UNILA: uma universidade necessária
09/02/2020 12:49
Créditos da foto: (Divulgação)
Há exatamente dez anos, uma das autoras deste texto publicou no Carta Maior artigo intitulado “Uma Universidade para a Integração Latino-Americana”[1]. O conteúdo transbordava em emoção, entusiasmo e esperança, pois celebrava a fundação de uma universidade federal brasileira cujo projeto ousado, complexo e inédito desafiava a sociedade brasileira, em geral, e a comunidade unileira, em particular.
A Universidade Federal da Integração Latino-Americana – Unila completou sua primeira década. É uma instituição temática que na origem se alinhava às estratégias da política externa brasileira, de uma diplomacia ativa e altiva, que tomou forma durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro Celso Amorim. Localizada na fronteira entre o Argentina, Brasil e Paraguai, trata-se de uma universidade com vocação internacional, bilíngue, cujas vagas são destinadas para estudantes brasileiros e provenientes dos demais países latino-americanos e caribenhos. Orientada por um projeto pedagógico inovador, insubordinado à disciplinaridade e compromissada com uma agenda de discussão genuinamente latino-americana.
Depois de um período de retração do sistema universitário público, o governo federal de então reconhecia o protagonismo da universidade pública no processo de redução das desigualdades sociais e na promoção do desenvolvimento sustentável do País, em um contexto marcado pela centralidade do conhecimento. Assim sendo, formulou uma política de renovação do sistema universitário, implantando projetos orientados para o fortalecimento das universidades públicas federais, tendo como eixo central um programa de reestruturação e expansão - REUNI. O processo envolveu a criação de novas universidades e a abertura de novos campi, em um necessário movimento de interiorização do ensino superior, com a consequente ampliação da infraestrutura, elevação do número de cursos e vagas, contratação de docentes e técnicos administrativos em educação. Tal expansão contrariava um projeto de universidade para poucos na medida em que o objetivo maior consistia em construir as bases de uma universidade popular.
A Educação Superior deu um salto quantitativo e qualitativo, valorizando políticas inclusivas, apostando na mobilidade acadêmica nacional e internacional, ampliando de forma decisiva a assistência estudantil, imprescindível quando há efetivo propósito de se combater a evasão. As universidades públicas ganharam novas cores, culturas, saberes, reforçando estratégias para programas e ações de extensão, visando projetos desencadeadores de melhoria das condições de vida da população, reafirmando a universidade necessária arquitetada por Darcy Ribeiro, há cinco décadas.
O caráter inovador presente no projeto de criação da Unila mobilizou estudantes, professores, técnicos administrativos em educação e gestores, que viam sinais de uma universidade latino-americana, inspirada no Movimento de Córdoba de 1918. Mas o tamanho de seu idealismo foi proporcional às batalhas internas travadas na tentativa de contornar as limitações de uma legislação paralisante, ajustada a uma cultura universitária elitista.
Apesar dos enormes desafios, dez anos depois a Unila cresceu em número de cursos – são 29 cursos de graduação, 12 de mestrado e um de doutorado – e de estudantes. A implantação de uma universidade é um empreendimento exaustivo, requer tempo humano e não tempo burocrático. Certamente em dez anos muito se construiu, mas quando se leva em conta as bases que sustentam o projeto fundador da Unila, é inevitável reconhecer a existência de certa distância entre o que foi projetado e o realizado.
O colossal projeto do Niemeyer, que representou horas infindáveis de trabalho para se conceber uma estrutura adequada aos desafios da Universidade, não será mais destinado ao campus. Em vez disso, a Unila celebra a criação do campus “Integração”, espaço acanhado porque sequer comportará o corpo discente atual. Muito distante do projeto Niemeyer, planejado para 10 mil estudantes, com biblioteca, salas de estudo, laboratórios de alto desempenho, arrojada estrutura pedagógica, teatro, restaurante e adequada estrutura administrativa.
O projeto pedagógico, por sua vez, vem sofrendo sucessivas alterações à medida que há redução do conteúdo obrigatório previsto pelo ciclo comum de estudos sobre a América Latina. Prevalecem matrizes curriculares pouco afeitas à abordagem interdisciplinar, dificuldade no uso do espanhol e, em virtude das restrições orçamentárias que afetam a todas as Instituições públicas, houve o enxugamento do programa nacional de assistência estudantil e consequente diminuição do ingresso de estudantes internacionais.
A inexistência de apoio para a cooperação intergovernamental reflete diretamente na vocação internacional da instituição. Isso tem sido agravado pelo contexto nacional e regional, particularmente desfavorável a educação pública de nível superior. Enquanto uma agenda declaradamente antiuniversitária ganha força, a integração regional latino-americana perde vitalidade, encontra-se em flagrante retrocesso.
