“Abate” de Witzel: PMs já mataram 1.075 pessoas no Rio, nenhuma em área da milícia
Por Hora do Povo Publicado em 22 de agosto de 2019

Margareth Teixeira, de 17 anos, morta com seu filho no colo enquanto governo diz que sua morte é uma "baixa aceitável" - Foto: Reprodução/Facebook
Agentes do Estado mataram 194 pessoas no Rio de Janeiro em julho, maior número de assassinatos por policiais desde 1998, quando o dado começou a ser contabilizado. Os números foram divulgados, nesta quarta-feira (21), pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).
De janeiro a julho de 2019, 1.075 pessoas foram mortas pelo Estado, cerca de 20% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Na Região Metropolitana, as mortes por intervenção de agentes do Estado chegaram a 178 em julho, representando 41,5% do total de casos de letalidade violenta (429), que reúne todos os índices criminais que resultaram em morte.
O aumento do índice de assassinatos em decorrência da ação policial é resultado da política de “abate” em comunidades promovida pelo governador Wilson Witzel (PSC). As mortes de inocentes, como a da jovem evangélica Margareth Teixeira, de 17 anos, que foi alvejada por 10 tiros de grosso calibre enquanto ia com seu filho para a igreja, são “baixas aceitáveis”.
Recentemente, ao ser questionado pela morte de inocentes, Witzel debochou das vítimas e afirmou que as mortes estão “no colo dos direitos humanos”.
O secretário da Polícia Civil, delegado Marcus Vinícius Braga, admitiu, nesta quarta-feira que o mais provável é que a situação piore e a polícia mate ainda mais pessoas, pelo menos até o fim do ano.
“A tendência é subir até dezembro, porque as ações estão sendo feitas. Conforme a gente for trabalhando as investigações, a inteligência, a integração com a Polícia Militar, a tendência é abaixar. É um número alto, não é o número que a gente deseja”, afirmou Braga.

O coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Ignacio Cano, afirmou que as mortes por intervenção policial começaram a crescer com mais intensidade a partir de 2014, com uma perda de controle sobre a criminalidade e o aumento do número de confrontos.
“Começa a crescer a partir de 2014, 2015. Há um aumento muito forte com a intervenção federal, e agora tem um novo aumento brutal como consequência das políticas do Witzel”.
Nenhuma morte causada pela PM em áreas controladas pelas milícias
Um levantamento do portal UOL apurou que o conjunto das mortes em decorrência da ação policial, até o mês de junho, ocorre fora dos territórios controlados pelas milícias no estado.
Segundo a reportagem de Sérgio Ramalho, a constatação é resultado do cruzamento de dados estatísticos do ISP (Instituto de Segurança Pública) – o órgão responsável pela análise dos indicadores de violência no estado– com pesquisas do Observatório de Segurança RJ, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, e ainda relatos de moradores e entrevistas com especialistas em Segurança Pública.
De janeiro a junho deste ano, 881 suspeitos foram mortos em operações policiais no estado – o maior número registrado nos últimos 17 anos. Desse total, 813 vítimas viviam na capital ou em cidades da região metropolitana, com destaque para Niterói, São Gonçalo e Belford Roxo.
As outras 68 mortes em ações policiais aconteceram de forma pulverizada em municípios da Costa Verde, onde fica Angra dos Reis, e das regiões dos Lagos, com cidades como Cabo Frio e Búzios, e Serrana, como Teresópolis, entre outros locais.
Para identificar os locais onde ocorreram as mortes de suspeitos em ações policiais, a reportagem analisou os registros por Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) e posteriormente pelas delegacias de cada localidade. Segundo esse estudo, os mortos nas intervenções de agentes do estado estavam no entorno ou em comunidades sob domínio de traficantes – em especial, do Comando Vermelho (CV).
Milícia
Em regiões onde há predomínio de grupos paramilitares não há registros de mortos em decorrência de intervenções de agentes do estado. O caso mais emblemático é o da Aisp 18 (Jacarepaguá, na zona oeste), em que as mortes de suspeitos em supostos confrontos foram registradas apenas nas três comunidades sob influência de traficantes: Cidade de Deus, Covanca e Chacrinha.
Em junho passado, durante visita a Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o governador Witzel disse que, “se estivesse em outros lugares do mundo, nós tínhamos autorização para mandar um míssil naquele local e explodir aquelas pessoas”.
A coordenadora do Observatório de Segurança, Sílvia Ramos diz que as operações policiais este ano estão mais frequentes, mais letais e mais assustadoras em relação ao ano passado.
“As operações cresceram 42%, e a letalidade dessas ações aumentou 46%. O Rio está repetindo o pior de suas políticas de segurança dos últimos 20 anos, com predominância dos tiroteios e confrontos”, diz.
Para Sílvia Ramos, o resultado dessa política será o aumento das mortes de inocentes. “Se a polícia continuar atirando sem se preocupar com os habitantes dos locais, vamos viver tragédias inaceitáveis todos os dias”, ressalta a cientista social, se referindo às recentes mortes de seis jovens. A coordenadora do Observatório de Segurança chama a atenção para a expansão das milícias, sobretudo, a partir de meados de 2018.
“O crescimento das milícias é o principal problema de criminalidade organizada que o estado enfrenta hoje. O Rio exporta o fenômeno das milícias para outros estados e só a cúpula de segurança fluminense não percebeu ainda que este é o nosso maior desafio de violência e criminalidade”, conclui.
Ao mesmo tempo em que se intensifica a matança por agentes da segurança pública, caem os homicídios dolosos. Em julho deste ano, foram 309 no Estado, menor número desde julho de 2014.
De janeiro a julho de 2019, foram contabilizados 2.392 homicídios dolosos, 23% a menos do que no mesmo período do ano passado.
Mas, para o professor Ignacio Cano, não é possível associar o aumento das mortes por policiais com a redução dos homicídios e portanto um ‘sucesso’ da política de segurança do governo Witzel.
“É claro que o Witzel vai dizer que está matando as pessoas que matam e que, portanto, [os números] estão caindo. Mas é preciso esperar um pouco e ver como evoluem”.
Cemitérios clandestinos
Enterrados em covas rasas, os cadáveres dos condenados à morte por integrantes da milícia não entram nas estatísticas de criminalidade do estado, o que mascara os indicadores de homicídios dolosos em ao menos duas áreas sob forte influência de milicianos.

