Pai preto e mãe branca. Qual meu lugar no Brasil?. - Editor - HÁ ALGUMA DIFERENÇA NO PROBLEMA, QUANDO O PAI É BRANCO E A MÃE NEGRA???
Thais Folego
17 de novembro de 2020
colunas vozes
Pai preto e mãe branca. Qual meu lugar no Brasil?
Sou negra e comecei a descobrir isso aos 13 anos, quando uma mulher perguntou se eu era a babá do meu primo loiro dos olhos azuis
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Meu pai é preto e minha mãe é branca. Isso faz de mim uma mulher parda, mestiça, mulata, morena ou negra? No Brasil costumam me chamar de morena; nos Estados Unidos, de negra (“black” ou “people of color”); e na Europa sou lida como indiana. Nessa, levei mais de dez anos para me livrar da sensação de inadequação de não ser nem branca nem preta num país racializado como o Brasil, para encontrar meu lugar no mundo.
“Mas Thais, por que demônios você está falando disso?”
Porque esse lugar no mundo ainda é constantemente questionado. Em meio às tretas da internet, sempre volta ao debate o racismo baseado no tom de pele (conhecido como colorismo). Também vi circulando no whatsapp um vídeo de um africano de Gana que mora há 30 anos no Brasil falando que o correto é falar “negro” e não “preto” – no que amigos brancos sempre me perguntam: qual é o certo? A resposta, pra variar, nunca é simples.
Leia mais: Você se incomoda em frequentar lugares em que só há brancos?
Porque tudo isso tem a ver com a construção da identidade racial que muitas pessoas negras de pele clara como eu têm que fazer ao longo da vida – se você é uma delas, pega aqui na minha mão, mana, porque Sueli Carneiro é por nós!
Identidade racial é uma construção social-histórica-política, por isso em cada lugar eu sou lida de uma forma. No Brasil persistiu ao longo de muito tempo o mito da democracia racial, de que somos todos iguais e vivemos em harmonia, o que nós negros sempre soubemos que é uma mentira, basta ver quem sempre está nas piores posições dos indicadores sociais – aqui recomendo o ótimo artigo da jornalista Bianca Santana. No Brasil classe social é resultado de raça.
Mas afinal, o que eu sou, se não sou preta como meu pai nem branca como minha mãe? A resposta é: eu sou negra. E eu comecei a descobrir isso aos 13 anos, quando uma mulher perguntou num parquinho se eu era a babá do meu primo loiro dos olhos azuis. Isso porque no imaginário dela e do Brasil, esse é o meu lugar. Fui entender o que tudo isso significava só na faculdade, quando entrei para um coletivo de (poucos) alunos negros e comecei a descobrir também a potência que é ser negra.
“Mas Thais, você falou que não é preta, não tô entendendo nada”.
Autoestima das mulheres negras: precisamos nos amar e descobrir nossa identidade
Aqui mora uma confusão bastante comum: preto e negro não são sinônimos no Brasil. Negros são a soma de pretos e pardos (como eu) – essa é uma construção do movimento negro e também a classificação do IBGE, usada para construir políticas públicas. Então preto é negro e pardo também. Isso porque ocupamos posições muito parecidas na sociedade. Mas ainda assim somos diferentes, e tudo bem.
Somos diversos – e negar essa diversidade também é racismo – mas nos encontramos nas nossas dores e potências, na dodoridade (leiam Vilma Piedade) e nas alegrias. Dia 20 é dia da consciência negra. Celebremos nossa existência e ancestralidade!
E é por essa diversidade que criamos AzMina lá em 2015 (sim, fazemos 5 anos agora em agosto, vai ter novidades!): porque somos todas mulheres, mas temos atravessamentos de origens, histórias, corpos e sexualidade diferentes. Não cabemos nas caixinhas que o machismo e o racismo nos colocam e lutamos todos os dias para libertar não só a nós, mas toda a sociedade dela. Audre Lorde nos ensinou que nenhuma de nós será livre enquanto alguma mulher for prisioneira, “mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.
PS: O termo mulata é racista, deriva da palavra mula (o animal), passou da hora de abolirmos esse termo do nosso dicionário.
Esse texto foi publicado originalmente na newsletter d’AzMina em 31 de julho
Thais é filha de pai preto e mãe branca e essa mistura pauta muito da sua vida. Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, passou anos na grande imprensa até encontrar o propósito que sempre buscou no jornalismo n’AzMina. É editora-chefe da revista, membra da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-SP). Ama sua gata Charlene, São Paulo e o Carnaval.
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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