21 de jul. de 2020

Por que a mídia comercial continua dando tanto cartaz a Deltan Dallagnol? - Editor - PORQUE A MÍDIA COMERCIAL E A LAVA JATO, SÃO FARINHA DO MESMO SACO.

Por que a mídia comercial continua dando tanto cartaz a Deltan Dallagnol?

Enquanto o julgamento do caso PowerPoint é mais uma vez adiado, procurador ganha amplo espaço para se defender da colaboração com o FBI

FOTO: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
Maíra Miranda 
20 de julho de 2020, 16h46
   
Inicio fazendo um mea culpa, porque me sinto corroborando aquilo que criticarei a seguir: o cartaz dado pela mídia comercial a Deltan Dallagnol. Enquanto o julgamento do caso do PowerPoint, em processo movido pela defesa de Lula, foi adiado 40 vezes e prescreve em setembro, o chefe da Força-Tarefa ganhou amplo espaço midiático para se defender da acusação de que policiais do FBI participaram ativamente da operação Lava-Jato.
Como diz a teoria da comunicação chamada agendamento ou agenda-setting, a mídia é responsável por ditar os assuntos dos quais tratamos. Da Wikipedia: “Essa hipótese propõe a ideia de que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados com maior destaque na cobertura jornalística”. Ou seja, é dela o poder de decidir não só o que será notícia, como também os assuntos sobre os quais falaremos em nossa vida cotidiana.
O julgamento do caso do PowerPoint, em processo movido pela defesa de Lula, foi adiado 40 vezes e prescreve em setembro; enquanto isso, Deltan aparece em todas as TVs se defendendo da acusação de que policiais do FBI participaram ativamente da Lava-Jato
(Mas note que aqui falamos, sobretudo, sobre a mídia corporativa, enquanto você certamente está lendo este artigo por meio de algum canal de mídia alternativa, com o qual deveria, inclusive, colaborar para garantir a sua existência.)
Outro dia assisti a uma entrevista do ex-presidente Lula à Rádio Gaúcha onde os entrevistadores falaram sobre uma possível “fixação” do ex-presidente em relação à sua prisão e à operação Lava-Jato como um todo, como se não fosse algo legítimo e perfeitamente justificável. Afinal, o cara foi preso em um processo cada vez mais cercado de dúvidas.
A esquerda sempre foi acusada de paranoide pela direita, até como forma de disfarçar as manipulações. Em 2016, a socióloga Marilena Chauí foi espinafrada por dizer que a operação Lava-Jato não tinha nada a ver com a moralização da Petrobrás, e sim com tirar de nós o pré-sal. Ela ainda foi além e falou que acreditava em um treinamento de Sergio Moro pelo FBI com este intuito.
Quem acredita nisso há mais tempo parece já anestesiado e nem se choca tanto quando esta suspeita é corroborada pelas últimas revelações do The Intercept e da Agência Pública sobre a ligação da Lava-Jato com o FBI. Mas é, sim, chocante; e não pode passar impune.
Na semana passada, o deputado Glauber Braga e mais de 70 deputados assinaram uma carta na qual solicitam a parlamentares norte-americanos informações sobre o envolvimento do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA na Lava-Jato, e cobram que o governo estadunidense adote as “medidas legislativas apropriadas para expor essa ingerência externa inaceitável e responsabilizar os agentes e oficiais responsáveis”, por seus profundos efeitos na política e economia brasileira.
No twitter, o deputado justificou, com veemência, que Dallagnol deve ser responsabilizado por descumprir nossa legislação para atender orientações de uma polícia estrangeira.
Como toda hora é revelado o que a gente já denunciava que acontecia, parece que perdemos nossa capacidade de nos espantar não só com as mortes causadas pela Covid-19, mas também com as barbaridades do governo Bolsonaro como um todo.
Para nós, do campo progressista, que há tempos denunciamos a maneira como a ascensão do Bolsonaro se deu na base do zapzap e da mamadeira de piroca, nem causa mais impacto a cortina de fumaça com toda essa história de exame positivo de Bolsonaro (depois daquele auê todo para mostrar exames anteriores), no mesmo  momento em que seu filho, o senador Flávio, ia depor no caso das rachadinhas.
Não nos impacta mais ver o “mito” fazendo propaganda da cloroquina e depois dizendo que não tem comprovação que o remédio funciona, em um vídeo que virou piada. Nada disso parece causar grande assombro tampouco no seu eleitorado, como apontam as pesquisas mais recentes. A mídia tem um papel fundamental aqui. É necessário divulgar amplamente todas as medidas desses desgoverno. Toda vez.
