Agora virou o Projeto de Lei 2633/20 [1] o que era a MP-910 [2], conhecida como a “MP da grilagem¨. o Projeto de Lei atualmente tramita na Câmara de Deputados sob regime de urgência. A sua aprovação seria mais um revés para os esforços visando conter o desmatamento na Amazônia. Permitiria que maiores áreas ilegalmente ocupadas nas terras da União sejam legalizadas, e ainda com base em meras auto-declarações.
Embora Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, mantenha a sua decisão de não deixar que a MP-910 seja votada, assim caducando em 19 de abril após 120 dias de validade com base na assinatura do Presidente Bolsonaro, já sinalizou seu apoio à aprovação do mesmo conteúdo da MP-910 através do projeto de lei. No entanto, a pressa para aprovação limita a possibilidade do debate público tão necessário devido às mudanças perigosas contidas na matéria.
Estes perigos são detalhados em uma série de notas técnicas por organizações não governamentais, tais como o Instituto Socioambiental (ISA) [3], o Observatório do Clima [4, 5], o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) [6, 7], o Instituto Democracia e Sustentabilidade [8], e o Climate Policy Initiative [9]. O Ministério Público Federal fez uma extensa relação das ilegalidades na matéria [10].
Veja também a extensa lista de organizações não governamentais no Movimento Ambientalista Brasileiro que se manifestaram contra a matéria [11], e a carta aberta ao Congresso Nacional pela Frente Parlamentar Ambientalista, além de assinaturas de parlamentares, foi assinado por 137 organizações e todos os ex-ministros do meio-ambiente [12].
As justificativas do governo são altamente enganadoras. Os beneficiários não são humildes pequenos agricultores, nem são os grandes produtores de soja cuja contribuição ao PIB é valorizada. Trata-se de áreas fronteiriças na Amazônia onde a floresta tropical está sendo convertida em pastagens extensivas.
Os impactos desta perda de florestas são enormes e claramente contra os interesses do País. Entre outros serviços ambientais, a reciclagem de água pela floresta é fundamental para manter o regime de chuvas fora da Amazônia, essencial para a produção de energia hidrelétrica e o suprimento de grandes cidades como São Paulo.
O projeto de lei afeta principalmente as vastas terras devolutas, ou “não destinadas” na Amazônia. Agora também são ameaçadas as 277 áreas indígenas ainda não homologadas que perderam a proteção em 22 de abril quando foi publicada a Instrução Normativa No. 09 de 2020, da FUNAI [13].
Grande parte do projeto de lei é simplesmente desnecessária por já ser tratada em leis anteriores. A inclusão destas repetições serve para permitir discursos alegando de que “necessita” da nova lei para beneficiar pequenos agricultores, apesar desta parte já ser coberta pela atual legislação. As partes novas da matéria são as que beneficiam os grandes grileiros.
Essas políticas vêm favorecendo a ocupação ilegal de terras públicas na Amazônia, pois fica claro para os desmatadores na fronteira amazônica que, atos ilegais, são depois perdoados e os invasores, tanto grandes como pequenos, são premiados com a propriedade da terra. A anistia até 2018 seria mais uma premiação.
O desmatamento aumentou em todos os meses de 2020 em relação às taxas detectadas pelo sistema DETER, do INPE, para os mesmos meses em 2019: 109% em janeiro, 34% em fevereiro, 30% em março e 64% em abril [14]. Esses meses ainda são na parte chuvosa do ano na Amazônia, quando a quantidade de desmatamento é relativamente pequena.
Agora começando em maio, e ainda mais de junho em diante, se espera um grande aumento. A quarentena devido à pandemia só começou em 11 de março, e não deve confundir o efeito coronavírus com o efeito Bolsonaro, que é o fator maior.
A pandemia oferece uma desculpa para muitas coisas, mas o efeito mais claro é de tirar a atenção da mídia e da sociedade de qualquer assunto que não seja a Covid-19. Assim, ações podem surgir sem a devida atenção, como no caso do projeto para a “lei da grilagem”.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, explicitou com todas as letras a oportunidade fornecida pela pandemia na sua fala durante a reunião do Presidente Bolsonaro com seus ministros, realizada em 22 de abril, cuja gravação agora foi tornada pública por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Ministro disse: “A oportunidade que nós temos, que a imprensa não tá… tá nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de regulamentação…” …. “Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas…” [15]. [16]
Desmatamento no distrito de Santo Antonio do Matupi, no sul do Amazonas (Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace/2017) https://amazoniareal.com.br/o-perigo-da-lei-da-grilagem/
Notas
Imagem que abre este artigo mostra o presidente da República, Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. (Foto: Marcos Corrêa/PR)
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria
que estão disponíveis aqui .
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