PREFEITURA DE SÃO PAULO
Covas institui grupo que pode restringir ainda mais participação social na cidade
Portaria que cria 'Grupo de Trabalho' para avaliar e remodelar atuação dos conselhos municipais apenas com membros do governo é vista como 'desmonte' de representação social
ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOLHAPRESS
Covas e Semeghini, que pretendem uma reorganização da atuação dos conselhos sem dialogar com os conselheiros
São Paulo – Uma portaria publicada pelo secretário do Governo Municipal, Júlio Semeghini, na última sexta-feira (13), está preocupando conselheiros e ativistas da participação social. O documento propõe a criação de um Grupo de Trabalho composto apenas por representantes do poder público para avaliar os conselhos sociais da capital paulista e “propor medidas para remodelagem da participação social no município, com propostas de reestruturação e funcionamento”.
O esvaziamento dos canais de representação da sociedade tem sido uma tendência desde o início da gestão João Dória, em janeiro do ano possado. De lá para cá, o Conselho da Cidade, por exemplo, foi reunido uma única vez. Agora, para membros de diversos colegiados ouvidos pela RBA, a proposta de encaminhada por Bruno Covas pode aprofundar o desmonte dos conselhos e de restrição à participação social em São Paulo.
A Portaria SGM 112/2018 deu prazo de seis meses para que os representantes das secretarias de Governo e Gestão façam o diagnóstico dos conselhos que contam com a participação da população, de movimentos sociais e ONGs na cidade. Vinte e três deles atuam, por exemplo, nas áreas de Saúde, Educação, Habitação, Segurança Alimentar, Trânsito, Imigrantes e Assistência Social. Também existem comissões e conselhos de atuação mais restrita, como os conselhos gestores de parques, e as câmaras temáticas. A maior parte deles é consultivo, mas Habitação e Saúde, por exemplo, são deliberativos. Os conselheiros não recebem qualquer remuneração.
Os conselhos atuam no Controle Social, propondo e fiscalizando a implementação de políticas públicas e monitorando o gasto dos recursos das secretarias. A participação social, enquanto princípio democrático, foi trazida pela Constituição Federal de 1988.
“É um assunto antigo na gestão. Nos bastidores o que se diz é que se quer medir a eficiência dos conselhos, sua funcionalidade. Se for isso, ok. Poderia ser uma revisão para fortalecer a participação social. O problema é que essa gestão não tem apreço pela participação social. Tem várias demonstrações de existe uma preocupação, um receio com a participação. A sensação que dá é que é uma reação da prefeitura contra a participação popular”, disse o gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, Américo Sampaio.
Redução drástica
Como exemplos, Sampaio destaca a extinção do Conselho Municipal de Planejamento e Orçamento (CPOP), que era formado por representantes dos Conselhos Participativos das 32 prefeituras regionais. Além disso, esses mesmo conselhos tiveram sua participação reduzida de 1.200 representantes para apenas 400, em toda a cidade. Ambas as medidas foram tomadas pelo ex-prefeito e pré-candidato ao governo paulista, João Doria (PSDB), sem nenhum diálogo com os participantes desses espaços. Doria ainda criou os Conselhos Gestores das secretarias, para atuar na definição de diretrizes, com todos os membros indicados por ele mesmo.
“A prefeitura erra quando propõe um processo de revisão que exclui os próprios conselheiros. Uma revisão dessa devia contar, no mínimo com três atores: o poder público, os próprios conselheiros e as pessoas que estudam esse tipo de participação social. Tem muita gente estudando esse tema nas universidades, em ONGs, em movimentos sociais. Em um ano e meio de governo ficou claro essa gestão que não tem interesse em valorizar a participação social”, criticou Sampaio.
O gestor da Rede Nossa São Paulo avalia que muitos conselhos têm problemas que precisam ser resolvidos, como falta de estrutura para realizar atividades, estrutura engessada, má coordenação. Ainda assim, seria preciso ouvir os representantes desses colegiados e entender os problemas que travam a funcionalidade do conselho ou que levam pessoas a desistir, como ocorreu em muitos conselhos participativos. “A preocupação é que essa avaliação chegue à conclusão de que os conselhos não funcionam bem então é preciso fechá-los ou restringir a participação”, completou.
