POLÊMICAS SOBRE A REVITALIZAÇÃO DO CAIS MAUÁ, PORTO ALEGRE: APONTAMENTOS RECENTES . - Editor - PROJETO, QUE MAIS EXPULSA A COMUNIDADE, DO QUE A INTERAGE COM VISITANTES.
XI SEUR – V Colóquio Internacional sobre Comércio e Consumo Urbano
POLÊMICAS SOBRE A REVITALIZAÇÃO DO CAIS MAUÁ,
PORTO ALEGRE: APONTAMENTOS RECENTES
Pedro Toscan Pittelkow Contassot, UFRGS, pedrotoscan@gmail.com
Meriene Santos de Moraes, UFRGS, merienemoraes@yahoo.com.br
RESUMO
O Cais Mauá é um dos espaços públicos tradicionais da capital gaúcha. Com as atividades portuárias
interrompidas desde o ano de 2005, tornou-se palco de discussões após a formação de uma parceria público
privada, na qual figuram capitais estrangeiros e grupos de renome na dita revitalização de áreas centrais.
Com a administração pública pensando as cidades para um mercado internacional competitivo, voltado à
atração de investimentos estrangeiros, megaeventos e turistas, o futuro deste espaço público começa a ser
questionado. A elaboração do projeto prevê a construção de um shopping center, torres comerciais com
serviço de hotelaria, centro de eventos, estacionamento, espaços para convenções empresariais e outros
equipamentos voltados para comércio e consumo. Tomando o projeto como mote de análise, pretendemos
acompanhar as transformações que estão em curso na área do Cais, com o intuito de compreender as
dinâmicas de reprodução do capital na cidade contemporânea presentes nesta nova lógica de gestão do
território, evidenciando o conflito subsequente que se instaura. Para realizar esta discussão, trazemos alguns
assuntos atuais que tem se destacado na mídia, aquecendo a polêmica em torno desse projeto.
Palavras-chave: Cais Mauá. Revitalização urbana. Urbanismo comercial.
RESÚMEN
El Pier Mauá es uno de los espacios públicos mas tradicionales de la capital gaucha. Con las actividades
portuarias suspendidas desde el año 2005, se ha convertido en el escenario de discusiones después de la
formación de una asociación público-privada, en la qual se incluyen capitales extranjeros y grupos de
renombre en la dicha regeneración de areas centrales. Con la gestión pública pensando las ciudades para un
mercado internacional competitivo, dirigido a la atracción de inversión extranjera, los mega-eventos y
turistas, el futuro de este espacio público comienza a ser cuestionado. La elaboración del proyecto incluye la
construcción de un shopping center, torres comerciales con servicio de hotel, centro de eventos,
aparcamiento, espacios para convenciones de negocios, y otros equipamientos para el comercio y consumo.
Teniendo el proyecto como punto de partida para el análisis, tenemos la intención de seguir los cambios en
curso en la zona del puerto, a fin de compreender la dinámica de reproducción del capital en la ciudad
contemporánea presente en esta nueva lógica de la gestión del território, evidenciando el posterior conflicto
que se desarrolla. Para llevar a cabo este análisis, traemos algunos temas de actualidad que se ha destacado en
los medios, calentando la controversia en torno a este proyecto.
Palabras Clave: Cais Mauá. Revitalización urbana. Urbanismo comercial.
1. INTRODUÇÃO
O presente texto consiste na comunicação de um esforço de atualização constante, através
de notícias nas mídias locais, sobre o andamento do atual projeto de revitalização Cais Mauá, às
margens do Guaíba, em Porto Alegre (figura 1). O cais do porto é um lugar de grande importância
na história da capital gaúcha, sendo protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Ambiental
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Nacional (IPHAN) e pelo Município. Seus armazéns, pórtico e guindastes fazem parte da paisagem
cultural de Porto Alegre, sendo esse um dos mais conhecidos pontos turísticos e cartão postal da
cidade.
