Carta aberta contra a tentativa de apropriação do festival de cinema de Alter do Chão. - Editor - A CAPTAÇÃO DE RECURSOS, PODERIA SER DE UMA COOPERATIVA CULTURAL, O QUE EVITARIA DO PROJETO SAIR DO AMBITO LOCAL E REGIONAL. SE A LEI NÃO CONTEMPLA, QUE SE MUDE A LEI E PERMITA MOVIMENTOS CULTURAIS COOPERATIVADOS, TEREM ACESSO AS VERBAS DISPONÍVEIS EM TODAS AS ESTANCIAS DE CAPTAÇÃO.
Carta aberta contra a tentativa de apropriação do festival de cinema de Alter do Chão
Organizações culturais e fazedores de cultura denunciam a tentativa de apropriação do Festival de Cinema de Alter Chão, realizado no ano passado na Vila e este ano em formato on-line.
Por Jornalistas Livres
dezembro 15, 2020
Esta CARTA ABERTA é um ato em favor da sociedade da região
Oeste do Pará, aos segmentos culturais, turísticos e aos
fazedores e fazedoras de cultura da Amazônia.
O conjunto de organizações, lideranças sociais, artistas, produtores,
fazedores e fazedoras de cultura que assina esta carta vem
manifestar a desaprovação e exigir providências às instituições
envolvidas sobre a tentativa de APROPRIAÇÃO do Festival de
Cinema de Alter do Chão pela empresa denominada Krioca
Comunicações.
O grupo também EXIGE que o projeto volte a ser conduzido de
forma coletiva, como iniciou, com a participação de empresas e
parceiros com capacidade e metodologias democráticas, garantindo
que, a partir de 2021, a organização do evento respeite o
protagonismo local e regional na prática e não apenas no discurso.
Reforçamos nesta carta, o papel fundamental dos fazedores e
fazedoras de cultura locais, de toda a Amazônia e de outras partes
do Brasil na construção da proposta e realização do FCAC, que se
integraram de forma exemplar nas ações de articulação, formação
de redes e em busca de apoios para que este sonho se tornasse
real.
O Festival de Cinema de Alter do Chão tem um histórico que
antecede a participação da referida empresa na produção do evento.
O projeto, em sua integralidade, vem sendo conceitualmente
desenvolvido e articulado, desde 2016 por iniciativa de diversos
atores culturais e no âmbito acadêmico, sendo inclusive uma
proposta apresentada na Assembleia Legislativa do Estado
(ALEPA), como uma demanda dos anseios de realização cultural da
região.
Estando em Santarém, a convite do Município e posteriormente na
UFOPA para participar de eventos culturais, o diretor da Empresa
Krioca Comunicações Sr. Locca Faria, tomou conhecimento do
projeto Festival de Cinema de Alter do Chão por intermédio do
projeto Luzes do Tapajós (UFOPA), do Deputado Federal Airton
Faleiro (então Deputado Estadual), da Professora Doutora Raimunda
Monteiro, então reitora da UFOPA, dentre outros proponentes do
Festival, passando a se integrar inclusive através do projeto de
extensão da UFOPA.
À época, O Sr. Locca, que se apresentou como cineasta, estava
propondo um projeto de realização de um filme tendo como
protagonista o violonista Sebastião Tapajós e segundo ele, teria a
participação de Paulo César Pinheiro, Chico Buarque, Gilberto Gil,
Caetano Veloso, e outros astros da música brasileira, que iriam
interagir com músicos da Amazônia, o que foi bem aceito e tendo
apoio para realização do filme “Reencontro das Águas” com uma
perspectiva científica envolvendo comunidades e populações
tradicionais. Prontificou-se a ajudar na realização do Festival, o que
foi aceito com entusiasmo por todos os proponentes do projeto, por
avaliarem que a empresa reunia expertise e contatos importantes
para o fortalecimento do projeto nos centros culturais do país.
Dessa forma, foi dado início na produção do I Festival de Cinema de
Alter do Chão. Enquanto isso, o grupo local articulava a participação
das instituições culturais e financiadoras no Estado, viabilizando
recursos para a realização do Festival e para custear as despesas
com a pré-produção do Festival já sob a coordenação executiva da
Krioca.
Com a sequência da produção, se fez necessário que o projeto fosse
inserido em leis de incentivo, como também apresentado a
instituições e empresas patrocinadoras. Era necessária uma pessoa
jurídica da área cultural para representar o projeto. O grupo
proponente não estava organizado como pessoa jurídica. Por isso, a
participação da Krioca se apresentava como uma oportunidade, visto
estar apta a captação de recursos. Consensualmente, os
proponentes do projeto concordaram ser essa a solução para
viabilizar o Festival.
