Casa das Artes exibe o curta “Kumuã”, produzido pela agência Amazônia Real

 Por: Amazônia Real | 29/08/2019 às 17:37

O documentário narra a história do indígena Tukano que estudou o conhecimento tradicional de cura dos seus ancestrais para fundar Centro de Medicina Indígena Bahserikowi´i, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

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Manaus (AM) – A agência de jornalismo independente Amazônia Real lança, neste sábado (31), o curta-metragem “Kumuã: os especialistas de cura do Alto Rio Negro”, na Casa das Artes, no Largo São Sebastião, centro de Manaus. Com direção e roteiro do jornalista Fábio Zuker, fotografia de Alberto César Araújo e montagem do cineasta César Nogueira, o documentário narra o retorno de Yupuri João Paulo Barreto à sua comunidade tradicional Tukano, no rio Tiquié, em São Gabriel da Cachoeira, na fronteira do Amazonas com a Colômbia, de onde ele ficou afastado por 15 anos para estudar na capital amazonense.

Quando criança, Barreto conviveu com os Kumuã (pajés), que praticam o bahsese, a  terapia ancestral que cura doenças, e que foi a base dos estudos de antropologia dele para a criação do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi´i , em Manaus.

Durante o lançamento do curta-metragem, que faz parte do projeto “Olhando por Dentro da Floresta Amazônica”, acontecerá um bate-papo com as participações de João Paulo Barreto, do Kumu Ovídio Barreto Tukano, de Alberto César Araújo e de César Nogueira. A Casa das Artes fica na rua José Clemente, no. 564, Centro de Manaus. A entrada é gratuita.

A programação de lançamento de “Kumuã” tem apoio da Secretaria de Estado da Cultura do Amazonas (SEC). Também marca o encerramento do projeto Cine Real, composta por uma exposição de fotografias e exibição de documentários da Amazônia Real, e que ficou em cartaz por quatro meses na Casa das Artes.

O mundo dos Kumuã

Os Tukano, originalmente, se auto-denominam Yepá-Mahsã. Yeapá é o construtor do mundo terrestre e dos povos do Alto Rio Negro; Mahsã é o próprio ser humano. O nome Tukano é um apelido dado por outro povo do Alto Rio Negro, os Dessana, que acabou sendo incorporado à linguagem comum dos Yepá-Mahsã e no cotidiano deles. Também acabou sendo difundido por não-indígenas

O kumu (no plural é kumuã) possui o poder de evocar propriedades de cura e de proteção. É ele quem possui um conhecimento preciso sobre estar saudável ou doente, e a maneira para formar e cuidar desse corpo, por meio do bahsese (terapia ancestral), do bahsamoi (os cantos/rituais) e do kihti (as tramas de histórias contadas pelos Tukano). 

Segundo o diretor do curta metragem Fábio Zuker, que também é antropólogo, o documentário “Kumuã” é uma espécie de “boat movie”, um filme-de-barco. O cenário é o Alto Rio Negro, seus rios e corredeiras –  uma das regiões mais preservadas da Amazônia e alvo de interesse da exploração de mineradoras, que podem ameaçar a biodiversidade e a cultura tradicional de 23 povos indígenas.

Partindo de Manaus de avião e viajando de barco pelos Alto Rio Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira, o trabalho da produção audiovisual foi realizado entre os dias 4 a 12 de março deste ano. No percurso a equipe da agência Amazônia Real encontrou pelo caminho grandes especialistas das terapias indígenas. “O documentário retrata em cada corredeira, em cada aldeia e em cada conversa com os indígenas a luta dos Kumuã pela perpetuação das suas formas de fazer mundos e pessoas”, diz Zuker.

 Além de dirigir o documentário a convite da agência, o jornalista produziu, a partir da viagem ao Alto Rio Negro, duas reportagens especiais sobre os Kumuã do Alto Rio Negro, que estão publicadas no site da Amazônia Real.

Zuker conta que a viagem até o rio Tiquié foi longa, pois demorou dois dias e meio de viagem de voadeira (lancha com motor de popa) até chegar à aldeia São Domingos. Ele diz que foi uma das experiências mais fortes de sua vida.

“Em primeiro lugar, pelo tamanho da área contínua de floresta preservada. Eu nunca tinha visto algo assim. Conforme fomos parando nas comunidades, conversando com os Kumuã, o que mais me marcou foi a força e a potência do conhecimento que eles têm e lutam para manter, frente ao descaso da ciência ocidental”, diz ele.

O fotógrafo Alberto César Araújo também pontua que esta viagem foi a mais enriquecedora como aprendizado e troca de conhecimentos que teve em sua carreira de 28 anos.

“Foi uma experiência muito profunda, não só em termos profissionais, mas pessoal, de autoconhecimento, de praticar a alteridade, de percepção das coisas que nos cercam e que geralmente passam despercebidas, devido ao corre-corre da vida cotidiana. Entra-se em outro tempo e respeitar esse tempo foi essencial para que esta jornada tivesse êxito“, diz ele.

João Paulo reencontra a tia na Comunidade São Domingos Sávio
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

O documentário “Kumuã”, que tem 11’45” de duração, recebeu mixagem de som de Paulo Marinho, ilustração de Denilson Baniwa na produção do cartaz e teve a participação da designer Nádia Saraiva na produção visual. João Paulo Barreto, além de personagem, também atuou como consultor e tradutor das falas dos indígenas Tukano.

