Jornal GGN – Foram mais de 5 anos de Lava Jato, até que veio à tona mais uma polêmica envolvendo as delações: ex-executivos da OAS e Odebrecht admitiram que receberam dinheiro das empresas como estímulo à colaboração premiada.
O argumento das empresas é que os delatores merecem uma “compensação” pela perda do cargo e outros danos decorrentes da Lava Jato, como a exposição midiática.
O Ministério Público já criou uma “comissão especial” para lidar com a crise, e afirmou à imprensa que não tinha condições de monitorar a relação das empresas com seus delatores.
Fica a dúvida: teria a Lava Jato assistido ou participado de outras situações do gênero? É possível, por exemplo, que delatores emprestados aos Estados Unidos para ajudar em investigações contra a Petrobras tenham sido remunerados por autoridades americanas?
A FIGURA DO WHISTLEBLOWER
Na semana passada, o Conjur noticiou que a Securities and Exchange Commission (SEC) pagou 4,5 milhões de dólares a um cirurgião brasileiro que denunciou um esquema de corrupção no setor esportivo.
Para evitar um processo em solo americano, a empresa delatada aceitou um acordo com a SEC e o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) no valor de 30 milhões de dólares. O prêmio do cirurgião é um percentual dessa multa.
A troca de informações e o pagamento pela delação se deram dentro do programa Whistleblower, ligado à SEC, que administra as denúncias enviadas ao departamento, confere se os colaboradores estão habilitados para receber a remuneração (paga somente àqueles que ajudaram em investigações bem sucedidas) e protege a identidade de todos, ainda que vivam em outros países.
Whistleblower, que remete à palavra “assoprador”, ainda não tem uma tradução consensual dentro do mundo jurídico brasileiro, mas há quem use os termos “dedo-duro” ou “informante confidencial” para fazer referência aos que entram no programa.
Nos EUA, o whistleblower não se confunde com a figura do delator premiado que passamos a conhecer na Lava Jato, por exemplo. Lá, “presume-se que o whistleblower seja um reportante de boa-fé, que não participou dos atos ilícitos praticados e voluntariamente traz ao conhecimento das autoridades informações úteis sobre wrongdoings (malfeitos) que violem normas federais norte-americanas de valores mobiliários, especialmente o muito conhecido Foreign Corrupt Practices Act (FCPA).”
Embora não haja confirmação – e seja difícil de obtê-la por vias oficiais, graças ao sigilo em torno do programa Whistleblower – há fortes indícios de que os EUA tenham aplicado o método na Lava Jato, logo no início.
CLASS ACTION CONTRA A PETROBRAS
Em dezembro de 2014, Sean McKessy, homem à frente do Whistleblower Program desde 2010, respondeu à revista Época que esperava utilizar seus métodos na ação coletiva de acionistas americanos contra a Petrobras (class action), por conta dos “prejuízos” decorrentes do esquema de corrupção revelado pela Lava Jato.
A ação coletiva foi liderada pelo escritório do advogado americano Jeremy Lieberman, o Pomerantz, que chegou a enviar ao Brasil um investigador particular, ex-agente do FBI, para levantar informações com potenciais delatores, e documentos com as autoridades brasileiras [veja página 91 deste arquivo aqui].
O acordo da class action impôs à Petrobras o pagamento de quase 3 bilhões de dólares em indenizações.
Sean disse à revista, 4 anos antes deste acordo, que “certamente” tinha “autoridade” para fazer valer o FCPA sobre a Petrobras, e acrescentou: “Nosso programa terá um papel relevante em casos de corrupção estrangeiros, porque manda uma mensagem: esse tipo de corrupção não será tolerado.”
O FPCA também levou a Petrobras a fechar outros dois acordos – com a SEC (cease and desist) e com o Departamento de Justiça (non prosecution agreement) – para evitar mais processos em solo americano.
