13 de dez. de 2019

AI-5 completa 51 anos, entre repúdio à ditadura e defensores do autoritarismo.


NUNCA MAIS

AI-5 completa 51 anos, entre repúdio à ditadura e defensores do autoritarismo

Ato na Câmara Municipal de São Paulo marcará repúdio às manifestações favoráveis à medida que marcou período mais repressivo do regime de 1964
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REPRODUÇÃO

Repressão era a tônica do país na época do AI-5: "Vivemos em um estado democrático de Direito e não podemos aceitar manifestações que defendem a volta de um instrumento empregado pela ditadura militar"
São Paulo – Como neste ano, o 13 de dezembro de 1968 também caiu em uma sexta-feira. Já era noite quando o ministro da Justiça, Gama e Silva, anunciou o resultado da 43ª reunião do Conselho de Segurança Nacional, no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Os 24 integrantes do Conselho haviam discutido o Ato Institucional número 5, o AI-5, que abriu o período mais violento da ditadura iniciada em 1964. Passados 51 anos, autoridades ligadas ao governo falam com desenvoltura sobre o tema, admitindo até mesmo uma reedição, conforme o comportamento da oposição.
Imediatamente após o AI-5, o Congresso foi fechado. O ex-presidente Juscelino Kubitschek e o governador Carlos Lacerda foram presos. Ainda em dezembro, o Executivo solta a primeira lista de cassações, incluindo 11 deputados federais, entre eles Márcio Moreira Alves (MDB-RJ), cujo discurso, meses antes, foi visto como “estopim” para a radicalização do regime. O Congresso negou autorização ao governo para processar o parlamentar. Mas já havia uma escalada de protestos contra a ditadura, com manifestações de estudantes, greves operárias em Osasco (SP) e Contagem (MG) e a emblemática Passeata dos 100 Mil, em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro.
A censura aos veículos de comunicação se ampliou, professores foram expulsos de universidades e artistas foram presos, casos de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que acabaram deixando o país, assim como Chico Buarque – que não chegou a ser detido, mas passou por interrogatório – e Geraldo Vandré, que permaneceu escondido até sair do Brasil de forma clandestina, em fevereiro de 1969. Nesse ano, mais de 300 políticos tiveram os direitos políticos suspensos.
Repúdio
Um ato de repúdio está marcado para as 19h de hoje, na Câmara de São Paulo, convocado pelo vereador Antônio Donato (PT). “Vivemos em um estado democrático de Direito e não podemos aceitar manifestações que defendem a volta de um instrumento empregado pela ditadura militar que tomou o poder pelo golpe e governou o Brasil de 1964 e 1985”, diz a convocatória da manifestação.
Como já fizeram no ano passado, os integrantes do Coletivo Ato de Resistência apresentam, às 21h, a peça AI-5, uma reconstituição cênica. Atores interpretam os integrantes do Conselho de Segurança Nacional e “revivem” a reunião de 13 de dezembro de 1968. Desta vez, eles se apresentaram no espaço cultural A Próxima Companhia (rua Barão de Campinas, 529, Campos Elíseos, região central de São Paulo).
Filho do atual presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro disse recentemente que, conforme o andamento das manifestações de rua, não se poderia descartar um novo AI-5. Dias depois, foi a vez de o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarar que ninguém deveria se assustar se isso acontecesse.
Na reunião do Conselho de Segurança, em 1968, um defensor entusiasmado do AI-5 foi o ministro da área econômica, Delfim Netto, até hoje procurado para repercutir o noticiário. Ao se dirigir ao então presidente, general Artur da Costa e Silva, o ministro afirmou que não apenas estava “plenamente de acordo” com o ato, como considerava que ele era insuficiente. “Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência, ao presidente da República, a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais, que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez”, afirmou.
Não sobra democracia
O vice-presidente, Pedro Aleixo, foi o único voto contrário. Ele propôs, antes da edição de um ato institucional, a decretação de estado de sítio, para uma análise da situação. E já antevia os efeitos do AI-5: “Porque, da Constituição – que, antes de tudo, é um instrumento de garantia de direitos da pessoa humana, de garantia de direitos políticos – não sobra, nos artigos posteriores, absolutamente nada que possa ser realmente apreciável como sendo uma caracterização do regime democrático”.
Ministro das Relações Exteriores, o banqueiro Magalhães Pinto admitiu que,  naquele momento, o país saía da legalidade. “Eu também confesso, como o vice-presidente da República, que realmente com este ato nós estamos instituindo uma ditadura. E acho que se ela é necessária, devemos tomar a responsabilidade de fazê-la”, afirmou. Em seguida, o ministro do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho, dizia repugnar o caminho da ditadura, “mas parece que claramente é esta que está diante de nós”. E acrescentou: “Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro das Relações Exteriores, quando diz que não sabe se o que restou caracteriza a nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência”.
Em texto recente, o escritor Luis Fernando Verissimo também chamou a atenção para os perigos à democracia. “Quando ameaçam, mesmo distraídos, com a volta do AI-5 estão pregando a volta de um terror de Estado que nada legitima ou perdoa, nem a teoria. Tem muita gente, claro, disposta a esquecer ou ignorar os horrores daquela época”, escreveu.
O que foi o AI-5:
  • O presidente da República podia decretar o recesso do Congresso, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais
  • Pelo “interesse nacional”, ao presidente também era permitido intervir em estados e municípios, “sem as limitações previstas na Constituição”
  • Para “preservar a Revolução”, que é como os defensores do golpe de 1964 chamavam o movimento, o presidente também poderia “suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais”
  • A suspensão dos direitos políticos acabava com foro privilegiado e com o direito de votar e ser votado em eleições sindicais, proibição de atividades ou manifestação “sobre assunto de natureza política”, proibição de frequentar “determinados lugares”
  • Também era possível, por decreto, demitir, remover, aposentar servidores, empregados de autarquias, de empresas públicas e sociedades de economia mista, além de demitir, transferir para a reserva ou reformar militares e membros das polícias militares
  • O governo também poderia decretar estado de sítio e prorrogá-lo
  • Ficava suspensa a garantia de habeas corpus, “nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”
  • https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2019/12/ai-5-completa-51-anos-entre-repudio-a-ditadura-e-defensores-do-autoristarismo/
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Os EUA e a Operação Condor: “o maldito jogo de xadrez da morte”

