9 de jun. de 2019

Primeira grande vitória dos Coletes Amarelos: Votação para deter a desnacionalização de Aeroportos de Paris. - Editor - SÓ A MOBILIZAÇÃO PODE BARRAR A TOTAL DESNACIONALIZAÇÃO E ENTREGA DO PATRIMONIO NACIONAL. A GREVE GERAL DO DIA 14 É PARA POR FIM AO DESMONTE E VENDA DO PATRIMONIO PÚBLICO QUE É DO POVO.

 EUROPA 
EUROPA / Primeira grande vitória dos Coletes Amarelos: Votação para deter a desnacionalização de Aeroportos de Paris
Data de publicação em Tlaxcala: 14/04/2019
Original: Yellow Vests get first game-changing win: A vote to stop denationalisation of French airports

Primeira grande vitória dos Coletes Amarelos: Votação para deter a desnacionalização de Aeroportos de Paris

Ramin Mazaheri رامین مظاهری 
Traduzido por  Coletivo de tradutores Vila Mandinga


Já não se lê a palavra “desnacionalização” na mídia ocidental. É só “privatização”.

Faz sentido. “Desnacionalização” é palavra tão obviamente negativa; a falta de patriotismo e de atenção ao bem-estar das pessoas, deixadas aí, bem à vista.

Parece que o New York Times aboliu completamente a palavra lá por meados dos anos 1980s – o que faz sentido, porque foi quando a propaganda pró-neoliberalismo tomou conta de tudo. Em 2019, uma geração adiante, jornalistas já nem questionam que a “privatização” possa ser evento muito ruim: para eles, “nacionalização” é provavelmente termo pejorativo, destronando afinal a palavra “nacionalismo”, que já se tornou essencialmente sinônimo de “racismo”, no vocabulário ocidental.

Mas “desnacionalização” é termo perfeitamente acurado: vendem-se empresas e construções, patrimônio em geral que se dúvida foi construído, comprado e pago pelo Povo de uma nação e sempre administrado com vistas ao bem da nação.

Não se pode dizer que todos os neoliberais odeiem a própria nação – ser “antinação” é a ideologia específica dos globalistas, subconjunto do neoliberalismo. Pode-se dizer que os neoliberais odeiam “o estado”, e a distinção é importante.

Ouçam o papaguear do rádio nos EUA e com certeza encontrarão rádios de religiosos protestantes, e essas rádios amam ensinar que o governo federal e “a Besta” da Bíblia são uma e a mesma pessoa; assim satisfazem ao mesmo tempo os ouvintes neoliberais e os ouvintes libertaristas [ing. libertarian]. Isso explica por que os neoliberais tanto promovem a “privatização”. Quando descobriram que o 1% para os quais a desnacionalização foi feita era o 1% estrangeiro... talvez se tivessem sentido incomodados, mas não, porque são neoliberais da globalização.

Terminologia político-econômica acurada à parte, agora os Coletes Amarelos podem dizer “Ta gueule!” [cale a boca] a todos.

http://tlaxcala-int.org/upload/gal_20109.jpg
O Estado pretende vender Aéroports de Paris: "Tut tut! Vinci! Não toque ao grisbi (tesouro)!"
Miss Lilou


Os Coletes Amarelos sem dúvida alcançaram afinal uma primeira vitória real contra Emmanuel Macron essa semana, quando parlamentares da oposição surpreendentemente se uniram para votar a favor de se organizar um referendum que decida sobre a venda dos três aeroportos na área de Paris. Os RICs – Referendum de Iniciativa dos Cidadãos – à moda suíça – é a demanda estrutural democrática básica dos Coletes Amarelos; o fato de que agora é possível que os cidadãos votem em referendum sobre a venda dos aeroportos franceses é, sem dúvida, resultado da agitação de rua.

A mídia francesa, sempre rabugenta, que odeia os Coletes Amarelos por eles se atreverem a questionar o direito de o 4º Estado decidir a agenda que toda a sociedade seria obrigada a discutir, evidentemente não comemorou o que é vitória óbvia de todos que vivam sobre solo francês ou apenas passem voando por ali.

Mas o ceticismo da mídia tem razão de ser: o último referendum que houve na França foi em 2005, para o Tratado de Maastricht. E foi imediatamente ignorado... mais ou menos como a votação para o Brexit parece estar sendo.

Hoje deveria ter sido o dia em o Reino Unido deixaria a União Europeia e reconquistaria plena soberania, e agora estamos sob massacre midiático, 27 horas por dia, 7 dias por semana, a favor de outra votação. Pessoalmente, acho que ninguém precisa respeitar o primeiro referendum – todo mundo sabe que votações desse tipo só começam a valer, mesmo, de verdade, depois da 4ª ou 5ª...

Muito me surpreendeu o renascimento do patriotismo, no bom sentido, econômico, da França. Na véspera da decisão, fiz essa matéria para a Press TV do Irã  – havia apenas uns 150 Coletes Amarelos em frente ao Senado, onde, naquele momento com certeza, a proposta de Macron para o desmanche dos aeroportos estava para ser aprovada. Ainda não se sabe se realmente acontecerá algum referendum, que seria pioneiro, mas é possível, sim, que apareça nas manchetes durante meses, empurrando enquanto isso, para as ruas, mais e mais franceses metidos em Coletes Amarelos.


