As discussões sobre a privatização do saneamento, por Luis Nassif
Por esse modelo, não apenas haveria a privatização da distribuição da água, mas também a concessão do uso da água para setor privado. Aí começa um tema complicado.
Há uma antiga discussão sobre modelos de gestão no saneamento.
Tem-se, de um lado, as empresas públicas, algumas com problemas de gestão e de interferência política. De outro, as empresas privadas, igualmente com problemas de interferência política e pouco empenho na universalização do saneamento. E, principalmente, com o objetivo focado no aumento da rentabilidade.
Há uma fé cega que a empresa que se guia pelo lucro é mais eficiente. Depende dos objetivos dessa eficiência. Sem uma boa regulação, o aumento do lucro pode ser perseguido com redução do atendimento aos consumidores – como ocorreu com as distribuidoras de energia em São Paulo, por exemplo. Ou se abandonar as metas de universalização pela seleção das regiões mais lucrativas.
De certo modo foi o que ocorreu em São Paulo com a Sabesp. Apesar de alguns problemas pontuais, a empresa sempre foi das mais eficientes do setor. Quando, sabe-se lá por que, foi instada a abrir capital na Bolsa de Nova York, o foco central da empresa foi melhorar o balanço. E isso se deu com o abandono da universalização e da piora do atendimento em várias cidades.
O modelo ideal
O modelo ideal seria o seguinte:
- Metas claras de universalização do atendimento e modicidade tarifária.
- Subsídio cruzado, com a operação em áreas de maior poder aquisitivo subsidiando as de menor poder aquisitivo.
- Agências reguladoras, com participação dos consumidores e organizações locais, para garantir o efetivo cumprimento das metas acertadas.
A partir daí, estatais ou privadas seriam estimuladas a buscar resultados. E poderia haver gestão eficiente tanto em uma quanto em outra.
Há desafios adicionais para o saneamento.
Os serviços dependem de bacias hidrográficas. O subsídio cruzado depende do atendimento de várias cidades simultaneamente. E, aí, nessas bacias há dois níveis de envolvimento.
O primeiro, é o dos municípios que compõem a bacia, e a conciliação de seus interesses.
O segundo é o do uso da água, que é utilizada também para energia, pesca e hidrovias.
Todos esses interesses têm que ser contemplados em um modelo de saneamento, para que a regulação atenda a todos esses objetivos.
Para dar certo, portanto, têm que haver participação expressa dos municípios, dos consumidores, dos setores de energia, para impedir que a agência reguladora seja capturada pelas empresas – como ocorre no Brasil.
O mundo real
Quando se analisa o mundo real, aqui e em outros países, percebe-se a enorme dificuldade em definir uma governabilidade eficaz no setor.
No Tocantins, a Saneatins foi privatizaa em 1998, adquirida pela Odebrecht Ambiental e, depois, para a BRK Ambiental. No início, atenda a 125 municípios. Em 2010, ficou com 47 municípios e devolveu 78 municípios menores para o Estado, por não oferecer o retorno necessário.
Com 20 anos de gestão privada, em Manaus há uma coberura de coleta de esgoto de 12,5% dos quais apenas 30% são tratados. Mais de 600 mil pessoas não têm acesso à água.
Recentemente, o Instituto Transacional, sediado na Holanda, analisou o período 2000 a 2019. Constatou que 1.408 municípios de 58 países reestatizaram serviços públicos, 311 sendo da área de saneamento.
A desistência se deveu ao não cumprimento das metas acertadas, o foco no lucro sobre os interesses dos consumidores e a falha na universalização, principalmente em áreas mais pobres.
Esses são os pontos centrais a serem analisados no Projeto de Lei em discussão, para abrir o mercado de saneamento para as empresas privadas.
Há um parágrafo que chama a atenção:
- 2º As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de água.
Por esse modelo, não apenas haveria a privatização da distribuição da água, mas também a concessão do uso da água para setor privado. Aí começa um tema complicado.
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