Livro “Os anos do lobo”, da premiada escritora e jornalista argentina Stella Calloni, revela “a conspiração assassina” contra a democracia na região

“É imperativo que estas ações se implementem clandestinamente e com segurança, de maneira que a mão norte-americana e seu governo permaneçam bem ocultas”
Richard Helms, diretor da CIA, sobre as ações encobertas no Chile contra Allende, em 1970

“Os cadáveres dos assassinados passavam flutuando pelo rio e as salas de tortura não descansavam”
Descrição sobre o resultado do golpe, três anos depois

Por Leonardo Severo


Stella Calloni desvenda esquema da CIA
“A Operação Condor foi uma conspiração assassina entre serviços de segurança da Argentina, Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, destinada a rastrear e eliminar adversários políticos sem preocupar-se com as fronteiras ou os limites. Operação Condor  era o código para aquela multinacional do crime, cuja origem estava nas imensas oficinas da Agência Central de Inteligência (CIA) e do Burô Federal de Investigação (FBI, nos Estados Unidos”.
A descrição do “maldito jogo de xadrez da morte” como descreveu a premiada escritora e jornalista argentina Stella Calloni em seu livro Os anos do Lobo – Operação Condor (Peña Lillo – Ediciones Continente, Buenos Aires, 1999), expõe “a política exterior de Washington em carne viva”.
Prefaciada por Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980, a obra descreve com riqueza de detalhes o envolvimento dos Estados Unidos na sequência de golpes, particularmente no Cone Sul. No ano em que se completa 50 anos da derrubada do governo de João Goulart, a publicação é mais do que um estímulo à reflexão sobre os interesses geopolíticos do imperialismo e das suas transnacionais.
“Os EUA proporcionou inspiração, financiamento e assistência técnica à repressão e pode haver plantado as sementes da Operação Condor. A CIA promoveu uma maior coordenação entre os serviços de Inteligência da região. Um historiador estadunidense atribui a uma operação da CIA a organização das primeiras reuniões entre funcionários de segurança uruguaios e argentinos para vigiar os exilados políticos. A CIA também atuou como intermediária nas reuniões entre os dirigentes dos esquadrões da morte brasileiros, argentinos e uruguaios”, relata Stella. Porém, assegura a autora, “os Estados Unidos fez mais do que organizar os encontros: a equipe de serviços técnicos da CIA subministrou equipamentos de tortura elétrica a brasileiros e argentinos, e ofereceu assessoramento sobre o grau de choques que o corpo humano poderia resistir”. Afinal, conforme advertiam os professores dos torturadores: “o ser vivo pode dar informação e um cadáver não”. “Os agentes de segurança latino-americanos também receberam treinamento da CIA quanto à fabricação de bombas, na sede da Oficina de Segurança Pública do Departamento de Estado do Texas”, informa Stella.