Partiremos de uma breve contextualização do local, seguida pela apresentação e análise
crítica da política pública de gestão desse espaço e do projeto de revitalização do Cais, como
reprodutores de modelos globais de cidade que não são, necessariamente, bem vistos à escala local.
As polêmicas que o projeto de transformação do Cais Mauá tem suscitado estão na terceira parte
do trabalho: são notícias recentes, separadas em manifestações populares que contestam o tipo de
uso projetado para esse espaço, e questões ambientais, como as atuais cheias do Guaíba,
(des)consideradas no projeto.
Figura 1: Localização do Cais Mauá em Porto Alegre. Fonte: Google Maps.
A construção do porto fluvial de Porto Alegre teve início por volta de 1911. O Cais Mauá é
o trecho mais antigo, finalizado em 1927. Apesar de encontrar-se desativado desde 2005, propostas
de renovação do Cais Mauá apareceram já pela primeira vez em 1991. Só no ano de 2010, no
entanto, após duas décadas de especulações sobre o futuro do cais, o Consórcio Porto Cais Mauá do
Brasil foi habilitado para arrendar, por 25 anos, a área de 3.240 metros de comprimento, por meio
de uma parceria público-privada (PPP). O Consórcio é formado pela espanhola GSS Holdings (com
51% de participação), pela NSG Capital, do Rio de Janeiro (39%) e pela Contern, do Grupo Bertin,
de São Paulo, com 10% (FIGUEROLA, 2014). Desde novembro de 2013, a empresa Procon
Construções já está realizando obras no local, na primeira fase da obra, orçada em R$ 70 milhões. O
total do investimento será de R$ 570 milhões (CAIS, 2015). O projeto de revitalização, assinado
pelo escritório b720, do renomado arquiteto espanhol Fermín Vázquez (escolhido pelo seu “notório
saber”), prevê a instalação de bares, restaurantes, lojas, centro de eventos, clube e estacionametos.
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O consórcio afirma que este será o “primeiro Multiespaço Urbano Revitalizado do Brasil”
(CAIS MAUÁ, 2015). Ainda segundo informações divulgadas pelo consórcio, as operações
comerciais portuárias da cidade estão atualmente realocadas no Cais Navegantes, único trecho do
porto que ainda é utilizado para transporte de cargas. Isso se deve a uma inviabilidade técnica,
econômica e operacional: o pequeno calado, a estrutura operacional defasada e a ausência de
retroporto são algumas das causas elencadas para a inviabilidade técnica; as modificações
necessárias para readequação de infraestrutura de ordem técnica seriam também economicamente
inviáveis em função da baixa demanda; por fim, quanto aos aspectos operacionais, o Cais Mauá é
tombado como patrimônio histórico da cidade de Porto Alegre, o que impede o recebimento de
carga portuária.
Desta forma, selecionamos alguns apontamentos mais recentes, que consideramos
importantes no debate sobre o projeto de revitalização do Cais Mauá, para discutir sobre a lógica
que vem sendo reproduzida em outras cidades portuárias do Brasil e do mundo, de
refuncionalização desses espaços por meio do urbanismo comercial, do turismo, do lazer e do
consumo – e que, por essa razão, continua cercado de muita polêmica.
2. O PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DO CAIS MAUÁ
Apesar das diversas propostas que foram feitas ao longo dos anos para a refuncionalização
do Cais, inúmeras questões políticas e burocráticas impediram que algum projeto fosse determinado
e levado a cabo, anteriormente. O espaço vinha sendo utilizado, esporadicamente, em eventos como
a Bienal do Mercosul, a Feira do Livro de Porto Alegre e outros de menor porte, como festas e
bazares. A área chegou a ser utilizada durante a Copa do Mundo FIFA como local de encontro para
o público assistir aos jogos, patrocinado pela marca de cerveja Budweiser. Durante os 30 dias do
evento, o local foi denominado Embarcadero1
, e atraiu habitantes e turistas. Entretanto, mesmo em
períodos que os armazéns não estavam sendo utilizados em ocasiões como essas, o acesso à área
externa do Cais era mantido aberto ao público, que ocupava o local para caminhar, tomar
chimarrão, namorar e bater fotos, assistindo ao belíssimo pôr-do-sol do paralelo 30.
