No ano passado, várias cenas violentas como a de ontem foram presenciadas pela população, sempre provocadas por denúncias da Associação Comercial. Embora gentis e tranquilos, os africanos sempre sofrem abordagens truculentas na praia de Canasvieiras, onde caminham de uma ponta a outra embaixo do sol, carregando suas mercadorias, lembra Thaís Lippel, presidente do  Coletivo Memória, Justiça e Verdade, que também acorreu à delegacia.
Num protesto contra os ambulantes africanos em março de 2018, os comerciantes ofenderam os ambulantes africanos com palavras de racismo e xenofobia. “Vai para o seu país, macaco! O que você está fazendo no Brasil?”.  O mesmo insulto teria sido feito contra nordestinos que criticavam o levante dos lojistas. Em junho do ano passado, no TICEN (Terminal de Integração do Centro), a polícia passou de carro por cima da mercadoria de um haitiano que foi ainda humilhado e agredido. O vice-presidente da Associação Senegalesa, Manoel Chiekb, que filmava a ofensiva, teve seu celular jogado pisoteado e as imagens apagadas. Em função desse episódio, houve uma forte mobilização das entidades, com queixa na corregedoria do município, que culminou com uma reunião e um termo de acordo em que a Guarda Civil se comprometeu a não depredar os pertences dos imigrantes e a não efetuar prisões arbitrárias para substituir o trabalho de fiscalização. Pela persistência das agressões, a violência e os abusos de poder continuam sendo o método preferido dos aparatos de repressão.
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