O ALERTA DE PERÓN

“As mãos dos Estados Unidos estão manchadas com o sangue de milhares de latino-americanos caídos na luta pela liberdade e independência”, alertava o líder argentino Juan Domingo Perón, ressaltando que “se equivocam os que afirmam a respeito dos EUA que estamos vivendo um período de calma”. “Que calma é esta quando estão realizando todo tipo de atividades secretas, suborno de políticos e funcionários governamentais, assassinatos políticos, atos de sabotagem, fomento do mercado negro e penetração em todas as esferas da vida política econômica e social? Sobre nossos países voam aviões militares norte-americanos enquanto nosso solo permanece em poder de seus monopólios, com bases militares”.
Naquele início dos anos 70, enquanto organizava a implementação da política de terrorismo de estado dos EUA - chamadas candidamente de “ações encobertas” - contra o governo de Salvador Allende, no Chile, o diretor da CIA, Richard Helms, abriu o jogo: “é imperativo que estas ações se implementem clandestinamente e com segurança, de maneira que a mão norte-americana e seu governo permaneçam bem ocultos”.
A maior parte das informações sobre a Operação Condor veio dos “Arquivos do Horror” descobertos pelo professor e escritor paraguaio Martin Almada no dia 7 de dezembro de 1992 numa delegacia de polícia de Assunção. Preso e torturado durante três anos, exilado por 15 anos, Almada teve sua mulher morta pela ditadura de Stroessner. Stella repercute as palavras de Almada: “Ali estavam as gravações de meus próprios gritos, quando me torturavam e que lhe fizeram escutar a minha esposa Celestina, que morreu do coração ao não poder resistir àquela tortura psicológica”.
Os documentos encontrados por Almada eram arquivos, correspondências, livros de entradas e saídas de prisioneiros, controle de fronteiras, cartas e informes entre os ditadores, os chefes militares e de segurança dos países da região, fotografias, fitas cassete, vídeos, fichas de ‘colaboradores especiais‘, dados de ‘agentes especiais’ e até mesmo correspondências trocadas por Stroessner com o alto mando militar. Na luta para passar uma borracha em passado tão comprometedor, assegura Stella, “os mesmos interesses que possibilitaram o crime, se encarregaram de minimizar o valor documental do achado”.
Entre outras provas desta “corporação internacional da morte”, como foi reconhecida pelo The Washington Post, encontram-se “as cartas dirigidas pelo coronel Robert Scherrer, do Burô de Investigações dos Estados Unidos, dirigidas a funcionários de Stroessner desde a sede diplomática em Buenos Aires”. Elas confirmavam que este era um “homem chave”, e “que sabia muito bem o que significava a Operação Condor”. “Mais ainda, alimentava com informes e solicitações de informes os criminosos, assim como outros funcionários estadunidenses e de distintos países”.
Não restam dúvidas, esclarece a escritora, é que foi no ano de 1974 que a roda da morte começou o seu giro mais “espetacular”, “pela transcendência política das vítimas”.
“Em 30 de setembro de 1974 o general chileno Carlos Prats, que havia sido ministro de Defesa de Allende, entre outros cargos e estava exilado na Argentina, foi assassinado junto a sua esposa Sofia Cuthbert em Buenos Aires. Uma bomba estourou embaixo de seu automóvel quando regressava de uma reunião cm amigos.
“Em 19 de dezembro de 1974 foi assassinado em Paris, França, o coronel uruguaio Ramón Trabal, que não se mostrou disposto a participar no mais obscuro da repressão no seu país. Trabal havia confessado suas simpatias pelo movimento dos militares de esquerda em Portugal e pelos setores progressistas em seu país.
“Porém na realidade foi o assassinato de Orlando Letelier, ex-ministro da Defesa e embaixador do Chile em Washington, em setembro de 1976, no chamado ‘Bairro das Embaixadas’, o que pôs em evidência a Operação Condor. Uma bomba colocada – como se demonstraria logo – por um grupo operativo do qual participavam Michael Towley (ex-agente da CIA), enviados especiais da ditadura chilena e terroristas cubanos anti-castristas matou Letelier e sua ajudante Ronni Moffit”.
Da mesma forma, lembra Stella Calloni, pairam fortes suspeitas sobre a participação da “Condor” nas “catástrofes aéreas” que custaram a vida em 1981 do presidente do Equador, Jaime Roldós – que se opunha às petroleiras estadunidenses – e do líder da revolução panamenha, Omar Torrijos, que garantiu a retomada do Canal.

MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA

O papel dos grandes conglomerados midiáticos na derrocada das democracias da região, via fabricação da “opinião pública” para justificar “intervenções”, é bem lembrado ao longo da obra. “A operação contra o Chile tem sido básica para analisar a importância da manipulação dos meios de comunicação para fins de desestabilização e guerra”, descreve Stela. A escritora cita o sociólogo estadunidense Fred Landis, que analisou o papel da CIA sobre a mídia contra Allende, apontando a escolha pelo Comitê de Inteligência do Senado dos EUA, já em 1974 – isto é, um ano após o golpe no Chile -, para um estudo em que, “pela primeira vez, um governo norte-americano lhe dava caráter oficial a um informe sobre atividades secretas da Agência Central de Inteligência dos EUA”.
Diante da sequência de crimes, Perón lembrava que “cada vacilação, cada dia perdido, cada passo atrás na luta contra a penetração imperialista, representa um êxito para aqueles que descaradamente seguem explorando nossa riqueza, enriquecendo-se até com o nosso sangue e nossa grandeza espiritual”.

“Há cifras exatas do genocídio? Ainda que resulte doloroso somar nestas circunstâncias, podemos chegar à conclusão de que mais de 400 mil latino-americanos foram vítimas de uma política de estado terrorista, cuja base esteve desenhada em Washington”, conclui Stela.

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