O projeto atual divide o Cais em três setores (figura 2): Docas, Armazéns e Gasômetro. O
setor Docas concentrará torres comerciais, infraestrutura de hotéis e um centro de eventos. O setor
Armazéns abrigará unidades de varejo, restaurantes e estacionamentos, e o setor Gasômetro se
transformará em um shopping center. As obras estão previstas para iniciar em 2016 (CAIS MAUÁ, 2015).
1 1 http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2014/07/com-sucesso-na-copa-embarcadero-tera-espaco-fixona-orla-do-guaiba-4552882.html
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Figura 2: Setores do projeto de revitalização. Disponível em: , acesso
em 10 Out. 2015.
O projeto arquitetônico de revitalização do Cais foi apresentado em 2011. A proposta visa,
de acordo com seus idealizadores, potencializar a região por meio de intervenções na área e no
entorno, como a implantação de ruas para pedestres e canteiros centrais com deques e mobiliário
urbano – fazendo a conexão com as áreas de praças e recreação do Cais, recuperação de fachadas,
nova arborização, trilho para implantação do bonde histórico, recomposição da pavimentação,
estacionamentos subterrâneos, ciclovias, entre outros. Em junho de 2013, a Prefeitura Municipal de
Porto Alegre entregou as licenças para o Consórcio Porto Cais Mauá do Brasil, dando ordem de
início para o restauro dos nove armazéns tombados pelo patrimônio histórico municipal. As
intervenções devem atingir um espaço de 20 mil m², que vai abrigar bares, restaurantes e lojas
(CAIS MAUÁ, 2015).
No local, está prevista a construção de um shopping center (figura 3), ao lado da Usina do
Gasômetro. Os armazéns tombados serão reformados para abrigar lojas, bares e restaurantes. O
espaço terá 4.000 vagas de estacionamento, uma ciclovia e área de circulação de pedestres, além de
uma linha de bonde. Onde hoje estão as docas serão construídas três torres, duas delas para o
business center, e uma para receber um hotel boutique (figura 4). O prédio do antigo frigorífico será
transformado em centro cultural. Já o muro da Avenida Mauá terá uma cortina de água, voltada para
a avenida, com uma parede coberta de vegetação pelo lado interno (CAIS, 2015). Para a aprovação
do projeto, foi necessária uma alteração no Plano Diretor da cidade, com vistas a aumentar o
potencial construtivo da área (FIGUEROLA, 2014).
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Figura 3: Imagem do shopping no projeto de revitalização do escritório de arquitetura b720. Foto: Jaime Lerner
Arquitetura e Engenharia/Divulgação. Disponível em: < http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2014/07/comsucesso-na-copa- embarcadero-tera-espaco-fixo-na-orla-do-guaiba-4552882.html>, acesso em 08 Out. 2015.
Figura 4: Imagem aérea com visão do projeto concluido. Fonte: O Cais Mauá no contexto histórico dos portos
hidroviários brasileiros. Disponível em: , acesso
em 10 Out. 2015.
2.1 Um modelo global
Pode-se afirmar que a atual Administração Municipal de Porto Alegre está adotando
abertamente a prática do empreendedorismo urbano, assim como o discurso do planejamento
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estratégico. Em uma entrevista enviada ao Observatório das Parcerias Público-Privadas – PPP Brasil
– o prefeito da capital, José Fortunati, afirmou sua simpatia por essa modalidade. Segundo ele,
hoje, pensar em administrar um país, estado ou cidade sem as PPPs não é mais
possível. É um instrumento importante de implementação e aprimoramento de
infraestrutura em serviços de interesse público, porque estabelecem um novo
modelo de associação entre o Poder Público e a Iniciativa Privada. Por meio das
PPPs é possível a realização de obras de grande porte e de longo prazo de
maturação, evitando riscos e incertezas, o que possibilita tornar os projetos mais
atrativos para o concessionário, e atender as demandas da população
(OBSERVATÓRIO, 2012, s.p.).
