29 de mai. de 2019

Capitalização não deu certo em 60% dos países onde foi implantada, revela OIT

Capitalização não deu certo em 60% dos países onde foi implantada, revela OIT

Valores baixos dos benefícios e altos custos da capitalização fizeram 18 países voltarem atrás, após implantação do sistema. Para o presidente da CUT e economista, capitalização só interessa aos bancos 

 Publicado: 29 Maio, 2019 - 08h30 | Última modificação: 29 Maio, 2019 - 11h23
Escrito por: Rosely Rocha
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O sistema de capitalização, em que o trabalhador faz a própria poupança para sua aposentadoria, defendido pelo ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, com apoio de Jair Bolsonaro (PSL), não deu certo em 60% dos países em que foi implantado, segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT).
Entre 1981 e 2014, segundo os pesquisadores da OIT, 18 dos 30 países que adotaram a capitalização fizeram uma nova reforma para reverter algumas mudanças da previdência privada para a pública: Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, Nicarágua, Bulgária, Cazaquistão, Croácia, Eslováquia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Polônia, República Tcheca, Romênia e Rússia. 
Outros 12 ainda mantêm a reforma, apesar do forte empobrecimento dos idosos: Colômbia, Chile, Peru, Uruguai, México, El Salvador, Costa Rica, República Dominicana, Panamá, Armênia, Nigéria e Gana.  
Entre os problemas verificados pela entidade estão:
- baixa remuneração do aposentado devido aos altos custos fiscais e administrativos do novo sistema, com benefício médio de 20% do salário do trabalhador quando na ativa, como aconteceu na Bolívia - a OIT recomenda no mínimo 40% desse valor;
- o aumento do rombo da Previdência pública por causa dos custos da mudança do sistema. Na Argentina, por exemplo, o custo foi inicialmente estimado em 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), mas foi revisto para 3,6% do PIB - 18 vezes mais alto;
- o aumento da desigualdade social porque as pessoas que têm rendimento mais baixo pouparam menos e, consequentemente, receberam uma aposentadoria muito menor.
Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, a pesquisa da OIT comprova o que a Central vem denunciando: a capitalização é uma tragédia para a maioria dos trabalhadores, que não vai conseguir se aposentar porque não tem como poupar. Os que conseguirem, vão receber uma miséria.
“Mas, estamos falando de uma remota hipótese de aprovação da proposta. Tenho certeza que os trabalhadores e as trabalhadoras irão lutar muito para impedir que isso aconteça. Já temos mobilização nesta quinta [30] contra a reforma da Previdência e contra os cortes na educação e no dia 14 de junho vamos fazer uma greve geral histórica para impedir os ataques nos direitos dos trabalhadores”.
Além disso, a proposta é também um desastre para o país, que vai arrecadar menos porque o consumo vai cair, as empresas não terão para quem vender, o desemprego vai aumentar ainda mais, critica Vagner.
A capitalização é sinônimo de mais miséria e desigualdade não só para idosos,ms para toda a sociedade. Mas, paradoxalmente, é também de mais lucro para os bancos e especuladores que vão abocanhar trilhões de reais sem nenhum retorno para o país, para a sociedade e para os trabalhadores e trabalhadoras
- Vagner Freitas
O professor de pós-doutorado em Economia, da PUC de São Paulo, Ladislau Dowbor, também acha que a proposta do governo só interessa aos bancos que querem se apropriar do dinheiro da Previdência e gerir da forma como quiserem o sistema previdenciário.
“Se olharmos o endividamento das pessoas, das tarifas sobre cartões de crédito, os juros extorsivos, percebemos que os bancos só pensam nos acionistas, em seus ganhos, não no interesse da população. Eles querem, inclusive, o nosso Fundo de Garantia por Tempo de Serviço [FGTS], querem o nosso dinheiro e devolver muito pouco para os pobres”, alerta o professor.
Do ponto de vista ético, o sistema de capitalização é vergonhoso. Passar a faca no dinheiro dos idosos é covardia
- Ladislau Dowbor
