Ainda as patentes de medicamentos: a quem interessa a extinção do INPI? – por Jorge Bermudez
A quem interessa a extinção do INPI? Pelas revelações da publicação Relatório Reservado, sem menção a patrocinadores ou editores, divulgada no dia dos Santos Reis (6/1/2020), uma estranha e malévola “parceria público-privada” estabelece o que, na Câmara dos Deputados, já se convencionou chamar de frentão, amalgamando interesses não necessariamente articulados, mas de caráter oportunístico e aproveitando, a nosso ver, a atual conjuntura de absoluta dissintonia entre os membros do governo Bolsonaro. É como se cada ministério ou representação de interesses incrustado no Planalto tivesse como influenciar as políticas públicas em benefício próprio, acirrando as desigualdades e a exclusão, na voracidade do capitalismo predatório.
Entretanto, a mesma publicação esclarece quem lidera a articulação pela pretensa extinção do INPI e a diluição de suas responsabilidades para uma nova autarquia, que nada mais seria que a revigoração da ABDI [Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial], transferindo as responsabilidades próprias de Estado aos interesses do setor privado e às propostas ultraliberais e privatizantes do Ministério da Economia, sob o comando do ministro Paulo Guedes. É revoltante perceber e acompanhar para onde tendem as políticas, que, ao restringir ao extremo os gastos públicos e desconstruir e desestruturar o setor público, mergulham o Brasil novamente nos meandros da exclusão e das desigualdades, nos levando novamente a sucumbir como país periférico no mundo atual!
Os ataques ao INPI, sob a justificativa da demora na análise dos processos de patentes, o denominado backlog, na verdade, sustentam as propostas mais estapafúrdias formuladas ao longo dos últimos anos e das últimas gestões e que, hoje, encontram campo fértil na diretriz governamental de privatização
Os ataques ao INPI, sob a justificativa da demora na análise dos processos de patentes, o denominado backlog, na verdade, sustentam as propostas mais estapafúrdias formuladas ao longo dos últimos anos e das últimas gestões e que, hoje, encontram campo fértil na diretriz governamental de privatização. Das propostas anteriores, ditas salvadoras, já tratamos anteriormente (ver aqui; aqui e aqui), e entendemos que de salvadoras nada têm.
Que estranha aliança ou que estranha loucura levaria o Ministério da Economia, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a CNI, a Fiesp, o segmento dos planos de saúde privados, o agronegócio e a bancada ruralista na Câmara dos Deputados a se unirem e apoiarem a Medida Provisória albergada no Ministério da Economia e que, na prática, liquida o INPI e deixa o Brasil nas mãos do setor privado, seja ele de capital nacional ou transnacional? Em que momento se conjugaram os interesses do setor Saúde, em especial, o setor dos planos privados de saúde e os setores farmacêuticos, com o agronegócio, historicamente em lados opostos, com políticas setoriais diferenciadas e conflitantes? Em que momento o denominado Sistema S se contrapõe a outros interesses e consegue articular interesses comuns em políticas privatizantes, mas com repercussão política em âmbito nacional?
De maneira geral, a iniciativa de extinguir o INPI, deixando suas atribuições a cargo do setor privado, pode estar inserida na operação geral de desmonte do nosso sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação, magistralmente analisado por Luís Fernandes em ensaio atual.
Queremos também deixar uma mensagem de alerta sobre as iniciativas em curso, aparentemente desconectadas entre si, mas que certamente compõem um conjunto voltado a desestruturar o setor público e entregar o equilíbrio às forças de mercado.
Uma série de projetos de lei tramita no Congresso Nacional, tentando liberar a venda de medicamentos isentos de prescrição em supermercados e outros estabelecimentos comerciais, desmerecendo o papel do farmacêutico, tratando medicamentos como mercadorias e ignorando princípios do SUS e o acesso como direito humano fundamental
A Interfarma, representando os interesses das empresas de capital transnacional, chama a atenção para a necessidade de desburocratizar os processos do setor farmacêutico, flexibilizar a concessão de registro para medicamentos resultante de inovação incremental, com regras muito mais flexíveis, sob a alegação de que essa desregulamentação vai aumentar o acesso da população a medicamentos. Pleiteia também a ampliação da lista de medicamentos ofertados no SUS, ignorando as consequências drásticas do congelamento resultante da EC-95.
Uma série de projetos de lei tramita no Congresso Nacional, tentando liberar a venda de medicamentos isentos de prescrição em supermercados e outros estabelecimentos comerciais, desmerecendo o papel do farmacêutico, tratando medicamentos como mercadorias e ignorando princípios do SUS e o acesso como direito humano fundamental.
Finalmente, queremos levar em consideração a questão levantada recentemente por Reinaldo Guimarães sobre pressões do setor farmacêutico para flexibilizar o controle de preços de determinados medicamentos no Brasil (ver aqui), proposta que vem sendo analisada e que deve ser levada em breve a consulta pública.
Contra fatos, os argumentos não se consolidam. Os custos dos medicamentos desvinculados dos preços, os elevados e muitas vezes extorsivos preços de produtos monopólicos e o advento da Medicina Individualizada certamente são fatores que nos mostram como é inviável a regulação restrita ao mercado, sem uma presença forte do Estado. Entretanto, para isso é necessário um Estado a serviço da população, fortalecido e não sendo desmontado!
* Jorge Bermudez é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-geral das Nações Unidas.
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