ANIVERSÁRIO
Belém completa 404 anos com pontos turísticos e patrimônios históricos em abandono
Mercado do Ver-o-Peso, de São Brás e Palacete Bolonha são alguns dos monumentos degradados
Neste domingo (12), Belém completa 404 anos. A capital do estado do Pará, conhecida também como Cidade das Mangueiras, tem grande potencial turístico, mas visivelmente pouco investimento do poder público.
Pontos turísticos como o Mercado do Ver-o-Peso, o Mercado de São Brás e o Palacete Bolonha agonizam em abandono. E como se não bastasse o descaso com a parte histórica, a cidade ainda tem esgoto a céu aberto e um trânsito caótico.
A cidade, que já ocupou o primeiro lugar no número de mortes violentas entre as capitais, agora é a terceira capital com maior taxa de homicídios do Brasil, segundo o Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Abandono do turismo
No Mercado do Ver-o-Peso, um dos principais pontos turísticos da capital, o abandono é visível. Ao chegar ao local, a diversidade de cheiros, cores e sabores contrasta com um espaço mal organizado com sujeira, falta de segurança e de eficiência na mobilidade.
Dentro do mercado, barracas enferrujadas e uma estrutura que denuncia que há muito tempo uma reforma não é feita ali. Em meio a ervas, Beth Cheirosinha, de 70 anos, que trabalha no local há 53 anos, diz – entre um sorriso e outro –, que o Ver-o-Peso foi esquecido pela administração pública.
"Belém está completando 404 anos e não tem o que oferecer de presente, a não ser que eu dê o presente, um belo banho de cheiro, que eu jogo aqui na frente das barracas. Eu trabalho há 53 anos aqui, e de quatro em quatro anos é essa penitência. Não se oferecem condições de trabalho. Falta higiene, é rato toda hora, as lonas estão caindo aos pedaços, não tem energia, não temos água, é uma situação caótica que estamos enfrentando. Mas, como precisamos, o jeito que tem é a gente ficar aqui", reclama.
Beth conta que várias celebridades já foram a sua barraca, e que é notório que os turistas procuram algo diferente do que vivem em suas realidades, mas ela afirma que é visível a decepção das pessoas ao se depararem com um Ver-o-Peso diferente do que é veiculado na mídia.
"O que me entristece, me angustia, é que tanta gente vem de fora para conhecer o Ver-o-Peso. Não querem nem ir no Mangal [Parque Zoobotânico Mangal das Garças], no Portal [da Amazônia, Orla de Belém], no Bosque [Jardim Zoobotânico da Amazônia Bosque Rodrigues Alves] ou ao Museu, que é lindo, eles querem primeiramente vir no Ver-o-Peso. Quando chegam aqui, se decepcionam, porque isso aqui passa muito bonito na mídia. É coisa de primeiro mundo na mídia, mas na realidade é um caos. Nós estamos abandonados", lamenta.
"O que me entristece, me angustia, é que tanta gente vem de fora para conhecer o Ver-o-Peso. Não querem nem ir no Mangal [Parque Zoobotânico Mangal das Garças], no Portal [da Amazônia, Orla de Belém], no Bosque [Jardim Zoobotânico da Amazônia Bosque Rodrigues Alves] ou ao Museu, que é lindo, eles querem primeiramente vir no Ver-o-Peso. Quando chegam aqui, se decepcionam, porque isso aqui passa muito bonito na mídia. É coisa de primeiro mundo na mídia, mas na realidade é um caos. Nós estamos abandonados", lamenta.
Para Nazaré Coelho, que tem 73 anos e trabalha há 50 no mercado vendendo banho de cheiro, ervas e pomadas para quem tem problemas de coluna, dores nas pernas ou outras mazelas, além de todos os problemas citados por Beth Cheirosinha, a chuva – uma característica de Belém – atrapalha os trabalhadores do mercado, porque a cobertura é insuficiente para proteger suas mercadorias.
"A primeira dificuldade que a gente tem aqui no Ver-o-Peso, é quando chove. Sobretudo, esse buraco que tem aqui, essa lona, isso molha tudo a gente. Esse Ver-o-Peso é uma coisa que não tem jeito. Sai prefeito, entra prefeito e não tem jeito", diz.
Quando a reportagem do Brasil de Fato chegou Dona Nazaré estava fazendo crochê. Mesmo com todas as dificuldades, sua barraca estava arrumada, cheirosa e ela, sentada em um pequeno banco de madeira, concentrada em dar forma às linhas coloridas.
Questionada se havia motivos para comemorar os 404 anos da cidade, no local onde anualmente se corta um bolo e canta-se parabéns para a cidade, Dona Nazaré diz que mesmo com os problemas a sua história se mistura com a do Ver-o-Peso e ela não se imagina fazendo outra coisa a não ser vender ervas.
"A minha mocidade foi aqui. Quando eu vim para cá para o Ver-o-Peso, eu tinha 18 anos. Comecei a namorar um rapaz que a mãe dele já trabalhava aqui. Aí me casei, fui tendo os meus filhos, criei, aqui no Ver-o-Peso. É a minha vida aqui, não sei mais nem estar em casa", diz sorrindo.