Para acessar os editais e lei de incentivo estadual, assim como ter a
possibilidade de desenvolver convênios com instituições locais, fezse necessária a aglutinação de uma organização do Estado do Pará.
Dentre as alternativas dispostas, a empresa Borari Filmes foi
convidada pela Krioca, como co-produtora para facilitar o acesso aos
editais e lei de incentivo estadual, assim como ter a possibilidade de
desenvolver convênios com instituições locais.
Nesse ato, estava-se transferindo formalmente a representação e
produção do Festival para a Krioca Comunicações, mas em nenhum
momento transferia-se à empresa a propriedade da Marca ou do
Festival, por haver o entendimento que o Festival era uma produção
coletiva e um bem cultural de um movimento artístico e intelectual de
Santarém e região.
O Festival de Cinema de Alter do Chão é fruto de um trabalho
coletivo produzido a muitas mãos que vem sendo idealizado
agregando coletivos, movimentos sociais e culturais, especialmente
do segmento audiovisual, bem como órgãos públicos, a partir de
acúmulos de debates e experiências anteriores realizadas por
organizações locais. Materializou-se em 2019, com o grande evento
realizado no mês de outubro na Vila de Alter do Chão.
A proposta ganhou força com o apoio de um projeto do então
Deputado Estadual Airton Faleiro, com a destinação de recursos
públicos por meio de emenda parlamentar dele e de outros
deputados da região. Por isso, antes da realização do Festival,
foram realizadas Audiências Públicas de Apresentação e Debates
com ampla participação da sociedade sobre o Projeto do Festival e
contando com a credibilidade de instituições como a UFOPA e
outras Universidades Amazônicas parceiras.
Nestas audiências, sempre ficou claro que o Projeto assegurava sua
execução a partir de uma coordenação colegiada regional e que
havia a necessidade de uma empresa com experiência na execução
de eventos desse tipo, mas que deveria estar alinhada aos
propósitos iniciais do Festival. Era nesse contexto que a empresa
Krioca Comunicações se apresentava como a produtora do evento,
em articulação com outras instituições locais.
No entanto, já durante os preparativos do Festival, havia muitos
conflitos entre os movimentos locais e a referida empresa, que no
meio do caminho já não aceitava a gestão compartilhada do Festival,
centralizando decisões, pautando temas verticalmente e excluindo
diversos grupos locais que haviam sonhado e colaborado desde o
início da proposta do evento.
Os fatos foram expostos na Audiência Pública de Avaliação do
FCAC, ocorrida em dezembro de 2019, em Alter do Chão, onde
vários participantes relataram o perfil excludente da empresa
produtora, o que tornou a participação dos movimentos sociais e
culturais no projeto cada vez menor e menos decisiva, fato este
oficializado em relatório às instituições envolvidas.
Tal postura se confirmou na realização da edição de 2020 do FCAC,
denominada agora como Fest Alter 2020, tendo sua produção
concentrada no Rio de Janeiro.
Valendo-se do cenário da pandemia da Covid-19, que entre outras
coisas acarretou dificuldades de articulação dos grupos que faziam
parte da rede de parceiros, a empresa decidiu ARBITRARIAMENTE,
sem consultas à comunidade local, pela realização do FCAC em
formato on-line. Os grupos que colaboraram na construção do
projeto não foram ao menos comunicados da decisão, nem mesmo
da programação, e muito menos tiveram a oportunidade de participar
do evento. Os fatos deixam claro a tentativa de APROPRIAÇÃO por
parte da empresa supracitada, que faz uso indevido do nome da Vila
de Alter do Chão e se vale disso para divulgar o evento nacional e
internacionalmente, captar recursos e mobilizar parcerias, usando
sem legitimidade social e cultural, a expressão que representa para
nós a AMAZÔNIA.
Considerando que o Festival de Cinema de Alter do Chão é uma
proposta de coletivos da Amazônia, reagimos veementemente, pois
não podemos aceitar que um bem coletivo se torne propriedade de
uma empresa privada.
Ponderando que as edições de 2019 e 2020 contaram com
investimentos governamentais, é necessário que se mantenha o
controle social dos recursos públicos aplicados no projeto perante a
comunidade local e uma transparente e ampla prestação de contas
à comunidade.