A vereadora Sâmia Bomfim (PSOL) afirmou que tem recebido denúncias de conselheiros de várias áreas sobre dificuldades para efetivar a atuação do conselho. Problemas em processos eleitorais, convocações de reuniões do dia para a noite sem tempo hábil para que a sociedade civil se organize para participar, até a participação de um mesmo grupo de pessoas, representantes da prefeitura, que atuam em vários conselhos e que visivelmente têm como característica dificultar ao máximo os debates e as deliberações do grupo.
“Esse é o reflexo de uma gestão que atua de cima para baixo, de maneira autoritária e vertical, que não sabe compor com os diversos setores da sociedade civil e principalmente que tem uma visão empresarial da cidade. Uma gestão pública deve prezar pela atuação democrática, diálogo e horizontalidade, características que não encontramos na gestão Doria e, até o momento, também na gestão de Bruno Covas”, afirmou.
Em nota, a Secretaria do Governo Municipal informou que a portaria 112 “compreende a realização de um levantamento dos conselhos sociais nos quais a prefeitura participa e entender seu papel, incluindo sua vinculação com a legislação municipal e o cumprimento das leis. Após esse diagnóstico, caso seja necessário, serão analisados os méritos e convocados outros órgãos da administração pública das demais esferas – federal e estadual – além da sociedade para um debate a respeito do assunto”.
O que pensam os conselheiros
Alguns conselhos têm propostas prontas para reformulação seu funcionamento. É o caso do Conselho Municipal da Habitação (CMH), que conta com poder deliberativo e ampla participação social. “Temos uma proposta para reorganizar o Conselho Municipal da Habitação, porque temos ciência de que existem problemas, que precisamos aprimorar o funcionamento. Mas não dessa forma, sem diálogo, como proposto na portaria. É uma proposta muito estranha e preocupante”, destacou o coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) e membro da comissão eleitoral do CMH Benedito Barbosa, o Dito.
“Ninguém no conselho da habitação sabia dessa proposta. Só vimos publicada. Mesmo os servidores da Secretaria da Habitação nnã sabem dizer do que se trata. Cheira a uma tentativa de reduzir a participação da sociedade nas decisões do poder público”, completou Dito.
Em alguns casos, o conselho acaba paralisado por inação do poder público, não dos conselheiros. É o caso do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comusan), um dos principais opositores à proposta de Doria de distribuir ração humana para famílias carentes e alunos da rede municipal de ensino, que está com o funcionamento travado pela gestão do atual prefeito Bruno Covas (PSDB). Um novo colegiado foi eleito em abril, após mais de um ano de atraso, mas até agora não teve a posse oficializada por Covas. Este ano, o conselho se reuniu de forma ordinária apenas para organizar a eleição.
“A portaria nos deixou muito preocupados uma vez que ainda não temos efetivada na cidade uma política de participação social. A gestão anterior vinha construindo isso na São Paulo Aberta. Mas a gestão atual vem acelerando as políticas e desconstruindo o envolvimento da comunidade nas questões públicas. Vimos isso já no Programa de Metas, quando a sociedade civil teve de cobrar muito a sua participação. Nas leis orçamentárias, mesmo os conselhos regulares tiveram dificuldade em participar”, explicou o conselheiro Andre Luzzi.
O conselheiro municipal de Saúde Hugo Fantom ressaltou que o colegiado tem legislação própria e é mais difícil ser afetado pela portaria. Mesmo assim, considerou a medida como “muito preocupante”.
“O atual governo não é aberto à participação. Mesmo no Conselho Municipal de Saúde, que é deliberativo, há pouca disposição para o diálogo, o ex-secretário de saúde sequer comparecia às reuniões do Conselho, e adotou uma política contrária aos interesses da população, com fechamento de serviços como as AMAs”, afirmou.
Para ele, as propostas de remodelagem e reestruturação podem significar ingerência do governo sobre os conselhos. “Uma tentativa de reduzir ainda mais os poucos espaços de que dispomos de controle e participação social”, completou.
Membro da Câmara Temática da Bicicleta do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes (CMTT), Rene Fernandes ressaltou que a atuação de conselhos é uma prática consolidada e que uma reorganização não seria necessariamente um problema, já que há conselhos funcionais e outros “de fachada”, que acabam servindo apenas para cumprir a legislação.
“A prioi, não vejo com maus olhos o poder público fazer internamente um diagnóstico e, eventualmente, uma proposta. O que será mal é implementar qualquer proposta sem um debate com os envolvidos. Apenas neste ponto, eu veria como uma atitude antidemocrática, que golpearia a atual conformação dos conselhos”, afirmou.
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