Ademais, a ousadia que permeia o projeto de criação da Unila tem dificultado a sua compreensão e assimilação por parte de grupos conservadores que integram a população brasileira e especialmente a iguaçuense. Não surpreende que a comunidade acadêmica mais alinhada com a reprodução de uma concepção de universidade elitista tenha dificuldade de aceitar os pilares que sustentam o projeto de criação da universidade. Tudo isso tem contribuído para alimentar toda sorte de pré e pós conceitos em relação a Unila, resultando no enfraquecimento de seu projeto fundador.
Contudo, há estudantes que estão na Unila pela potência intrínseca de seu projeto. Não são poucos os professores e técnicos administrativos em educação que reconhecem a instituição como verdadeiro projeto de vida. Gente aguerrida, que segue trabalhando de forma obstinada pelo projeto original da universidade. O mesmo que atraiu e continua a atrair pesquisadores nacionais e internacionais, interessados em conhecer a instituição e os desafios que têm marcado a sua implantação, por sentir que a Unila pode representar uma possibilidade de universidade mestiça – nos termos de Michel Serres –, promovendo a integração regional pela cultura.
Por essa razão, acreditando que os ventos mudam de direção e os esforços históricos devem ser registrados, em celebração dos dez anos de existência da Unila, lançamos, com o inestimável apoio da Clacso, o livro intitulado “Unila: uma universidade necessária”. O texto é fruto do trabalho realizado por um grupo de pesquisa que se propôs a colaborar para a divulgação de resultados de pesquisas assinadas por autores que nutrem interesse acadêmico pela Unila, não apenas como objeto de estudo, mas como sujeito epistêmico, como locus de enunciação do saber. Todos os capítulos derivam de teses e dissertações desenvolvidas em programas de mestrado e doutorado oferecidos por variadas universidades brasileiras.
Assim sendo, reúne reflexões sobre o projeto de uma universidade que pode ser referência em termos de transformação pessoal, pertinência social, potência acadêmica e desenvolvimento regional. É também um registro histórico da experiência vivida por uma universidade singular, que no contexto de movimentos marcados pela desuniversidade, é ainda mais necessária. Trata-se de uma inestimável contribuição à resistência. Convidamos a leitura e incentivamos a continuidade da reflexão sobre a microutopia que representa o conjunto formado pelas novas universidades criadas no País. Por isso mesmo, o texto se encontra inteiramente disponível no sítio da Clacso:<http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20200204035842/UNILA.pdf>
Manolita Correia Lima é Doutora em Educação pela USP e professora do PPGA ESPM
Gisele Ricobom é Doutora em Direito pela Universidad Pablo de Olavide e professora da Unila, atualmente em cooperação técnica com a UFRJ
Ivor Prolo é Doutor em Administração pela ESPM, profissional-técnico e professor na UNEMAT
A Universidade Federal da Integração Latino-Americana – Unila completou sua primeira década. É uma instituição temática que na origem se alinhava às estratégias da política externa brasileira, de uma diplomacia ativa e altiva, que tomou forma durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro Celso Amorim. Localizada na fronteira entre o Argentina, Brasil e Paraguai, trata-se de uma universidade com vocação internacional, bilíngue, cujas vagas são destinadas para estudantes brasileiros e provenientes dos demais países latino-americanos e caribenhos. Orientada por um projeto pedagógico inovador, insubordinado à disciplinaridade e compromissada com uma agenda de discussão genuinamente latino-americana.
Depois de um período de retração do sistema universitário público, o governo federal de então reconhecia o protagonismo da universidade pública no processo de redução das desigualdades sociais e na promoção do desenvolvimento sustentável do País, em um contexto marcado pela centralidade do conhecimento. Assim sendo, formulou uma política de renovação do sistema universitário, implantando projetos orientados para o fortalecimento das universidades públicas federais, tendo como eixo central um programa de reestruturação e expansão - REUNI. O processo envolveu a criação de novas universidades e a abertura de novos campi, em um necessário movimento de interiorização do ensino superior, com a consequente ampliação da infraestrutura, elevação do número de cursos e vagas, contratação de docentes e técnicos administrativos em educação. Tal expansão contrariava um projeto de universidade para poucos na medida em que o objetivo maior consistia em construir as bases de uma universidade popular.
A Educação Superior deu um salto quantitativo e qualitativo, valorizando políticas inclusivas, apostando na mobilidade acadêmica nacional e internacional, ampliando de forma decisiva a assistência estudantil, imprescindível quando há efetivo propósito de se combater a evasão. As universidades públicas ganharam novas cores, culturas, saberes, reforçando estratégias para programas e ações de extensão, visando projetos desencadeadores de melhoria das condições de vida da população, reafirmando a universidade necessária arquitetada por Darcy Ribeiro, há cinco décadas.
O caráter inovador presente no projeto de criação da Unila mobilizou estudantes, professores, técnicos administrativos em educação e gestores, que viam sinais de uma universidade latino-americana, inspirada no Movimento de Córdoba de 1918. Mas o tamanho de seu idealismo foi proporcional às batalhas internas travadas na tentativa de contornar as limitações de uma legislação paralisante, ajustada a uma cultura universitária elitista.