Ambicioso, louco por grana, por JERC
Será que as táticas inacreditavelmente imundas de Macron fizeram a maré virar?
A ideia de vender patrimônio do Estado aos mais ricos, já é vergonhosa até para quem não seja fanático obcecado contra qualquer democracia socialista, mas as táticas de Macron superaram todos os limites conhecidos de imundície.

Para começar, pôs toda a gangue dos servis, neófitos, executivos e profissionais do businesstravestidos de políticos (gente que, em locais como The Economist, é conhecida como “a sociedade civil”) na Assembleia Nacional a reescrever leis que permitissem desnacionalizar os aeroportos. Os nomes orwellianos que se dão às leis francesas para as “deformas” que planejam são sempre cômicos. Nesse caso, a Lei se chama Plano de Ação para o Crescimento e Transformação de Empresas (“Lei PACTE”, fr. Plan d'Action pour la Croissance et la Transformation des Entreprises; ing. Action Plan for the Growth and Transformation of Companies; nos dois idiomas, “Lei PACTE).

Em seguida, para evitar a imprensa e uma possível derrota, Macron convocou sessão de votação da lei para liquidar os aeroportos franceses, para as 6h15 da manhã [madrugada] do sábado, dia 16 de março. Deputados franceses trabalham em horas estranhas, sim – nunca entendi por que, aqui nem é a Espanha! – mas eu jamais tinha ouvido falar de sessão de votação às 6h da madrugada de um sábado. Só apareceram 45, dos 577 que votam na Câmara baixa. A mídia faixa branca fez o diabo para explicar que, sim, a votação foi, sim, de verdade, legal. Ninguém cobriu a sessão – todos fomos enganados, eu inclusive. Ora bolas! Sou jornalista diurno. E não posso noticiar um evento dois dias depois de ele acontecer. Você mal dá conta de cobrir o dia, e logo já aparece mais um fato, ali, à sua espreita.

Depois, num movimento conectado a esse, mas conexão que nenhum veículo parece estar percebendo, Macron adiou a data da conclusão dessa campanha de Relações Públicas dissimulada sob o título de “Debate Nacional”, para desviar as atenções da votação no Senado, marcada para essa semana.

Os Coletes Amarelos não se sentiram ofendidos, nem se incomodaram. Como já estava planejado, iniciaram ação massiva de desobediência civil na Avenida dos Champs-Elysées, um dia depois da data em que o Debate Nacional deveria ser concluído, dia 16 de março. Incendiaram até um banco. Acho justo registrar que fui o único a explicar adequadamente por quê (e bem na frente do banco!).

E essa semana Macron revelou suas “conclusões” daqueles dois meses e meio de conversa fiada, que se resumem, essencialmente, à seguinte: “É reconfortante saber que sempre tive razão, desde o primeiro dia!” Claro que Macron contava com que a mídia se manteria focada no bobajol tecnocrático, e não dedicaria colunas inteiras à venda, em liquidação, dos aeroportos.

Mas não contava com que deputados do partido Macron-não se aliassem para o bem do país. Ou, de fato, para muitos, para o bem das respectivas campanhas de reeleição: a desnacionalização é tão impopular que ninguém pode sequer pronunciar o nome – sem ser imediatamente é atacado como vendilhão da pátria. Daí que falar mal de “privatização” – sobretudo se chamada de “desnacionalização” é garantia de atrair eleitores e votos.

Em resumo: é perfeitamente impossível acreditar no que diz Macron, que o único modo pelo qual o estado conseguirá 10 bilhões de euros para um “fundo de inovação industrial” é torrar os aeroportos de Paris (assim como as Loterias Francesas e a participação do estado francês na gigante Engie de energia).

A França já deu milhões e bilhões em cortes de impostos e isenções a empresas e negócios ao longo da Era da Austeridade [“Era do ARROCHO”], sempre repetindo que o 1% investiria em fundos de inovação industrial que o próprio 1% proporia, e que não havia conexões com o Estado, nos programas de cortes.

Há também a evasão, que chega à casa de centenas de bilhões que o estado deixa de arrecadar... e que ninguém nunca mais verá, considerando que Macron quer cortar milhares de cargos no Ministério da Finança, o ministério cujo trabalho é arrecadar impostos (perfeito Jesus, a expulsar os vendilhões do templo... matar a Besta, etc.).

Em resumo, a semana foi péssima para Macron: apenas 6% da França considerou um sucesso sua operação Vejam como Macron Vence Fidel Castro em Concurso de Discurso Longo; e, pior que isso, os franceses absolutamente não engoliram a privatização que sua gangue de globalistas neoliberais amam acima de tudo. Por que é melhor para eles, que as velhas guerras oh-que-delícia-de-guerra-tão-lucrativa – você elimina dezenas de milhares de empregos da Besta/Governo, e recebe em troca uma vaca que dá dinheiro pelas tetas e vem com carteira obviamente garantida de clientes e em estado de perfeito monopólio.
O Irã sabe o que ninguém na França aprendeu (exceto os Coletes Amarelos)
Assim, em meados dos anos 80s, o cérebro neoliberal passou cinco sendo curado como queijo francês azedo; em 1991, os líderes da URSS ignoraram o referendum pelo qual 78% dos soviéticos votaram a favor de permanecerem soviéticos; e em 2002 os francesinhos de ‘esquerda’ iniciaram a desnacionalização das rodovias – o arco histórico é claro, embora pareça lento demais para muitos.