Na mesma entrevista, quando questionado sobre quais necessidades de Porto Alegre
poderiam ser equacionadas por meio de PPPs, o prefeito respondeu que
os porto-alegrenses poderão contar com melhores serviços públicos, através das
PPPs e conforme dispõe a legislação municipal e federal, em áreas vitais como
transporte coletivo, saneamento, tecnologia, saúde, estacionamentos, destinação
final do lixo e outros serviços e demandas que possam surgir no decorrer do
desenvolvimento das parcerias. Tudo isso poderá ser objeto de participação do
capital privado em sintonia com as necessidades da população e os projetos da
administração municipal (OBSERVATÓRIO, 2012, s.p.).
Além da política pública de renovação da _nal seguir esse modelo, o próprio projeto de
revitalização do Cais é inspirado em experiências internacionais e mesmo brasileiras de
transformação de portos marítimos e lacustres desativados em centros de compras e lazer. Em
matérias veiculadas pela imprensa local, em abril de 2014, a equipe técnica do projeto Cais Mauá
está buscando inspiração em outros projetos de renovação portuária no mundo. Foram visitados os
portos Victoria & Alfred Waterfront, na Cidade do Cabo, e Port Vell, em Barcelona. Outras visitas
deverão ser ainda realizadas no Porto Antico, em Genova, e no Inner Harbor, em Baltimore, sendo
este _nalys a maior referência para o projeto de Porto Alegre.
São explícitas as similaridades do projeto do Cais Mauá com outras revitalizações
portuárias realizadas em cidades como Buenos Aires, Londres e Baltimore, por exemplo. O
escritório b720 é especializado nesse tipo de intervenção urbana, já tendo realizado obras em
Marseille, na França, na Finlândia, na China e outros lugares do mundo (OTTAGONO, 2013). Na
página _nalyses do Cais Mauá na internet, em notícia intitulada “Projeto Cais Mauá – Verdades e
Mitos sobre a revitalização”, do dia 1º de setembro de 2014, a afirmação sobre o projeto ser
inspirado em modelos internacionais de revitalização portuária foi confirmada como verdade:
Portos importantes pelo mundo que foram revitalizados servem de referência para
o Projeto Cais Mauá. O Porto Antico, em Gênova, por exemplo, tem um
importante centro de congressos e eventos e uma feira _nalyses, enquanto o Port
Vell, em Barcelona, contempla, em sua operação, o Imax Aquarium, o maior
aquário da Europa, e um grande complexo de edifícios-escritórios que se integra
ao empreendimento. O objetivo não é imitá-los, mas trazer para Porto Alegre
soluções de empreendimentos integrados e de multiuso em pleno centro histórico
(CAIS, 2014, s.p.).
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Com relação ao referencial teórico, nossa pesquisa se apoia em trabalhos da Geografia
Urbana e Política e, mais especificamente, sobre as transformações globais que influenciam hoje a
gestão do território, com base em autores como David Harvey, que trata da _nalyses_l
urbana, Fernanda Sánchez, que discorre sobre a reinvenção das cidades para um _nalyse mundial,
Neil Smith, que aborda a gentrificação como processo de enobrecimento dos espaços centrais e Ana
Fani Alessandri Carlos, que trabalha com a concepção de cidade como negócio.
