Peça 1 – Zona Azul, uma licitação viciada
Está em um estágio curioso a licitação da Zona Azul da Prefeitura de São Paulo, cujo grupo vencedor foi o BTG-Estapar. Recordando:
- Houve um direcionamento nítido, com uma série de condições que apontavam previamente a vitória do grupo BTG-Estapar. Uma das condições era o valor inicial da outorga. O correto é que esse valor guarde correspondência com o faturamento previsto no edital. É a maneira de garantir isonomia na licitação, e não a vitória do grupo mais capitalizado.
- O segundo, foi a obrigatoriedade de o grupo ter experiência em estacionamento. Só a BTG possuía essa dupla condição: capacidade financeira de levantar altas somas e uma empresa de estacionamento.
- A terceira era a não previsão, no edital, das chamadas receitas acessórias, provenientes da exploração do banco de dados de 2,6 milhões de motoristas que passariam a ser usuários do novo cartão – com potencial de faturamento muitas vezes maior que a da venda de cartões digitais.
- A área técnica do Tribunal de Contas do Município apontou 32 irregularidades no edital, dentre as quais uma das mais relevantes era a não previsão das receitas acessórias no edital. O TCM remeteu para a Prefeitura corrigir. A Prefeitura corrigiu pontos cosméticos e manteve as irregularidades centrais. Mesmo assim, dois conselheiros do TCM, Edson Simões e o presidente João Antônio, votaram a favor da liberação da licitação. Está em suas mãos a liberação final da licitação.
- O Ministério Público Estadual entrou na parada e abriu uma ação de improbidade administrativa contra o prefeito Bruno Covas, o Secretário de Governo Mauro Ricardo e dirigentes da Estapar.
Nesta quarta-feira o conselheiro Maurício Farias, do TCM, devolverá a matéria que analisa a licitação da Zona Azul. Leis e regulamentos obrigam o TCM a fiscalizar as receitas acessórias. Mas há um enorme poder de influência do BTG e do Secretário Mauro Ricardo, que aparentemente estão sensibilizando os conselheiros do TCM.
Peça 2 – o valor das receitas acessórias
Esta semana da Globallpark Serviços de Estacionamento Ltda., uma das operadoras atuais da Zona Azul, entrou com uma representação junto ao TCM levantando novamente a questão das receitas acessórias.
Hoje em dia, já há uma exploração por parte das 15 concessionarias que operam o sistema.
Diz a representação:
O futuro eventual e único concessionário deste serviço deterá́ cadastro exclusivo e muito mais do que isso, frise-se, um canal digital permanente, onde o usuário terá́ que manter, obrigatoriamente, o aplicativo no seu celular. A partir daí suscetível a uma permanente abordagem com ofertas de pagamento de contas, cartões de crédito e débito, vendas de seguros, abertura de contas, comercialização de automóveis e toda sorte de produtos e serviços de ordem financeira, comercial, administrativa ou todos e quaisquer tipos de outros produtos e serviços. Tudo isso será́ possível sem necessidade de formatação e formalização de um “novo negócio junto à Prefeitura por estar contido, inserido e já fazer parte do permanente, único e exclusivo relacionamento digital entre usuário e concessionário.
Pelos estudos da Globapppark, “na hipótese mais conservadora, (as receitas acessórias) estão estimadas em R$ 3.085.791.000,00/ano, mais que o dobro, portanto, do que a soma das outorgas oferecidas no referido certame, objeto de apreciação da admissibilidade de contratação, não considerando as receitas auferidas no próprio negócio.
Apresenta como exemplo o Banco Inter que assumiu parte dos serviços de Zona Azul de Belo Horizonte. O aplicativo do Banco Inter passou a oferecer um cardápio de serviços aos clientes.
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Graças a esse incremento da base de clientes, o Banco Inter tem um valor de mercado de R$ 16 bilhões. Em agosto passado, o Softbank, do Japão, adquiriu 8,1% das ações por R$ 790 milhões.
Peça 3 – Os riscos do TCM
O primeiro risco é o da visibilidade do processo. Em outras licitações, os ganhos indevidos poderiam ser invibilizados. No caso da Zona Azul, não, pois a venda se dará através dos smartphones de todos os usuários.
O segundo risco é a ação de improbidade administrativa aberta contra o prefeito Bruno Covas, o Secretário Mauro Ricardo e a Estapar, visando apurar as irregularidades nas licitações.
O terceiro, a própria competição no mercado de fintechs, que levará os concorrentes do BTG a invocar o CADE e outros órgãos de controle contra as vantagens indevidas proporcionadas pela Prefeitura e pelo TCM. Hoje em dia, o BTG tem 300 mil clientes digitais, A Zona Azul poderá agregar outros 2,6 milhões, o que provocará desequilíbrio na competição com outros bancos.
O quarto, a ampliação desregrada de vagas de estacionamento, visando aumentar a posteriori a receita do PPP.
Tudo isso ocorre em período de grandes mudanças políticas e de possível alternância de poder na Prefeitura de São Paulo.
Em suma, se o TCM abdicar de sua função de cautela, estará vulnerável a inquéritos e ações judiciais.
Peça 4 – a blindagem dos grandes financistas
O BTG esteve envolvido em operações polêmicas, como a Sete Brasil. André Esteves chegou a ser preso, em uma operação da Lava Jato, baseado em uma delação pouco clara.
No início do governo Lula, narrei em várias colunas na Folha seu envolvimento com o então Ministro da Fazenda Antônio Palocci, para resolver pendências junto ao CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Aliás, um dia essa história será contada em detalhes.
A partir daí, sua estratégia de blindagem consiste em participar acionariamente de grandes publicações e ser um investidor potencial de outras. Foi assim que se tornou sócio da UOL e, agora, assumiu a revista Exame e mantem influência sobre a Veja – atuando como o principal agente financeiro da venda da Editora Abril.
Agora, há rumores de que seu concorrente, a XP, está preparando para adquirir a revista IstoÉ.
Seja qual for a consistência dos boatos, o fato é que esses grandes interesses financeiros estão calando um dos instrumentos de controle do país – que é uma imprensa comprometida com o interesse comum. Tanto assim, que houve pouquíssima cobertura da mídia de um escândalo óbvio, nessa licitação.
Semanas atrás, depois que passei a divulgar o caso, fui alvo de um processo do BTG Pactual – instituição que tem como sócio, hoje em dia, o ex-Ministro da Justiça e ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Evidentemente, a intenção é me calar.
Pergunta-se: hoje em dia há uma imprensa que promete resistir a Bolsonaro. Mas a liberdade de imprensa conseguirá resistir ao poder financeiro e aos métodos do BTG Pactual?
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