A trilha sonora é composta pelas canções “Caapivaia” e “Vara Sagrada”, de Raimundo Caetano – Grupo de Música Dessana, que faz parte do projeto “A Música das Cachoeiras”, da Cauxi Produções.  

César Nogueira revela que seu trabalho na montagem foi uma “experiência intensa”, tanto por conta do volume de material quanto pelo assunto. Ele conta que este foi o documentário mais difícil que montou na vida.

 “Senti uma responsabilidade enorme porque estávamos lidando com uma cultura com milênios de sabedoria. Cheguei ‘ontem’, e num tempo em que a ameaça contra ela e outras culturas está cada vez mais institucionalizada. Para além da questão política, preciso de um tempo para entender como esse processo contribuiu para o meu desenvolvimento espiritual. Me empolguei com ele porque sentia que vinha algo potente do meio das quase nove horas de material. Se as pessoas gostarem do ‘Kumuã’ como eu gosto, vou ficar realizado”, diz Nogueira.

Além de João Paulo, são personagens do curta os Kumu Duhpo- Manoel Lima, Ahkuto – Nelson Pedrosa; Yupiri – Cláudio Lemos Barreto; Arkuto – José Maria Barreto; Kumarõ – Ovídeo Barreto; Seribi – Isac Resende Barreto; Kisibi – Durvalino Moura Fernandes; além do Bayá Yepa Suriã – Otávio Barreto, e das herbárias Nubia Lima e Marta Trurriyo, que cuidam do cultivo das plantas medicinais na Comunidade São Domingos Sávio.

Dentro da floresta

Família Tukano no rio Tiquié, afluente do Rio Negro
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

“Kumuã: os especialistas de cura do Alto Rio Negro” faz parte do projeto “Olhando Por Dentro da Floresta Amazônica”, da agência Amazônia Real, e tem coordenação geral da jornalista Kátia Brasil, que produz uma série de reportagens e documentários sobre os povos indígenas e povos tradicionais ameaçados e vulneráveis da região. O projeto aborda temas como direitos dos territórios, direitos humanos e conhecimentos tradicionais.

Kátia disse que “Kumuã” foi o documentário de maior investimento, tanto de pessoal envolvido, como de recursos financeiros na produção do audiovisual, mas que tinha ser realizado urgentemente. “Quando o João Paulo me disse que toda a ciência do bahsese estava nas plantas, nas grandes árvores e nas águas do Alto Rio Negro e na sabedoria deixada pelos ancestrais, eu pensei: ‘temos que ir lá onde ele nasceu’. Essa história é de pertencimento e identidade dos moradores da floresta, das pessoas que devemos respeitar, pois todo o conhecimento que eles detêm está seriamente ameaçado com o avanço da degradação ambiental na Amazônia”, disse a jornalista.

Além de “Kumu”, a agência Amazônia Real produziu pelo projeto “Olhando por Dentro da Floresta Amazônica” oito curtas metragens com viagens pelos estados do Amazonas, Acre, Maranhão, Mato Grosso e Rondônia. Os documentários são eles: “Despejados da Transnordestina”, de Ana Mendes e Ingride Barros; “Aquarteladas” de Maria Fernanda Ribeiro e Bruno Kelly; “Mata Cavalo”, de Vandré Fonseca e Bruno Kelly; “Genésio – a única testemunha do assassinato de Chico Mendes”, de Maria Fernanda Ribeiro e Bruno Kelly; “BR 319 – Bem Vindo à Realidade”, de Gustavo Faleiros e Marcio Isensee; “Conselheiras Guajajara, quebrando tabu”, e “Guerreiras da Floresta” de Erisvan Guajajara; e “Tüküna – Os Filhos de Tamakori, de Elaíze Farias e Bruno Kelly. Os vídeos estão na na plataforma YouTube.

As fórmulas do corpo

O Kumu Duhpo Manoel Lima, do povom Tuyuka
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

O antropólogo João Paulo Barreto ficou 15 anos afastado da comunidade de origem São Domingos Sávio, no Rio Tiquié, por conta dos estudos acadêmicos em Manaus. Ele graduou-se em Filosofia e fez mestrado em Antropologia. Atualmente, é doutorando, também em Antropologia, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e também é coordenador do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi´i , criado em 2017, em Manaus.

Ele explica que o Kumu, genericamente chamado de “pajé”, possui o poder de evocar propriedades de cura e de proteção. É ele quem possui o conhecimento da medicina indígena preciso sobre estar saudável ou doente, e a maneira para formar e cuidar desse corpo, por meio do bahsese (terapia ancestral), do bahsamoi (os cantos/rituais) e do kihti (as tramas de histórias contadas pelos Tukano).

“É um detentor de fórmulas do corpo”, resume João Paulo. O sistema de conhecimentos indígenas é, na visão do pesquisador, “tão complexo quanto o da ciência, que ela nega, descarta, e não compreende”.

São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, fronteira com a Colômbia
(Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

O que é?

Lançamento de “Kumuã: os especialistas de cura do Alto Rio Negro” 

Dia: 31 de agosto de 2018, às 19h

Local: Casa das Artes

Rua José Clemente, no. 564 – Largo São Sebastião, centro de Manaus

Entrada gratuita
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