Avaliando também a importância do Festival, seja pelos esforços
empreendidos por todos antes e durante a realização da sua
primeira edição, seja pelos resultados positivos alcançados e seu
grande potencial, pelos importantes investimentos públicos já
realizados, que os governos federal, estadual e municipal, continuem
a apostar nesta proposta. No entanto, que este apoio esteja validado
pelos atores representativos dos territórios envolvidos e que
tenhamos um processo metodológico de afirmação de nossa
identidade amazônica e desconstrução de estereótipos típicos do
COLONIALISMO CULTURAL de que a nossa sociedade não possui
suficiente autonomia sobre seu patrimônio natural, material e
imaterial.
Do histórico do Festival de Cinema de Alter do Chão
2017 – Articulações e debates com organizações sociais, grupos
culturais e instituições governamentais, como a Universidade
Federal do Oeste do Pará sobre a proposta de um Festival de
caráter cultural de ampla repercussão para movimentar o
desenvolvimento
socioeconômico da região por meio da cultura.
A partir da iniciativa de Airton Faleiro, Deputado Federal (então
Deputado Estadual), se apresentou o projeto inicial a parceiros como
o projeto Luzes do Tapajós, hoje Luz e Ação na Amazônia, da
UFOPA, o Projeto Saúde e Alegria, o Instituto Sebastião Tapajós
(IST) e a artistas de relevância da região.
Havendo necessidade de uma empresa produtora que organizasse o
evento, através de diálogos sobre as demandas para um grande
festival na área do cinema, foi firmada parceria com a Krioca
Comunicações, do Rio de Janeiro, cujo diretor na época encontravase na Vila de Alter de Chão.
2018 – Oficinas e debates sobre a produção audiovisual na
Amazônia foram organizados pelo Projeto de Extensão Luzes do
Tapajós (UFOPA) em Santarém, e com apoio de outros parceiros
como a UNIFESSPA (Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará) na cidade de Marabá, e da UFPA (Universidade Federal do
Pará) em Altamira e posteriormente a UFAM (Universidade Federal
do Amazonas).
2019 – Em março de 2019, foi realizado o Seminário do Festival de
Cinema de Alter do Chão, com a participação de diversos desses
grupos e a parceria de diversas organizações. O Seminário definiu,
por meio de uma Agenda de Compromissos os objetivos estratégicos
do festival, no qual, se destacavam o necessário protagonismo dos
atores locais.
Por fim, em outubro de 2019, foi realizado o Festival, um grande
evento, com utilização majoritariamente de verba pública (Emendas
Parlamentares dos Deputados (as) Estaduais: Dirceu Ten Caten,
Marinor Brito, Ozório Juvenil e Dra. Heloísa Melo e patrocínio de um
Banco Público – Banpará), apoio do Governo Municipal, Estadual,
UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará) e muitos outros
parceiros que vinham sendo envolvidos no projeto desde 2017.
Em agosto de 2019, como iniciativa dos Movimentos Culturais da
Região junto ao Deputado Federal Airton Faleiro, foi realizado em
Brasília, o Lançamento Nacional do Festival de Cinema de Alter do
Chão na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados,
juntamente com a mobilização de organizações culturais de toda a
região, cujos representantes foram à capital na denominada
Caravana da Cultura para participar da Sessão Solene em
Homenagem às Manifestações Culturais do Oeste do Pará, no
Plenário da Câmara.
No mês de dezembro de 2019, em Alter do Chão, aconteceu a
Audiência Pública de Avaliação do Festival, onde embora o balanço
positivo, destacaram-se os aspectos acima mencionados, de baixa
participação dos movimentos locais na gestão do evento.
Por este histórico, destacamos que se torna inaceitável a
APROPRIAÇÃO do nome e do capital sociocultural acumulado pelo
projeto por quaisquer empresas ou pessoas, reforçando o diálogo
aberto e transparente com a comunidade e rede de parceiros, e com
o verdadeiro detentor do Festival de Cinema de Alter do Chão, o
MOVIMENTO CULTURAL DE SANTARÉM, DE ALTER DO CHÃO E
REGIÃO.
Não são poucos os ciclos pelos quais, nós das comunidades
amazônidas, passamos por processos de apropriação E colonização
cultural, em que atores dizem estar nos ajudando, mas invertem-se
as lógicas. Quando vemos estamos apenas sendo a alegoria de
discursos e práticas que nós não mais aceitamos!