O modelo de capitalização da Previdência que Bolsonaro quer implementar no Brasil, segundo o economista, só funciona em países em que há bem estar social, onde a saúde e a educação são universais e gratuitas, ou seja, onde o Estado é o agente da promoção social e organizador da economia, não o contrário como o atual governo quer fazer, colocando tudo nas costas dos trabalhadores e trabalhadoras. Sem saúde e educação gratuitas os altos custos com planos de saúde e escolas particulares comprometem a renda, afirma.  
“Nos países onde o sistema de saúde e educação é público e universal, a qualidade de vida é infinitamente melhor e o que seria gasto com esses serviços vai para o consumo e ajuda a girar a roda da economia”, explica o professor de economia da PUC.
Dowbor ressalta ainda que a capitalização só funciona para quem tem capital. No caso de trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda baixa, se o Estado e a empresa não complementarem o valor da contribuição, formando um tripé de Previdência, como funciona o atual sistema brasileiro, o “negócio desanda”.
As justificativas do governo para aprovar a reforma da Previdência e, depois, encaminhar para o Congresso Nacional a proposta do modelo de capitalização da previdência, que acaba com as chances de milhões de trabalhadores de se aposentar, vai garantir a economia de mais um trilhão de reais, o que contribuiria para tirar o país da crise em que se encontra. Quem ouve pensa que as reformas vão gerar desenvolvimento, emprego e renda. É como se o país não tivesse outra alternativa para voltar a prosperar.
O professor Ladislau Dowbor refuta os argumentos do governo. Segundo ele, a prosperidade começa na base de consumo. Se há demanda, as indústrias produzem mais, aumenta o total de impostos pagos ao Estado e a conta fecha.
“O dinheiro é que reforça a capacidade de consumo, seja através de salários mínimos elevados, seja por serviços públicos gratuitos, seja crédito barato para o empresariado comprar máquinas. Esses, aliás, não precisam de discursos ideológicos, o que se precisa é dinamizar a atividade produtiva. É assim que funciona em países desenvolvidos”, diz.
O que funciona a gente sabe, o resto é uma farsa
- Ladislau Dowbor
Segundo o professor, países como a Coréia do Sul conseguiram o seu ‘milagre econômico’ investindo em bens públicos coletivos, como educação, saúde e transporte público. Há alguns anos, contou, a Coréia do Sul desbloqueou recursos públicos pesados para financiar sistemas de transporte público não poluente. O investimento gerou um conjunto de atividades de pesquisa e de produção e, portanto, emprego. Como utilizar transporte coletivo é muito mais barato do que cada pessoa pegar o seu carro, foram geradas economias que mais que cobriram o investimento.
“O mesmo aconteceu na China, na Alemanha e em países nórdicos. Esses países se tornaram mais dinâmicos em termos econômicos graças à gratuidade de todos os serviços. Hoje a China se desenvolve com o seu mercado interno, em que as pessoas consomem mais. O milagre da construção européia de 1945 a 1975 também foi graças aos serviços públicos universais“, conta.
O professor critica o Brasil porque aqui, os serviços públicos são considerados gastos e não investimentos, como no caso da saúde gratuita e preventiva, que, segundo ele, gera a política de saúde e não a indústria da doença.
Além de tudo isso, a reforma Trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB) jogou milhões de trabalhadores na informalidade, com trabalhos precários sem condições de contribuir com a Previdência e isso, sim, vai provocar um rombo enorme nos cofres do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que paga os benefícios, como analisa o professor Dawbor.
“O Brasil tem apenas 33 milhões de trabalhadores com carteira assinada para uma força de trabalho de 105 milhões, e sem expandir a capacidade contributiva da Previdência a conta não vai fechar”. Clique aqui para entender o cálculo
“É preciso aumentar o numerador e não o divisor. A Previdência é essencialmente uma forma de assegurar uma renda digna para as pessoas, da massa da população. Dizer que vai faltar dinheiro lá na frente, para defender a reforma é uma falácia”, explica Ladislau Dowbor, que também é consultor de diversas agências da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU).
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