Apesar dos enormes desafios, dez anos depois a Unila cresceu em número de cursos – são 29 cursos de graduação, 12 de mestrado e um de doutorado – e de estudantes. A implantação de uma universidade é um empreendimento exaustivo, requer tempo humano e não tempo burocrático. Certamente em dez anos muito se construiu, mas quando se leva em conta as bases que sustentam o projeto fundador da Unila, é inevitável reconhecer a existência de certa distância entre o que foi projetado e o realizado.
O colossal projeto do Niemeyer, que representou horas infindáveis de trabalho para se conceber uma estrutura adequada aos desafios da Universidade, não será mais destinado ao campus. Em vez disso, a Unila celebra a criação do campus “Integração”, espaço acanhado porque sequer comportará o corpo discente atual. Muito distante do projeto Niemeyer, planejado para 10 mil estudantes, com biblioteca, salas de estudo, laboratórios de alto desempenho, arrojada estrutura pedagógica, teatro, restaurante e adequada estrutura administrativa.
O projeto pedagógico, por sua vez, vem sofrendo sucessivas alterações à medida que há redução do conteúdo obrigatório previsto pelo ciclo comum de estudos sobre a América Latina. Prevalecem matrizes curriculares pouco afeitas à abordagem interdisciplinar, dificuldade no uso do espanhol e, em virtude das restrições orçamentárias que afetam a todas as Instituições públicas, houve o enxugamento do programa nacional de assistência estudantil e consequente diminuição do ingresso de estudantes internacionais.
A inexistência de apoio para a cooperação intergovernamental reflete diretamente na vocação internacional da instituição. Isso tem sido agravado pelo contexto nacional e regional, particularmente desfavorável a educação pública de nível superior. Enquanto uma agenda declaradamente antiuniversitária ganha força, a integração regional latino-americana perde vitalidade, encontra-se em flagrante retrocesso.
Ademais, a ousadia que permeia o projeto de criação da Unila tem dificultado a sua compreensão e assimilação por parte de grupos conservadores que integram a população brasileira e especialmente a iguaçuense. Não surpreende que a comunidade acadêmica mais alinhada com a reprodução de uma concepção de universidade elitista tenha dificuldade de aceitar os pilares que sustentam o projeto de criação da universidade. Tudo isso tem contribuído para alimentar toda sorte de pré e pós conceitos em relação a Unila, resultando no enfraquecimento de seu projeto fundador.
Contudo, há estudantes que estão na Unila pela potência intrínseca de seu projeto. Não são poucos os professores e técnicos administrativos em educação que reconhecem a instituição como verdadeiro projeto de vida. Gente aguerrida, que segue trabalhando de forma obstinada pelo projeto original da universidade. O mesmo que atraiu e continua a atrair pesquisadores nacionais e internacionais, interessados em conhecer a instituição e os desafios que têm marcado a sua implantação, por sentir que a Unila pode representar uma possibilidade de universidade mestiça – nos termos de Michel Serres –, promovendo a integração regional pela cultura.
Por essa razão, acreditando que os ventos mudam de direção e os esforços históricos devem ser registrados, em celebração dos dez anos de existência da Unila, lançamos, com o inestimável apoio da Clacso, o livro intitulado “Unila: uma universidade necessária”. O texto é fruto do trabalho realizado por um grupo de pesquisa que se propôs a colaborar para a divulgação de resultados de pesquisas assinadas por autores que nutrem interesse acadêmico pela Unila, não apenas como objeto de estudo, mas como sujeito epistêmico, como locus de enunciação do saber. Todos os capítulos derivam de teses e dissertações desenvolvidas em programas de mestrado e doutorado oferecidos por variadas universidades brasileiras.
Assim sendo, reúne reflexões sobre o projeto de uma universidade que pode ser referência em termos de transformação pessoal, pertinência social, potência acadêmica e desenvolvimento regional. É também um registro histórico da experiência vivida por uma universidade singular, que no contexto de movimentos marcados pela desuniversidade, é ainda mais necessária. Trata-se de uma inestimável contribuição à resistência. Convidamos a leitura e incentivamos a continuidade da reflexão sobre a microutopia que representa o conjunto formado pelas novas universidades criadas no País. Por isso mesmo, o texto se encontra inteiramente disponível no sítio da Clacso:<http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20200204035842/UNILA.pdf>
Manolita Correia Lima é Doutora em Educação pela USP e professora do PPGA ESPM
Gisele Ricobom é Doutora em Direito pela Universidad Pablo de Olavide e professora da Unila, atualmente em cooperação técnica com a UFRJ
Ivor Prolo é Doutor em Administração pela ESPM, profissional-técnico e professor na UNEMAT
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/UNILA-uma-universidade-necessaria/54/46464https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/UNILA-uma-universidade-necessaria/54/46464
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[1] Disponível em < https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/Uma-Universidade-para-a-integracao-da-America-Latina-/54/15590>
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[1] Disponível em < https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/Uma-Universidade-para-a-integracao-da-America-Latina-/54/15590>
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