1 de mai. de 2012

Turismo e trabalho de Domenico De Masi

Turismo e trabalho

*O crescimento da demanda turística. A segmentação da demanda turística. A lei de Gresham a respeito do turismo. Turismo de massa, turismo de classe. As carênciasda hospitalidade. As esperanças ocupacionais. As necessidades de formação. Conclusões

Domenico De Masi - Professor e filósofo italiano

“Existem no mundo mais de 800 milhões de pessoas com direito a 30 dias de férias por ano. Pelo menos 10% delas ganham mais de US$ 150 mil/ano, com uma propensão de despesa, durante as férias, de até US$ 500 per capita/dia. Desses 80 milhões, cerca de 10% são cultos e de gostos refinados: ‘turistas de elite’. Se a estes somarmos um par de milhões de gente menos rica, mas culturalmente apaixonada, chegamos ao número de 10 milhões de pessoas que fazem ‘turismo consciente’. Não há destino que não queira apropriar-se desse segmento, mas poucas regiões no mundo estão aptas para conquistá-lo.”
* Tradução de Giorgia Brazzarola



O futuro nos reserva a sociedade do tempo livre, centrada na cultura, no turismo e na diversão. Sua fruição criará oportunidades de negócios e novas ocupações. Em todo o mundo, vão se beneficiar os destinos que melhor souberem organizar a atividade, valorizando atrativos e adequando a oferta, com excelência nas operações de reserva, deslocamento e hospitalidade.
O crescimento da demanda turística
Aos nossos bisavôs, que viviam 300 mil horas e trabalhavam 120 mil, tirando o tempo dedicado ao trabalho, restavam somente 180 mil horas para dormir, comer e fazer todo o resto. Graças ao aumento da expectativa de vida, a nós, que vivemos em média 700 mil horas e trabalhamos 80 mil, restam 620 mil horas. Aos nossos filhos restarão 760 mil.
Durante o século XVII, o tempo livre de um cidadão de posses medianas era de 25 mil horas; em 1945 passou para 45 mil horas; em 1975 subiu para 135 mil horas; em 2000 chegará a 170 mil horas. Tudo isso nos permite pensar que as crianças de hoje, sendo mais longevas e escolarizadas que nós, viverão mais tempo (cerca de 800 mil horas), trabalharão ainda menos, dedicarão um tempo maior (300 mil horas) à própria escolarização, ao ócio ativo, ao enriquecimento cultural, à participação e ao prazer estético.
Uma série sempre mais rica de fatores concorre, então, para incrementar a demanda pelo turismo. Sintetizando, esses fatores podem ser assim elencados:
* Aumento da expectativa de vida;
* Maior destreza física e intelectual mesmo em idade avançada;
* Redução dos horários de trabalho (muitos países estão experimentando semanas de 35 horas de trabalho);
* Maior flexibilidade dos horários de trabalho, tornando mais comum adequar os compromissos profissionais para encontrar espaços dedicados ao tempo livre e ao turismo;
* Rápido crescimento econômico de muitos países em vias de desenvolvimento;
* Escolarização de todos os que pertencem à faixa de renda médio-alta;
* Papel de “novo esperanto” exercido pela língua inglesa, sempre mais difundida em todo mundo;
* Desenvolvimento dos meios de transporte, o que torna mais rápidos e menos dispendiosos os deslocamentos;
* Desvinculamento das férias de um período fixo (temporada, estação), sobretudo as “férias de verão”, ligado à substituição de um único bloco de férias por períodos menores distribuídos ao longo do ano (time squize);
* Difusão de novos e mais sedentários métodos de trabalho (teleconferências, teletrabalhos), que requerem mais atividade física durante o tempo livre;
* Solidão, sobretudo dos idosos, que leva à socialização através do turismo;
* Presença, cada vez mais maciça, de um novo tipo de sujeito social, constituído por desempregados cultos e abastados, que tendem a enriquecer o próprio tempo com o chamado nomadismo.