Foi grande surpresa para mim, quando cheguei à França “socialista”, que já tivessem vendido todas as estradas do país. Hoje, quando um motorista paga 60 euros para dirigir de Paris a Marselha – só de ida! –, você quer pôr fogo na cabine de pedágio. Exatamente o que fizeram os Coletes Amarelos. Prestaram valioso serviço público.

Desnacionalizar o aeroporto terá o mesmo efeito caríssimo para o francês médio. Terá o mesmo efeito que o Reino Unido conheceu depois que as ferrovias foram desnacionalizadas: um ticket em alta temporada é hoje cinco vezes mais caro que no continente, e todos os serviços pioraram, a viagem demora mais tempo, é menos segura e menos confortável. Nos EUA leem-se manchetes como essa do ano passado, de St. Louis: Privatização de Lambert (aeroporto) é desastre semelhante ao do estacionamento em Chicago.

(Todos lembram de uma cena marginal em O Poderoso Chefão II da festa à moda cubana da noite da vitória dos socialistas, em que o povo vai pelas ruas destruindo parquímetros? Sou testemunha de que, em 2019, a terra do povo ainda pertence ao povo de Cuba, e as pessoas podem até hoje estacionar sem pagar. E dizer que provavelmente havia gente supondo que estivesse quebrando parquímetros, só por quebrar...)

Macron que considere que tão cedo não poderei estacionar meu carro – que comprei integralmente com dinheiro economizado – gratuitamente em Paris: todo o sistema da Europa Ocidental/Liberal Democrático gira a favor dele. Querem outra prova? As manifestações dos Coletes Amarelos foram totalmente proibidas em Lyon, a terceira maior cidade do país, depois de uma reclamação do que sinceramente, é verdade, não estou brincando, é o verdadeiro poder nas sociedades ocidentais: a Câmara de Comércio local.

Assim sendo, há “privatização” e “desnacionalização”... e há também “privatização” iraniana, da qual se ouve falar a todo instante. Rouhani virou “neoliberal”, ok? Ahmadinejad também, é mesmo, ãhã?

Só rindo! Juro, acreditem em mim, cada vez que escrevo sobre isso, me pego rindo alto. Quer dizer que o Irã estaria vendendo 51% do patrimônio do Estado para os Rothschilds, ou os suíços... quem sabe... para os turcos?! Ah é? Os turcos governam o Irã? Mas... Que interesse teríamos, os iranianos, em arruinar tudo, para nós mesmos?!
As “privatizações” do Irã não são “privatizações”. O Irã “vendeu” patrimônio do estado para grupos controlados pelo estado, os Guardas Revolucionários, bonyads (cooperativas de caridade, mantidas por religiosos) e a força Basij [uma das cinco forças que constituem o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica do Irã; soldados reservistas]. Não foi sequer “desnacionalização”. Com certeza não foi “privatização neoliberal” – porque o estado em quase todos os casos mantém mais do que os 20% que já lhe garantiriam o controle, mas fatia de 51% das ações – e se vocês disserem que o Irã foi seduzido pela “globalização neoliberal”, há risco de eu morrer de rir.

Assim sendo, não é que a mídia iraniana esconda o que ‘realmente acontece’, trocando a nomenclatura: é que o Irã vive sob conceitos revolucionários (típicos, únicos no mundo) de governança, para os quais simplesmente ainda não há palavras em línguas estrangeiras.

Mas numa coisa podemos concordar: essas mudança únicas, específicas do Irã, são o perfeito oposto do que Macron quis para a França; e essas mudanças específicas são tão distorcidas, a informação sobre elas é tão insuficiente e errada pelo ocidente capitalista-imperialista, que – por exemplo, essa semana – todos nos Guardas Revolucionários e na força Basij foram declarados terroristas pelos EUA.

Há de 10 a 25 milhões de reservistas Basiji, dos quais praticamente nenhum é armado, e a maioria dos quais são mulheres e crianças, mas... ok, ok, todos terroristas. Vale qualquer sacrifício, para não ter de pagar 60 euros de pedágio só de ida.

Esse grito é grito revolucionário muito efetivo para os Coletes Amarelos!

A França deve agradecer aos seus valentes Coletes Amarelos – que conseguiram impedir (pelo menos por enquanto), que o povo francês perca um dos aeroportos mais movimentados do mundo. Com certeza é vitória tangível, que calará os detratores do movimento, o que obrigará que se façam mudanças na agenda da mídia liberal-democrata hegemônica, e que pode ajudar os demais cidadãos franceses a se tornarem politicamente mais lúcidos e ilustrados.

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