Os municípios de Queimados, na Baixada Fluminense, e Itaboraí, na Região Metropolitana, apresentaram redução, respectivamente, de 47,2% e 35,7% nos registros de assassinatos na comparação do primeiro semestre desse ano com o mesmo período de 2018.
Somente em julho, 15 corpos foram desenterrados nos cemitérios clandestinos das milícias em atividade nas duas cidades comprovam que integrantes desses grupos adotaram a ocultação de cadáveres como estratégia para desviar a atenção das autoridades sobre a violência praticada em seus territórios.
“Os policiais e ex-policiais envolvidos nessas organizações sabem que a exposição dos executados repercute na imprensa e, por consequência, gera cobranças da opinião pública às autoridades, desencadeando investigações que podem atrapalhar seus negócios”, diz o delegado Cláudio Ferraz, responsável por quase 600 prisões de milicianos no período em que chefiou a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).
O promotor Fábio Corrêa, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público (MP) estadual, um dos responsáveis pela investigação que levou à prisão 26 integrantes da milícia chefiada pelo ex-secretário de Defesa Civil e vereador em Queimados, Davi Brasil Caetano (Avante), no último dia 18, lembra que as investigações confirmaram que a partir de 2017 os registros de homicídios na região começaram a apresentar queda.
“A milícia passou a enterrar e até a queimar os corpos de suas vítimas, além de intimidar os parentes para que não recorressem à polícia. Já identificamos 23 vítimas desse grupo, mas há evidências de que o número de executados possa chegar a quase cem”, diz o promotor Corrêa.
Para o sociólogo José Cláudio Souza Alves, autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense”, como as milícias em sua origem contam com a participação de agentes públicos, em especial, PMs ou ex-PMs, “eles detêm conhecimento técnico para ocultar seus crimes e assim dificultar as investigações. Há um componente extremamente cruel na atuação desses grupos em áreas pobres, onde o morador tem um parente executado e ainda é intimidado para não ir à polícia e é impedido de enterrar seus mortos com dignidade”, diz o sociólogo, que estuda há duas décadas a atuação desses grupos paramilitares.
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