Outro mercado, o mesmo descaso
Belém tem outro mercado de grande circulação de pessoas. Tombado como patrimônio histórico, o Mercado de São Brás pode ser privatizado pela administração municipal, o que preocupa os trabalhadores do local.
Rosana Martins, tem 58 anos e é a presidente da Associação dos empreendedores do Complexo de São Brás. Ela lidera um movimento pela não privatização do espaço e o direito à participação do trabalhadores nas decisões que visam mudanças no espaço.
Segundo ela, o problema não é a falta de diálogo, até porque os trabalhadores são convocados para algumas reuniões, o problema é que não há participação popular nas instâncias de poder, uma vez que as decisões são, apenas, comunicadas.
"Realmente tem algumas reuniões, mas eles trazem tudo pronto, a gente não consegue opinar em nada. Teve um pré-edital e foi uma surpresa muito grande. Nós estamos aqui aguardando, porque queremos realmente essa reforma. O nosso mercado tem 108 anos e está nessas condições, mas não [queremos] uma privatização, porque até agora eles não disseram onde os trabalhadores vão ficar", afirma.
No local trabalham cerca de 500 pessoas que vendem desde CDs, DVDs, roupas, móveis de madeira, ervas até artigos religiosos.
Devido às péssimas condições de higiene e segurança, o Mercado de São Brás tem perdido clientes, mas ainda é um símbolo de resistência. Muitas manifestações são realizadas no espaço, como saraus, batalhas de rap, entre outras atividades culturais.
Eleições à vista
Em 2020, Belém escolherá um novo prefeito para a cidade e Rosana Martins reclama que só agora, o atual gestor Zenaldo Coutinho (PSDB) iniciou algumas obras em patrimônios históricos e praças.
"A gente fica muito surpreso também que no fim do mandato, estamos praticamente elegendo o próximo gestor, e se vê placa em toda a cidade. Em cada bairro você vê placa. Eu queria até que o Ministério Público observasse essas coisas. Por que ele [o prefeito] não fez durante os oito anos de governo? Ele está fazendo agora por que ele está saindo?, questiona.
Rosana diz que não apenas ela, mas diversas pessoas acompanharam o deterioramento do espaço: a limpeza é feita pelos próprios moradores e a segurança por um vigia que os trabalhadores, por conta própria, pagam. Ela afirma que apesar de tirar o seu sustento do espaço, se sente triste pelo abandono da prefeitura de Belém em relação ao local.
"É isso que era para o pessoal estar vendo. Olhando para o trabalhador, olhando para o patrimônio histórico centenário que está aqui no coração da cidade. É até vergonhoso a gente mostrar um prédio nessa situação em que ele está, um prédio que pertence a Belém, um prédio de extrema importância para a história dos paraenses."
"É isso que era para o pessoal estar vendo. Olhando para o trabalhador, olhando para o patrimônio histórico centenário que está aqui no coração da cidade. É até vergonhoso a gente mostrar um prédio nessa situação em que ele está, um prédio que pertence a Belém, um prédio de extrema importância para a história dos paraenses."
Para Edilberto Brito, 54, que trabalha no local há 20 anos, a necessidade da reforma é evidente: fiação exposta, infiltração e falta de segurança. Ele questiona o fato de os trabalhadores terem sido excluídos do processo de mudança do espaço.
"O projeto que a prefeitura tem, que é da Coden [Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém], é de privatização, de concessão pública durante 30 anos. Então é uma privatização. A gente está no aguardo de saber, de fato, como é que vai ficar a situação de nós trabalhadores. Porque a reforma, ela é necessária, não tem mais como adiar, o mercado está caindo na nossa cabeça. Só que a gente espera que essa reforma, que esse projeto de revitalização, nos inclua".
Edilberto conta que todos os trabalhadores sofreram nos últimos 20 anos com o processo de abandono do mercado. Para ele, a ausência de políticas foi uma estratégia da prefeitura de Belém para poder repassá-lo para a iniciativa privada.
"O antigo gestor e o atual gestor não fizeram absolutamente nada. Veio se degradando até chegar ao ponto que chegou, e nós temos, inclusive, a impressão de que isso foi proposital, já que só a prefeitura pode fazer algum tipo de reforma aqui, uma vez que o prédio é tombado pelo município. A gente tem a impressão de que foi uma coisa que quiseram fazer para que chegasse ao ponto que chegou agora e a prefeitura dizer: 'nós não temos recursos, então, vamos entregar nas mãos de uma empresa privada que vai poder fazer o que quiser'. Só que essa empresa vai poder fazer o que quiser, inclusive, com os trabalhadores. Esse é o nosso grande temor", afirma.
O historiador Michel Pinho explica que o Mercado de São Brás sempre foi um local para atender a população, mas que uma privatização geraria uma segregação que pede a reflexão: os espaços da cidade estão sendo construídos para quem?
"O Mercado de São Brás é o que sempre foi: um mercado popular para atender a expansão da economia da borracha no início do século XX. 100 anos depois, ele continua lá, da mesma forma, atendendo pessoas das proximidades de Canudos, das proximidades de São Brás, do Guamá. Tem batalha de rap lá. A minha preocupação é com a privatização do espaço. A quem ela interessa? Quais são as camadas sociais que têm condições de usufruir de um espaço privatizado e gourmetizado?", questiona o historiador.
Edição: Mauro Ramos
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