13 de set. de 2019

Legalidade: Não vai ter golpe. - Editor - NEM DITADURA. CENSURA. ATROCIDADES. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, COM O POVO NO PODER.


 
Cultura

Legalidade: Não vai ter golpe


Mesclando fatos e ficção, o filme Legalidade que estreia nos cinemas brasileiros neste fim de semana evoca com brio um momento em que o país, ao contrário de hoje, soube defender a democracia.

Por Carlos Alberto Mattos*

Cena do filme de Zeca Brito com Leonardo Machado, Cleo Pires, Fernando Alves Pinto, José Henrique Ligabue. Brasil, 1961.Cena do filme de Zeca Brito com Leonardo Machado, Cleo Pires, Fernando Alves Pinto, José Henrique Ligabue. Brasil, 1961.
O heroismo de Leonel Brizola durante o breve período em que a democracia brasileira esteve ameaçada, em 1961, ganhou, enfim, seu lugar no cinema com Legalidade, produção gaúcha dirigida por Zeca Brito. A inesperada renúncia de Jânio Quadros pegou o país de surpresa e instigou os militares a solaparem o poder enquanto o vice-presidente João Goulart voltava de uma viagem de aproximação com a China. Do palácio do governo do Rio Grande do Sul, Brizola liderou a famosa campanha pela legalidade, que mobilizou políticos, setores militares e o povo em defesa da Constituição, garantindo a posse de Jango.

É uma história que merecia ser contada. Zeca Brito e seu corroteirista habitual Leo Garcia (responsáveis pelos longas A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro e Em 97 Era Assim) se atreveram a mesclar os fatos históricos com um enredo de ficção em torno de um triângulo amoroso. Cleo (que não se assina mais com o sobrenome Pires) faz uma correspondente do Washington Post que se envolve romanticamente com dois irmãos, o antropólogo comunista Luís Carlos (Fernando Alves Pinto) e seu irmão Luís Antonio (José Henrique Ligabue), jornalista da Última Hora, ambos íntimos de Brizola (Leonardo Machado, em seu último papel antes de morrer, e a quem o filme é dedicado postumamente).

Afora os poucos dias trancorridos entre a renúncia de Jânio e a posse de Jango em regime parlamentarista, temos alguns flashbacks da Conferência Interamericana de Punta del Este, um mês antes da crise, em que Brizola confraternizou com Che Guevara. E ainda a investigação de Blanca (Letícia Sabatella), filha de Cecília, a respeito da história de sua mãe, 43 anos depois.

A opção de combinar fatos e ficção tem sido alvo de críticas, mas a considero, em si, defensável. A licença ficcional é bastante clara, apesar de levantar suspeitas sobre uma relação transversa do personagem de Fernando com Luís Carlos Prestes. O aspecto de folhetim não é disfarçado num filme que pretende narrar um fato histórico e ao mesmo tempo um episódio novelesco. Se isso é bem desenvolvido dramaticamente, já é outra conversa.

Legalidade se apruma muito bem no que diz respeito à produção, à direção de arte e aos cuidados técnicos em geral. Nem sempre soa plausível, principalmente na maneira como a jornalista Cecília se insere tão facilmente na intimidade do governo gaúcho ou na sua rocambolesca atuação entre os interesses do governo norte-americano e a lealdade aos amigos brasileiros. É num fio delicado que Zeca Brito conduz esse misto de resgate histórico, filme de espionagem e aventura romântica. Com a suprema ousadia de inventar um desfecho decisivo para o futuro do país.

Mesmo tropeçando aqui e ali, não há dúvida de que Legalidade evoca com brio um momento em que o país esteve à beira de uma revolução. As cenas em que Brizola comanda o abastecimento do seu alto escalão com armas velhas e defeituosas, e prega a resistência popular armada, traduzem bem o espírito um tanto naïf, mas exemplarmente combativo, da Legalidade. "Não vou dar o primeiro tiro, mas também não vou errar o segundo", diz o governador, numa das várias passagens que o elevam à estatura de herói. A oratória de Brizola assume protagonismo, uma vez que a resistência ao golpe militar foi organizada pelo rádio, através da chamada Rede da Legalidade.

A montagem de cenas ficcionais com registros documentais da campanha se resolve satisfatoriamente e supre o que a produção não seria capaz de prover. Por outro lado, a sequência de amor entre Cecília e Luís Carlos sobre as trincheiras construídas no Palácio Piratini situam o filme no seu devido lugar: cinema de entretenimento com um lastro de História.




*Carlos Alberto Mattos é jornalista, escritor, pesquisador e crítico de cinema.
http://www.vermelho.org.br/noticia/323410-1
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