A segmentação da demanda turística
Delineia-se, então, uma sociedade do tempo livre, centrada na cultura, no turismo e na diversão, cuja fruição cria legítimas ocasiões de empreendimento econômico e de oportunidades de trabalho. Hoje, já existem no mundo mais de 800 milhões de pessoas com direito, a cada ano, a 30 dias de férias, e tudo leva a pensar que haverá um rápido crescimento quantitativo da demanda turística. Trata-se de averiguar como é segmentada esta massa, já enorme, de potenciais turistas, que necessidades apresenta cada segmento, como satisfazê-las, através de quanta força de trabalho e de que tipo de profissionais.
Em um guia de turismo de década de 1920, encontrei esta frase: “Para visitar o Egito são necessários somente três meses”. Hoje os folhetos de divulgação das agências, com sistema “all inclusive”, prometem visitar todo o Egito em apenas três dias. À chegada do turismo de massa e do turismo rápido corresponde a degradação – visível e talvez irreversível – dos destinos turísticos, progressivamente despidos de dignidade.
Suas histórias, seus panoramas, seus monumentos, suas tradições culturais são, muitas vezes, extraordinários como em nenhum outro continente; a presença de todos esses raros elementos faz deles um unicum jamais repetível. Mesmo assim, sob a pressão da trivialidade de massa, essas localidades acabam se tornando banais, subestimadas, liquidando a si mesmas, reduzindo as próprias potencialidades ocupacionais.
Para a maioria daqueles que organizam o turismo de massa, o público-alvo de referência é constituído por uma massa impessoal – a gente – isto é, uma espécie de fera gigante de infinitas cabeças, esfomeada, rude, para ser cortejada o quanto baste para explorá-la, manipulá-la; o quanto baste para confirmá-la em seus defeitos, evitando aumentar, mesmo que pouco, os gostos e os desejos. Por sorte, nem todos os turistas entram nesse tipo ideal que a mídia bajula e clona ao infinito. Por isso, toda política de turismo cuidadosa deve partir de uma precisa segmentação de seu mercado a fim de elevar as necessidades da faixa culturalmente baixa e corresponder às necessidades da faixa culturalmente alta.
Os 800 milhões de pessoas que – como disse – já hoje desfrutam dos 30 dias de férias por ano não confluem todos para o turismo de massa. Pelo menos 10% deles – isto é, 80 milhões de pessoas – dispõem de uma renda superior a 150.000 dólares anuais, com uma propensão de despesa, durante suas férias, que pode chegar a 500 dólares per capita ao dia. Desses 80 milhões, pelo menos 10%, além de serem ricos, também são cultos e de gostos refinados, não coincidem quase nunca com o que os cronistas chamam “mundanidade”, sabem muito bem o que querem e querem somente coisas excelentes.
Em outros termos, a divisão da sociedade em classes, com a relativa distribuição iníqua de privilégios, comporta que a parte mais rica coincida, mesmo que parcialmente, com a parte mais escolarizada, educada e, por isso, atenta à escolha das próprias opções turísticas, das quais almeja um bom mar de manhã, arte à tarde, concertos e teatro à noite, lugares requintados e ocasiões raras, cozinha sofisticada, atracadouros cômodos, hospitalidade cordial, mas não invasiva, respeito pela privacidade sem, porém, a angústia da solidão. Por comodidade os chamaremos de “turistas de elite”.
Mas, se a estes 8 milhões de privilegiados econômica e culturalmente acrescentamos um par de milhões de pessoas menos ricas, mas culturalmente apaixonadas, dispostas a sacrificar outros consumos pelos consumos de natureza intelectual, chegamos a calcular aproximadamente o número completo daquela categoria que podemos chamar de “turismo consciente”.