Assim exigimos das instituições e autoridades as cabíveis
providências imediatas e deixamos aberta esta carta para mais
apoios e assinaturas!
ORGANIZAÇÕES QUE ASSINAM:
Associação Borari de Alter do Chão
ATAS – Associação de Teatro Amador de Santarém
Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós
ITA – Instituto Território das Artes
Projeto de Extensão Luzes do Tapajós/ Luz e Ação na Amazônia
(UFOPA)
SINDUFOPA – Sindicato dos Docentes da UFOPA
CITA – Conselho Indígena Tapajós/Arapiuns
ATUFA – Associação de Turismo Fluvial de Alter do Chão
ISSEAM/UFOPA – Grupo de Pesquisa – Indigenismo, Sociedade e
Educação na Amazônia
Projeto Rede da Bota
Projeto Arte de Beira
Projeto Resiste Enem
Coletivo Puraqué
Movimento de Mulheres do Campo
Tribo do Sol
Projeto Sementes Musicais
Espaço Alter do Chão
Selo Alter do Som
Olhar Distribuição (Curitiba)
Festival das Águas (Alter do Chão)
Coletivo Jovem Tapajônico
0
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LIDERANÇAS SOCIAIS, ARTISTAS E PRODUTORES INDEPENDENTES
QUE ASSINAM:
Ádria Góes – Cantora e professora
Adriane Gama – Educadora e dançarina
Ana Charlene – Servidora da Câmara de Vereadores
Anderson Lucas da Costa Pereira – Antropólogo
Andrei Moraes – Professor da UFOPA
Andressa Macambira – Cinéfila de Alter do Chão
Anselmo Colares – Ex-vice-reitor da UFOPA e diretor do ICED
Arnaldo Faria de Deus Filho – Músico (Grupo de Carimbó Kumarú)
Bianca Meirelles – Atriz e professora
Cacique Dengo – Erson Correia Branco – Aldeia Karanã
Cacique Maduro – Liderança indígena de Alter do Chão
Carla Guimarães de Jesus – Professora do SOMEI
13.Carlos Bandeira – antropólogo, publicitário e produtor audiovisual
Cristina Caetano – Cantora e compositora
Dan Selassie – Músico e produtor cultural
Daniella do Vale – Cantora – Altamira
Diego Alano – Antropólogo e roteirista de teatro
Edilberto Ferreira – Presidente do Boto Tucuxi
Fábio Pena – Comunicador e empreendedor social
Gilberto César Rodrigues – ISSEAM/UFOPA
Guilherme Taré – Produtor Cultural
Illana Nogueira – Estudante/musicista
Jecilaine Borari – Presidente da Associação
Iwipurãga do Povo Borari de Alter do Chão.
Jhonatan Prado – produtor Cultural
João Carlos Rêgo – Músico e ator
10
João Ricardo Bessa Freire – Pró-reitor de Extensão da UFAM
José Amilton de Souza – Pró-reitor de Extensão da UNIFESSPA
Josenildo Santos de Souza – Professor da UFAM
Karina Barros Gonçalves- Jornalista
Luana Kumaruara – Antropóloga e Ativista do Movimento
Indígena
Luís Alípio Gomes – ISSEAM/UFOPA
Márcia Maria Pedroso Maranhão- Cantora e Professora
Mário Adonis Silva – CFI/UFOPA
Marlena Soares – Ativista ambiental
Matheus Waimer – Ator e produtor cultural
Mourrambert Flexa – Ator, produtor e turismólogo
Pajé Tupaiu – Gecinei Ferreira Henrique – Povo Tupaiu
Patrícia Kalil – Jornalista (Alter do Chão)
Paulo Cidmil – Produtor Cultural
Pedro Alcântara – Fotógrafo e Produtor Audiovisual
Priscila Castro – Cantora, professora e produtora cultural
Priscila Moreira – Cantora e professora
Priscila Tapajowara – Produtora Audiovisual e Dançarina
Raimundo Valdomiro – CFI/UFOPA
Renato Bezerra – Coreógrafo- Medicilândia
Sinara Almeida – Professora da UFOPA/ICED
Tarcísio Ferreira – professor e coordenador do Coletivo Puraqué.
Tarsilla Alves – Produtora cultural cineasta
Valdilene Araújo da Trindade – Produtora Cultural
Vanessa Campos – Publicitária
Érika Bauer – professora da UNB
Roberto Largman Borovik – produtor cultural (Alter do Som)
Logo do festival de cinema de Alter do Chão
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