Por que sou a favor de uma Frente Democrática
Não podemos confundir direitos civis e políticos com direitos sociais. Sem liberdade, não teremos como recuperar os direitos sociais e ampliá-los. O voto é a arma do povo brasileiro, que não detém o poder econômico, militar, judicial ou de informação. Para fazer o impeachment de Bolsonaro, temos que construir uma ampla frente democrática e, dentro dela, criar uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país.
Tenho passado por maus pedaços nas últimas semanas, na verdade meses. A cada dia, vejo amigos e amigas de décadas de luta – e mesmo o PT — se opondo a Frentes Democráticas. Razões não faltam, levando-se em conta o golpe que derrubou Dilma precedido da recusa do PSDB em aceitar a derrota eleitoral de 2014. Tudo se complica quando incluímos nas razões o apoio de praticamente toda nossa direita à agenda ultra liberal de Bolsonaro-Guedes e a infâmia e vergonhosa indignidade do impedimento de Lula.
Sem falar nas tentativas de prescrição do PT, um partido mais do que comprometido com a democracia — surgiu para lutar por ela e cresceu e se fortaleceu a defendendo e praticando mesmo quando não concordava com seu caráter elitista, excludente e eivado de heranças e entulhos da Ditadura como a tutela militar, filha da impunidade dos crimes praticados pelo Estado via Forças Armadas, o artigo 142 e outras pérolas como a desproporcionalidade na Câmara dos Deputados, a iníqua e injusta estrutura tributária e por aí vamos.
Fico remoendo o risco que corremos em confundir os direitos civis e políticos que conquistamos depois de 24 anos de ditadura na Constituição de 1988 com os direitos sociais que construímos na luta e escrevemos na Constituição Cidadã. Parece uma discussão inócua ou simplista, mas não o é pela simples razão de que, sem liberdade, teremos que lutar, como fizemos exclusivamente por ela, pelo direito de reunião, manifestação, organização, expressão. Não podemos nos esquecer de que nos custava a vida ou anos de prisão — geralmente tortura, desemprego, clandestinidade e exílio – apenas lutar por salários, contra a censura, a tortura, contra a falta de liberdade, pelo direito de greve, contra o arrocho salarial ou a manipulação da inflação, e como nos custou longos e duros 21 anos até o colégio eleitoral e 25 anos até as eleições para presidente.
O voto é a arma do povo
Na democracia crescemos e chegamos ao governo do país. O voto é a arma do povo brasileiro, que não detém o poder econômico, militar, judicial ou de informação e formação da mídia monopolista. Pelo voto, o povo derrotou duas vezes as tentativas de impor o parlamentarismo e lutou bravamente pelo direito de eleger o presidente da República.
Foi o povo que derrotou a Arena e a ditadura nas urnas em 1974 e nunca mais deixou a ditadura vencer uma eleição. E só não elegeu o presidente no colégio eleitoral em 1978 porque os militares mudaram a composição do colégio eleitoral e inventaram a excrescência do senador biônico.
Em 1986, deu maioria absoluta ao PMDB na Câmara e no Senado em 86 e elegeu o PT para governar o Brasil quatro vezes e o elegeria mais uma vez em 2018 fosse Lula o candidato ou as eleições limpas.
Meus argumentos são simples, quase simplórios, mas minha intuição e minha consciência me pedem que os apresente. Aprendi desde menino na luta contra a ditadura que os inimigos de meus inimigos são meus amigos, companheiros ou companheiras de viagem como se dizia, cada um com destino a uma estação, mas todos preservando o meio para o fim, a democracia.
Nosso povo e nosso Brasil já têm excesso de violência, pobreza, desigualdade e miséria, discriminação, preconceito, racismo, machismo e homofobia para que acrescentemos à violência Estatal uma ditadura de caráter neofascista e militar, um governo familiar de milicianos e defensores não apenas da tortura e assassinato político, mas do fundamentalismo religioso e do obscurantismo, de negação da ciência e da liberdade.