Não há localidade turística no mundo que não queira apropriar-se desse segmento turístico (dez milhões de pessoas ricas, cultas, apaixonadas) mas, na realidade, somen-te poucas áreas são simultaneamente dotadas de recursos naturais, artísticos e organizativos para conquistá-lo. Muitas áreas do Brasil podem se candidatar como destinos privilegiados desse turismo consciente, a partir do momento em que grandes e pequenas pérolas paisagísticas e antropológicas – cada uma pelas próprias especificidades e todas juntas pelas suas complementaridades – dão vida a uma rede de trabalho ideal, talvez única no mundo.
Conforme se afasta do precioso núcleo dos turistas “conscientes”, se chega ao turismo de massa composto de multidões inconscientes e transitórias, domesticadas ao “pega e sai”, ao “usa e joga fora”, fácil de seduzir através de uma cuidadosa combinação de super-atrações efêmeras e de astuta comunicação. Essas massas apreciam o barulho, a multidão, o fast-food, o vistoso, o televisivo, o cinematográfico, o gigantesco, o superficial. Para eles, uma discoteca, um restaurante, uma praça tornam-se mais atraentes quanto mais altos forem os decibéis, e mais chamativas as placas luminosas. A característica desses turistas reside em visitar as regiões e ver as coisas de maneira superficial, com a máxima velocidade e pelo preço mínimo, sem nunca penetrá-las, entendê-las, apreciá-las: estão lá, mas não se dão conta e já pensam em correr para outro lugar, alheios aos outros e a si mesmos. Os chamaremos de “turistas alheados”. (Ver quadro na página ao lado.)
As duas categorias coincidem somente em parte com aqueles que hoje, em Sociologia, são chamados de “pós-turistas” e “turistas tradicionais”. Os primeiros são viajantes habituais, que sabem se mover com desenvoltura de uma localidade a outra, sabem avaliar, com habilidade, as ofertas disponíveis de serviços turísticos, se adequar, com rapidez, às novas tecnologias de informação, sabem acatar rapidamente os estímulos do mercado. Os do segundo tipo viajam menos e privilegiam os melhores destinos do turismo clássico, para se distinguir de todos os outros por meio do consumo de serviços prestigiosos. Todos desejam variações de destinos, flexibilidade organizativa, rapidez e eficiência nas operações de reserva, deslocamento e fruição.
A lei de Gresham a respeito do turismo
Entre os “turistas conscientes” e os “turistas alheados” não há compatibilidade: por uma espécie de lei de Gresham1, o turista ruim expulsa o bom, e a comunidade anfitriã decai. Instaura-se, portanto, um círculo vicioso que liga o devastador “turismo alheado” ao hoteleiro ou ao taberneiro míope e rapace; da mesma forma como um fecundo círculo virtuoso liga o “turismo consciente” às estruturas que o hospedam, chamadas a responder às suas exigentes expectativas, com recepção conotada pelo respeito recíproco, bom gosto e boas maneiras.
1 Sir Thomas Gresham (1517-79) disse: “O dinheiro ruim expulsa o bom”.
Esse círculo virtuoso pressupõe uma fertilização cultural tanto dos anfitriões quanto dos hóspedes, alimentada pelo comportamento civilizado de “uma população que melhora a si mesma para se oferecer, em seguida, ao olhar dos turistas”, como escreveu o sociólogo Nicolò Costa.

Turismo alheado
(790 milhões de pessoas)
* Multidão, massa, intromissão
* Estranhamento dos lugares
* Relações impessoais
* Barulho, confusão, sujeira
* Mono-atrações, mega-atrações
* Rapidez, “usa e joga fora”
* Superficialidade
* Viagens organizadas, inclusive tour
* Ostentação
* Imprecisão, desleixo
* Preços baixos
* Fast-food, lanchonetes
* Marginação dos “conscientes”
* Círculo vicioso anfitriões-turistas
Turismo consciente
(10 milhões de pessoas)
* Privacidade
* Enraizamento nos lugares
* Relações pessoais
* Silêncio, ordem, limpeza
* Multi-atrações
* Lentidão, compras de qualidade
* Consciência
* Viagens auto-organizadas
* Requinte
* Cuidado nos detalhes
* Preços adequados à alta qualidade
* Culinária refinada e genuína
* Marginação dos “alheados”
* Círculo virtuoso turistas-anfitriões

Além disso, quanto maior o crescimento da população de “turistas alheados”, maior a incompatibilidade não somente com os “turistas conscientes”, mas também com a parte melhor da população anfitriã: quem reside em um centro histórico, ou em um país de raras belezas, deseja preservar seu silêncio, a ordem, a limpeza, está disposto a empenhar-se também em ações de longa duração para a valorização de seu patrimônio natural e cultural.