A multa decorrente desta negociação rendeu à Lava Jato 2,5 bilhões de reais que seriam divididos igualmente entre uma instituição privada anticorrupção, a ser criada sob a influência dos procuradores de Curitiba, e um fundo de ressarcimento aos acionistas brasileiros. Esta parte do acordo foi suspensa para análise do Supremo Tribunal Federal. [Leia mais ao final]
QUEM PODE ADERIR AO PROGRAMA?
No programa de whistleblower da SEC, os candidatos a “informante confidencial” são pessoas que trabalham na empresa delatada, mas não enriqueceram ou tiveram participação no esquema.
Se as informações compartilhadas por este informante levarem a um processo em que a empresa terá de pagar uma multa superior a 1 milhão de dólares, então uma fatia – de 10% a 30% – desse dinheiro será transformada em “bônus” para o whistleblower, em agradecimento pela cooperação.
Além do pagamento, a SEC se compromete a manter o nome do informante em absoluto sigilo.
O CASO VENINA VELOSA
Há um nome na Lava Jato que se encaixa no perfil de whistleblower: Venina Velosa da Fonseca.
Ex-gerente da Petrobras, Venina ganhou os holofotes da mídia quando, em entrevista ao Fantástico, disse que apresentou a seus superiores (entre eles, Paulo Roberto Costa e Graça Foster) indícios de corrupção na empresa.
Ela contou também que o alerta foi desconsiderado e que acabou ameaçada e retaliada com uma transferência para Cingapura.
Venina é um “case” de whistleblower na Lava Jato em um artigo acadêmico assinado pelo advogado Gustavo Carvalho Kichileski, que ainda fez referência a outros casos famosos, todos nos EUA: Edward Snowden, Chelsea Manning e Enron.
Mas Venina também aparece em um documento oficial da class action nos EUA contra a Petrobras. Em abril de 2018, o advogado Jeremy Lieberman, no âmbito da class action liderada pelo escritório Pomerantz, escreveu que Venina era uma “whistleblower”.
Pelos relatos do advogado americano, ela depôs em seu escritório, em Nova York, em duas datas: primeiro em fevereiro de 2016; e depois de um “acordo entre seu advogado e o advogado das Partes”, retornou para um segundo depoimento, em março daquele ano.
Lieberman considerou a participação de Venina no processo uma “vitória”.
Outro nome aparece na lista de “testemunhas” do Pomerantz marcado como “whistleblower”: Otávio Lavocat Cintra, ex-dirigente da Petrobras America, convocado para falar sobre a compra de Pasadena na CPI da Petrobras depois de ter procurado a Lava Jato para levantar suspeitas sobre o valor da operação. O caso foi divulgado pela revista Veja, citada pelo advogado na class action.
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Em outra passagem, Lieberman também assinalou que Mauro Rodrigues da Cunha (ex-membro do Conselho Administrativo da Petrobras, representando acionistas) foi “whistleblower” no processo.
Cunha, segundo Lieberman, participou da auditoria na Petrobras quando a Lava Jato estourou, e “havia criticado publicamente a metodologia adotada para calcular a perda de US$ 2,5 bilhões registrada pela Petrobras em conexão com a Operação Lava Jato. Ele se recusou a assinar as Demonstrações Financeiras de 2014 e em uma carta ao Conselho de Administração, escreveu que a acusação apenas reduziu parcialmente a sobrevalorização das refinarias.”
Há ainda um quarto nome citado como “whistleblower” na class action, Fernando Castro de Sá, um ex-gerente jurídico da Petrobras que também alegou ter sido punido por denunciar fraudes.
Mas o fato de Fonseca, Cunha, Sá e Cintra terem seus nomes atrelados ao termo “whistleblower” não confirma a entrada deles no programa de remuneração de delatores da SEC.
Não é possível descartar que Lieberman pode ter usado “whistleblower” de maneira mais aberta, apenas para fazer menção a um “delator”.
Em outro documento, de maio de 2018, o advogado americano chama Alberto Youssef de “whistleblower”. O doleiro, em tese, não preenche os requisitos para ser um informante confidencial pago pela SEC.
Neste mesmo documento, entretanto, Lieberman reafirmou a condição de Venina e Cintra como dois “whistleblowers”.
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