Segundo Harvey (2005), o processo de feitura da cidade, no capitalismo tardio, é tanto
produto quanto condição dos processos de transformação da _nalyses_l urbana. Os governos
municipais, nessa fase, são inclinados a adotar uma postura empreendedora em relação ao
desenvolvimento econômico, visando maximizar a atratividade local como chamariz para
investimentos estrangeiros, megaeventos e grandes projetos urbanísticos. É nesse sentido que o
autor fala de “empresariamento urbano”, um modo de planejar e gerir a cidade que visa atender a
diversos mercados como o financeiro, o cultural, o turístico, o das corporações multinacionais, o do
consumo de alto padrão, entre outros. Dessa forma, no regime capitalista de acumulação flexível, a
cidade é reinventada para permitir a expansão do capital. Emerge, assim, a “cidade-mercadoria”, ou
seja, a cidade vendida como produto no _nalyse mundial, no qual “o espaço abstrato – o espaço do
valor de troca – se impõe sobre o espaço concreto da vida cotidiana – o espaço do valor de uso”
(SÁNCHEZ, 2010, p. 44).
Considerando que “os modos de produção escrevem a História no tempo e as formações
sociais escrevem-na no espaço” (SANTOS, 1977, p.88), podemos afirmar que o modo de produção
capitalista deixa seus traços característicos no território. É no espaço material que se funda a forma
urbana, a partir do qual se pode _nalyses formas antigas herdadas de outros períodos históricos e
conceber, a partir do momento atual, àquelas projetadas para o futuro. Assim, o movimento de
evolução da sociedade se dá junto à evolução do espaço. É nesse contexto que o termo
“revitalização” vem sendo amplamente utilizado nos discursos _nalyses_ e pela grande mídia,
ocultando uma conotação de classe (e posterior segmentação socioespacial) que esse tipo de
intervenção urbana desencadeia. Neste contexto, Nigro (2010, p. 76) afirma que as revitalizações
têm por objetivo valorizar e refuncionalizar o patrimônio histórico e arquitetônico das cidades,
sendo executadas, na maioria dos casos, sobre _naly pontuais do espaço urbano, com vistas à
readequação _nalyses_l, à valorização imobiliária e ao incremento do consumo, por intermédio de
financiamentos e parcerias com a iniciativa privada. Sánchez também vai ao encontro desta visão,
pois o atual padrão de investimento, gestão e produção do espaço urbano se encontra determinado
pelo padrão contemporâneo de produção da riqueza, cuja lógica expansiva atinge seletivamente
alguns fragmentos das cidades, onde são promovidos os projetos de renovação. Desse modo, a
reestruturação econômica se faz, necessariamente, por meio da reestruturação do espaço e da
reestruturação da gestão da cidade (SÁNCHEZ, 2010, p. 347).
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Assim como a mercantilização urbana, a privatização do espaço público é um reflexo do
empreendedorismo urbano. É por isso que, para Serpa (2011), os novos padrões de lazer e consumo das
classes _nalys, associados a shopping centers, clubes privados e equipamentos em condomínios
fechados, são os motores das transformações urbanas em _naly industriais, residenciais ou comerciais
degradadas, que as “reintegram” para _nalys à lógica capitalista de produção do espaço. Essas
transformações globais na gestão do território acabam, indiretamente, levando a um processo de
valorização do solo urbano na _nal renovada e entorno. Por isso, no que diz respeito à base _nalyses, a
expansão econômica ocorre hoje não por meio da expansão geográfica absoluta, mas pela diferenciação
interna do espaço geográfico. A produção do espaço urbano é, portanto, um processo acentuadamente
desigual. A gentrificação, a renovação urbana e o mais amplo e complexo processo de reestruturação
urbana são todos parte da diferenciação do espaço geográfico na escala urbana (SMITH, 2007).