Quem, ao contrário, chega ao mesmo centro para permanecer por poucas horas, quer tirar dele o maior número de sensações superficiais com o menor custo de empenho e de dinheiro. Somente os operadores, os hoteleiros e os comerciantes mais míopes vêem positivamente essa horda de visitantes bate-e-volta, que não quer saber nada sobre história, cultura ou conservação da natureza.
Turismo de massa, turismo de classe
Como dissemos, na atual sociedade pós-industrial, o tempo livre e as atividades culturais adquirem uma importância sempre maior, tanto para os indivíduos quanto para o sistema socioeconômico. As férias e o turismo constituem o lugar conceitual em que os “turistas conscientes” celebram o casamento entre o tempo livre e a cultura. O lugar material dessas núpcias é constituído por aquelas poucas áreas do mundo capazes de oferecer, ao mesmo tempo, natureza, cultura, organização, candidatando-se à conquista do segmento mais rico e/ou mais culto do turismo internacional.
Com isso, não se pretende desprezar o turismo de massa: pretende-se somente apontar para a necessidade, por parte de cada região turística, de recortar o segmento de mercado mais apto para as suas próprias condições objetivas. Por exemplo, as amplíssimas praias e a imponente infra-estrutura hoteleira da Bahia lhe permitem hospedar centenas de milhares de turistas, sobretudo jovens, em busca de diversão, dotados de médio poder aquisitivo e concentrados em um período mínimo de tempo. Já Paraty ou Tiradentes, com suas conformações paisagísticas, e com suas pousadas necessariamente pequenas, podem hospedar somente um número fechado de turistas, em busca de paz, arte e privacidade, e dotados de alto poder aquisitivo, distribuídos em todo período do ano.
A Bahia é o estuário do imenso rio turístico do continente americano: o preço acessível contribui para o aumento contínuo de fluxo. Paraty e Tiradentes, com suas conformações e sua limitada receptividade, tenderão a um número fechado de clientes refinados: por causa da limitação de vagas, buscarão aperfeiçoar mais seus próprios serviços, de forma a poder exigir preços altos de uma elite mundial de pessoas cultas e de classe.
O turismo cultural e de classe é como a floricultura: necessita de cuidados constantes, apaixonados, diferenciados no tempo e apropriados para as diversas plantas. Necessita de infra-estruturas receptivas, pequenas e refinadas, empregados educados e preparados, atualização tecnológica contínua, qualidade total.
O turismo de massa, por sua vez, é como a agricultura extensiva: necessita de grande atenção em relação às correntes internacionais, ao mercado monetário, ao câmbio, ao sistema de transporte coletivo, à rede dos operadores de turismo, ao calendário dos grandes eventos esportivos, lúdicos e religiosos. Necessita de grandes infra-estruturas receptivas.
Em ambos os casos, é preciso saber subtrair clientes de uma concorrência internacional sempre mais aguerrida. E se isso vale hoje, valerá mais ainda nos próximos anos, quando a economia verá emergir países imensos como a Índia, a China e o próprio Brasil. Com tudo isso deve saber lidar o Brasil, que herdou, das gerações passadas, lugares, marcas e estilos de máximo prestígio, que merecem salvaguarda e valorização, também econômica.