É verdade que nossa direita liberal e mesmo alguns na centro-direita sonham em conviver com um Bolsonaro domesticado e são seus aliados na manutenção dos interesses financeiros internacionais e dos rentistas internos, da mais iníqua e injusta concentração de propriedade, riqueza e renda do mundo. Na prática, mesmo em plena pandemia e crise sanitária, que já matou quase 60 mil brasileiros, já reassumem a agenda ultraliberal haja visto a aprovação da privatização da água. Apesar de toda campanha para dourar a pílula, o que o Senado aprovou foi a entrega de um bem natural à exploração privada que visa o lucro. Amanhã vão querer privatizar o ar, porque a terra já é bem privado neste país e as florestas, que são o nosso pulmão, caminham também para o mesmo iníquo destino.
Nem falarei da vergonhosa política externa e submissão de nossa soberania à política externa e de defesa aos Estados Unidos, a renúncia a um projeto de desenvolvimento nacional e a entrega da nossa soberania financeira à fracassada globalização financeira, o fechar de olhos para a captura dos aparelhos do Estado e a lenta, segura e gradual instauração de um regime autoritário como foi o de 1964.
Para completar o pano de fundo Bolsonaro, além de militar — esta é sua formação ideológica e política –, se apoia nas palavras de ordem do nosso fascismo tupiniquim ou monismo político da família, Deus e Pátria, no fundamentalismo religioso. Tem, portanto, raízes e base popular que, somadas aos interesses capitalistas de nossa elite, lhe garante apoio para, suportado pelos militares e milícias, manter não só o governo, mas avançar para se impor como ditador mesmo que dentro de aparente legalidade.
Outro fato, pois procuro me ater aos fatos, é que até agora Bolsonaro não se tornou um ditador, na prática, pela atuação da oposição e pelo impedimento que a Suprema Corte ou o Congresso Nacional lhe têm imposto e pela ampla e radical oposição da mídia monopolista a seu crescente autoritarismo e obscurantismo. Estou dizendo uma inverdade?
Esquerdas são alternativa
Assim, as forças políticas e sociais de esquerda ou de centro-esquerda que são alternativas reais de governo — basta ver o resultado da eleição de 2018, onde os três candidatos à esquerda Haddad, Ciro e Marina, tiveram quase 43% — deveriam ser as maiores interessadas em uma Frente Democrática. E deveriam ser em qualquer ponto de vista, particularmente dos direitos sociais e da urgente necessidade de deter o desmonte do Estado Nacional e de Bem Estar Social e a marcha insensata das chamadas reformas de Guedes e o risco real que Bolsonaro representa. As derrotas de Macri e Macron deviam nos servir de lição.
Não se trata de se submeter ou se atrelar aos interesses e objetivo eleitorais deste o daquele partido ou setor social que se opõe a Bolsonaro. Mas, sim, de construir uma Frente Democrática pelo impeachment e na luta e na unidade avançar para um programa mínimo mais amplo como foi o das Diretas que desaguou na Constituinte de 1988. Conforme a radicalidade e amplitude da luta contra Bolsonaro, teremos um ou outro resultado. As ruas, as mobilizações e a entrada das classes trabalhadoras na luta – as classes médias só aguardam o fim da pandemia para sair às ruas — ditarão o rumo e o conteúdo das mudanças pós Bolsonaro.
Nossa tarefa é mobilizar e organizar as classes trabalhadoras, até porque os mais pobres, explorados, discriminados já estão nas ruas. A greve geral dos trabalhadores de aplicativos marcada para 1o de julho é um exemplo. A experiência recente prova que as classes médias conservadoras ou progressistas têm grande poder de mobilização até porque recebem um tratamento especial dos meios de comunicação.
Se a direita liberal ou conservadora não quer fazer o impeachment de Bolsonaro, cabe a nós, das esquerdas, fazê-lo, disputando as classes trabalhadores e base social democrática dessas forças. Isso exige formar uma ampla frente democrática pelo impeachment e, dentro dela, construir uma saída à esquerda para a crise brasileira e para a reconstrução de nosso país.
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