Gentrificação, portanto, expressa uma “definição de fronteiras de classe por meio da
intervenção _nalyses” (SÁNCHEZ, 2010, p. 489), eliminando, pelo menos de vista, a segmentação
socioespacial, os conflitos e as desarmonias, através da criação de cenários de prosperidade e
limpeza. Para que o capital se reproduza neste contexto de estratificação social, que produz a
desigualdade de acesso à metrópole, a acumulação do capital não se dá mais somente no espaço,
mas tem nele próprio um fim, através dos fundos de investimento globais e das grandes
corporações. Assim, espaços tidos como ociosos para o capital (com destaque para os espaços
centrais) se vêem alvos do setor privado: este perpetua modelos globais de arquitetura de assinatura,
ampliando as condições que propiciam o aumento do turismo e dos negócios. Esta lógica,
evidenciada por Ana Carlos, encontra-se descrita da seguinte forma:
O urbano como negócio reproduz, por meio da atividade do turismo, a “cidade
dos negócios” como produto turístico – das feiras, compras, congressos etc. –, em
que a produção do espaço turistíco _nalyse-se como ponta de lança para a
reprodução capitalista da cidade, sendo _naly para os processos de
renovação/revitalização urbana que inauguram novas possibilidades de
acumulação por meio da destruição/reconstrução dos espaços urbanos, sobre tudo
do centro, embora não exclusivamente (CARLOS, 2015, p. 10).
Produzir a cidade como negócio é, concomitantemente, a partir da diferenciação do acesso
pela distinção de diferentes classes de poder aquisitivo, produzir a segregação (ALVAREZ, 2015).
O processo que colocou o capital industrial em posição secundária transforma a cidade no espaço de
reprodução do capital financeiro, de forma que a importância das _naly centrais se efetiva na
existência de centros de _nalyses para os diversos serviços especializados. Neste panorama, as
metrópoles de importância secundária, como Porto Alegre, buscam se equiparar às metrópoles
globais, como Barcelona, cujo modelo de porto inspira diversos projetos ao redor do mundo. Com o
espaço assumindo característica de setor econômico, a revitalização de _naly portuárias pode ser
compreendida dentro da lógica evidenciada a seguir:
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[…] é possível dimensionar a importância da produção do espaço, que se
converte em um setor econômico de suma importância à reprodução capitalista,
como amortecedor da crise de acumulação e, ao mesmo tempo, como produtor de
um novo urbano, cujo sentido hegemônico é o da viabilização da reprodução do
valor […] destituindo, cada vez mais, as cidades de seu conteúdio histórico, suas
referências eespaços públicos de sociabilidade para elevar ao sentido mais
profundo o próprio espaço como mercadoria (ALVAREZ, 2015, p. 70).
Neste contexto, é importante _nalyses que não se pode _nalys de uma subjugação do papel
do Estado pela iniciativa privada na reprodução do espaço. O primeiro, como ente administrador do
bem público, tem participação central no diálogo com as demandas do _nalyse, entre os quais
encontram- se os promotores imobiliários, incorporadoras, empresários, proprietários fundiários,
entre outros. O Estado é, assim, além de produtor, um mediador entre as diferentes categorias que se
apropriam do espaço urbano para consumo, através dos instrumentos jurídicos sob sua alçada e
regulações e planos elaborados (e alterados) _nalyse.
3. CONTROVÉRSIAS ACERCA DO PROJETO
Nessa parte, apresentaremos elementos que problematizam o projeto atual do Cais.
Levantamos inicialmente informações sobre mobilizações poulares contrárias ao projeto do Cais e
faremos uma breve reflexão sobre o poder das redes sociais na contemporaneidade. Por fim,
trataremos de uma questão bastante óbvia mas, normalmente, negligenciada: a das possíveis cheias
no Guaiba e a surpreendente ausência de propostas consistentes para prevenir o problema de
inundações, na proposta atual para o Cais.