Assisti também ao fatídico episódio do Jornal Nacional sobre a prisão de Fabrício Queiroz, com aquele roteiro dramático, com direito a cartaz de AI 5 e miniaturas de mafiosos, digno de um longa-metragem que muitos diriam inverossímil. Assisti comendo pipoca. A cara do advogado, que Gregório Duvivier tão bem definiu como um misto de Armando Volta, da Escolinha do Professor Raimundo, e Dick Vigarista, é impagável.
Ali parecia que era a vez da Globo fazer seu mea culpa e mostrar o que ajudou a eleger. No entanto, dali a poucos dias, no caso da privatização da água, a emissora dos Marinho já seguiu exibindo sua faceta neoliberal, sem ao menos ouvir o outro lado, e apoiando claramente, como algo positivo, a medida que tratava do marco legal do saneamento e sua consequente privatização.
Urge reconhecer a influência da mídia. Voltando à entrevista da rádio Gaúcha, Lula disse que, nos últimos cinco anos, foram 400 horas de Jornal Nacional contra ele. Não tem como competir com isso. Lula fala que o Ministério Público e Moro compactuaram com uma parte dos meios de comunicação do país. E quem há de negar? Provavelmente só a própria mídia, ou teria que admitir ter participado da farsa –daí o espaço que continua dar a Deltan Dallagnol.
Na mesma semana em que foi revelada a ligação entre o FBI e a Lava-Jato, Dallagnol falou quase que diariamente à CNN, à Folha, ao UOL, além de ganhar as páginas amarelas da Veja. Já as revelações da Vaza-Jato tiveram pouquíssimo espaço na mídia comercial
Enquanto as revelações da Vaza-Jato que comprovaram a conspiração para incriminar Lula tiveram pouquíssimo espaço na mídia comercial, Deltan apareceu em vários veículos de grande alcance na mesma semana da divulgação da ligação entre o FBI e a Lava-Jato. Dallagnol falou quase que diariamente à CNN, à Folha, ao UOL, além de ganhar uma entrevista nas páginas amarelas da Veja.
Na primeira entrevista, a da CNN, Dallagnol respondeu a respeito de 2016 e 2017, como se os policiais norte-americanos tivessem vindo apenas para ensinar o know-how de operação para a quebra de criptografia de mensagens, quando a denúncia apontada pelos veículos Agência Pública e The Intercept é sobre um período anterior a isso, 2015.
Na do UOL, quando perguntado sobre o fato de Sergio Moro ter aceitado o cargo no Ministério da Justiça, Deltan faz uma longa explanação sobre como pensar, de forma otimista e pessimista, diante de um mesmo assunto. Depois ele diz que hoje, fazendo uma retrospectiva, é possível reconhecer que foi um erro. “Considerando o privilégio de visão retrospectiva, considerando o modo como a realidade se desenvolveu, entendo que foi um equívoco”.
Não é só por aqui que a manipulação midiática acontece. Nos EUA, uma pesquisa realizada pela In These Times mostra que a CNN citou Bernie Sanders três vezes mais negativamente do que Joe Biden
À Veja, Dallagnol negou que a Lava-Jato tenha dado apoio ao Bolsonaro. Na Globo, nessa mesma semana, o procurador foi questionado tão-somente pela suposta supressão de nomes de autoridades com prerrogativa de foro dos processos, sem mencionar a ligação com o FBI.
Traço comum entre as diferentes entrevistas concedidas pelo procurador é que os jornalistas pedem para que ele seja menos evasivo e mais direto em suas respostas, pois Dallagnol demora a responder o que lhe é questionado –coisa que a gente já sabe desde o dia do famigerado PowerPoint, quando só apresentou convicções em vez de provas.
Mas vamos deixar claro que não é só por aqui que a manipulação midiática acontece. Também nisso copiamos o que vem dos EUA. Branko Marcetic autor de Yesterday’s Man: The Case Against Joe Bidenescreveu sobre como a mídia corporativa nos EUA colaborou para a ascensão de Biden e consequente queda de Bernie Sanders. Ele cita uma pesquisa realizada pela In These Times que mostra que a CNN –apontado por Marcetic como o veículo que possui mais credibilidade entre os apoiadores do partido Democrata– cita Sanders três vezes mais negativamente do que Biden. A emissora teve um papel decisivo na vitória de Biden nas primárias Democratas amparado pelo receio generalizado à reeleição de Trump.
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