De acordo com material publicado no endereço eletrônico do GEU (Grupo de Estudos
Urbanos), citado como uma das empresas contratadas para o andamento do projeto, observa-se o
discurso vigente na obra de renovação. Na nota intitulada Renascimento Urbano, segue: “O sucesso para
um projeto de renascimento urbano sustentável nos velhos centros das grandes cidades é a atração de
empresas de grande porte, que irão desempenhar o papel de ancoras, garantindo o fluxo constante de
pessoas todos os dias” (GEU, 2015). E na seção intitulada Vocação das Cidades, o fragmento: “[…]
busca de modelos de cooperação multimunicipal para a exploração de vocações regionais e,
principalmente, por intenso ativismo dos governos locais que são chamados a desempenhar um papel de
empreendedorismo catalisador da ação dos agentes econômicos do setor privado” (GEU, 2015). Ainda,
no endereço eletrônico do projeto Viva Cais Mauá, consta o dado de que “cerca de 30 mil pessoas
passam de carro pela frente do complexo diariamente” (CAIS MAUÁ, 2015), de onde podemos elencar
dois itens: a prioridade dada nas _nalyses de viabilidade para o usuário do veículo particular e o grande
contingente que já transita pelo referido espaço antes do pontapé incial da obra, trazendo à reflexão a
escolha do termo “revitalização”, que pressupõe morte e esvaziamento.
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3.1 Pressão social
A área do Cais está interditada ao público devido a questões de segurança na obra, segundo
informação da página oficial. Apenas o acesso ao Catamarã, que liga a cidade de Guaíba ao centro
da capital, está aberto ao público. Nesse espaço, grupos contrários à privatização do Cais (como o
“Cais Mauá de Todos” e a “Defesa Pública da Alegria”, por exemplo) têm realizado encontros,
festas e shows, desde o ano passado, com o objetivo de afirmar que o espaço público não deve ser
entregue à iniciativa privada. Atualmente, o Cais Estelita, em Recife, também recebeu
manifestações do gênero, em função de ter sido arrendado por meio de uma Parceria PúblicoPrivada. E o porto da cidade do Rio de Janeiro irá se tornar o Porto Maravilha, depois de passar pelo
mesmo processo de revitalização urbana, por meio de uma PPP.
O Grupo "Cais Mauá de Todos" reuniu, em setembro de 2015, mais de 6500 assinaturas
contrárias à forma como a revitalização está ocorrendo. De acordo com o grupo, que se articula nas
redes sociais, há irregularidades e ilegalidades no processo referentes à licitações, contratos,
sucessivas alterações de razão social das empresas envolvidas no consórcio e outras alegações.
Entre os impactos negativos, cita-se o aumento expressivo do tráfego de veículos no entorno, a
derrubada de 330 árvores, algumas delas fora do perímetro arrendado pelo consórcio e a demolição
de um armazém (Armazém A7).
Um dos fatos que gerou polêmica acerca do projeto foi a escolha de local para audiência
pública, no Grêmio Náutico União, um clube localizado no bairro Petrópolis, bastante afastado do
centro da cidade e inserido em uma área nobre da cidade. Essa escolha locacional foi criticada por
setores contrários ao projeto, sob a alegação de que o referido clube, enquanto apoiador do projeto e
um dos espaços de sociabilidade da alta renda mais tradicionais de Porto Alegre, não propiciava um
ambiente de igualdade no debate acerca das divergências e irregularidades do projeto de revitalização.
Figura 3: Presença do grupo Cais Mauá de Todos na Audiência Pública. Fonte: acervo dos autores
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3.2 Questão ambiental: precipitações de outubro
O mês de outubro de 2015 concentrou níveis de precipitação elevados no estado do Rio
Grande do Sul, que atingiram principalmente as cotas mais baixas da cidade, na qual se inclui a orla
do Guaíba. Estima-se, de acordo com o jornal Zero Hora, que no dia doze do referido mês, o
nível da água atingiu 2,89m, o maior nível em 74 anos. É, portanto, a marca que rivaliza com a
famosa enchente de 1941, que devastou a cidade. Autoridades locais afirmaram que se o nível
chegasse a três metros, o Cais Mauá poderia ser alagado. Com o movimento das águas, uma parte
dos armazéns foi atingida, como podemos observar na Figura 7.
Entre as polêmicas do projeto de revitalização, destacamos a má conservação das estruturas
no sistema contra cheias em Porto Alegre, evidenciadas no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório
de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)2
. Estima-se que o passeio público da Orla, também ainda em
fase de elaboração no projeto, estaria debaixo d'água caso concluído no momento da precipitação
intensa.
Com o aumento da frequência de episódios desta magnitude, questiona-se também a
confiabilidade nos equipamentos previstos no projeto, uma vez que os danos causados em situações
como a do mês de outubro de 2015 acarretam custos e prejuízos aos cofres públicos.
Figura 4: Vista aérea do Cais com a cheia do Guaíba em Outubro de 2015. Fonte:
Acesso em: 12 Out. 2015
2
http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2015/10/nivel-do-guaiba-atinge-maior-marca-em-74-anos4876138.html
Anais do XI SEUR e V Colóquio Internacional Sobre Comércio e Consumo Urbano
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Figura 5: Pórtico do Cais Mauá alagado com as chuvas de Outubro de 2015. Fonte:
Acesso em: 12 Out. 2015
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não podemos considerar o tema encerrado, visto que o debate em torno da revitalização do
Cais está aberto e, frente aos últimos acontecimentos climáticos, possivelmente muito do projeto
ainda precisará ser revisto. Desta forma, com base nos apontamentos expostos, entendemos que a
polêmica em torno do modo como a área está sendo transformada demonstra que as teorias estão
“certas”: a atual administração municipal está planejando e gerindo Porto Alegre ou, pelo menos, o
Cais Mauá, de acordo com um modelo estratégico internacional, baseado no empreendedorismo
urbano, que se dá de forma pouco democrática, que desconsidera a opinião pública local e que
minimiza importantes questões ambientais.
Se o projeto de renovação do Cais for realmente executado conforme previsto, esse poderá
se tornar um ícone arquitetônico e urbanístico na paisagem de Porto Alegre, contribuindo para
fortalecer a imagem da cidade no mercado mundial. Esse novo espaço voltado para o consumo e o
lazer das classes média e alta, e com forte potencial turístico, trará grandes retornos aos investidores
financeiros e imobiliários, que lucrarão direta e indiretamente com a valorização da área e do seu
entorno. Muitos portoalegrenses também estão contentes com a obra, pois poderão usufruir de mais
um espaço de compras e lazer, com segurança e ar condicionado. Esse, no entanto, não será um
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lugar para todos, como os shopping centers não são, vide o fenômeno dos “rolezinhos”,
ocorridos no início do ano passado, em diferentes capitais. Os eventos organizados de maneira
independente também demonstram que os espaços públicos precisam ser democráticos em seu
planejamento, uso e gestão.
Além disso, com investidores estrangeiros e de outras partes do Brasil, outra coisa que fica
evidente é que os maiores ganhos com a exploração da área serão levados para fora da cidade. A
configuração do consórcio e a própria concepção do projeto demonstram que o novo Cais Mauá terá
muito pouco de local. Resta ainda avaliar o quanto a transformação do Cais trará de aumento no
valor dos imóveis do entorno, provocando uma possível elitização do Centro Histórico.
A pressão popular, notadamente dos grupos que estão mobilizando protestos via redes
sociais, assim como a questão das cheias do Guaíba, que voltaram à tona nos últimos dias, mostram
que essa é mesmo uma área em disputa e com um futuro incerto. A cidade que ficou famosa pelo
Orçamento Participativo e por ter sediado o Fórum Social Mundial voltou para as notícias
internacionais com a Copa do Mundo de Futebol, em 2014. Será que Porto Alegre virá a ser
comentada novamente, agora pelo seu futuro “Multiespaço Urbano Revitalizado” à beira do Guaíba
(talvez ainda poluído)?
polêmicas sobre a revitalização do cais mauá, porto alegreperiodicos.ufpel.edu.br › download
5. REFERÊNCIAS
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