As carências da hospitalidade
Se relermos os diários dos grandes viajantes do Século XVIII, de Charles Burney a Edward Gibbon, de Goethe a Saint-Non, podemos obter notícias úteis sobre como eram recebidos, naquele tempo, na Itália, os aristocratas estrangeiros que a visitavam durante seus Grand Tour2, e quais diferenças existem entre a atual organização da hospitalidade e aquela de duzentos anos atrás. Goethe, por exemplo, chegou a Nápoles em 25 de fevereiro de 1787, vindo de Roma, e se instalou numa estalagem do centro, que descreveu da seguinte forma: “Tomamos lugar em uma espaçosa sala exatamente na esquina, que oferece uma vista aberta e prazerosa sobre a praça sempre em movimento: uma varanda de ferro dá a volta ao redor de muitas janelas e contorna também a quina... A sala possui uma alegre decoração, sobretudo a abóbada, cujos muitos arabescos, em outras tantas gavetas, preanunciam a proximidade de Pompéia e de Herculano. Tudo isso seria ótimo, mas não dá para ver nem uma lareira e nem um braseiro, enquanto fevereiro faz sentir suas razões mesmo nesse mês, eu não via a hora de poder me aquecer”.
2 Longas viagens que jovens europeus realizavam com objetivo de assimilar cultura, estudar etc.
Depois, Goethe descreve os expedientes usados para se defender do frio sem, todavia, poder evitar a gripe: uma rudimentar esteira sobre o pavimento, um imponente braseiro contra a chegada do gelo, um contexto muito mais doméstico que hoteleiro. Um mês mais tarde, em 22 de março, o ilustre hóspede de Nápoles anota: “Seria uma excelente estada, se fosse possível encontrar alguma mínima comodidade. Para elogiar a posição da cidade e a tepidez do clima, não há palavras suficientes, mas essas são também as únicas coisas sobre as quais pode contar o forasteiro”.
Qual é o mínimo denominador comum de todas as preciosas informações que se obtém dos diários do Grand Tour? Que os habitantes das várias regiões turísticas são indicativamente hospitaleiros, mas as ofertas coletivas são inadequadas em relação às expectativas dos hóspedes. Isto é, existe por um lado uma diferença entre as belezas fornecidas pela natureza e as corteses inclinações das pessoas e, por outro lado, as estruturas e as regras adotadas pelos nossos contemporâneos: “Um paraíso habitado por diabos”, dirá Goethe, como se uma espécie de entropia progressiva tivesse, pouco a pouco, degradado as capacidades criativas, o bom gosto, a qualidade de vida, a relação entre os homens e as coisas.
O fato é que, até o momento em que o turismo permaneceu um fenômeno exíguo, reservado aos aristocratas de sangue e de intelecto, os esforços individuais de cada hoteleiro ou de cada guia turístico podiam até compensar as carências de estradas, limpeza, aquecimento, transportes.
Hoje, que o turismo é difundido em nível de massa, e que na massa é preciso segmentar os vários tipos de clientes aos quais adequar outros tantos tipos de recepções, a boa vontade e o bom senso dos indivíduos não são mais suficientes e acabam tornando mais evidentes as carências organizativas e ocupacionais do sistema.
Naturalmente, tanto na Itália quanto no Brasil, existem contrastes entre as diferentes regiões, e algumas têm feito notáveis esforços para criar estruturas coletivas de boa qualidade, ofertas adequadas, coordenação de diferentes operadores. Mas o caminho a ser percorrido é ainda muito longo e a subutilização dos recursos naturais e culturais permanece ainda enorme.
Muitos turistas americanos e japoneses, deixando a Itália ou o Brasil, depois de umas férias dispendiosas, poderiam ainda repetir as mesmas coisas escritas duzentos e tantos anos atrás por Goethe, durante a viajem a Nápoles: “Seria uma excelente estada, se fosse possível encontrar alguma mínima comodidade”.
As esperanças ocupacionais
A demanda turística está em progressivo aumento e tudo leva a pensar que continuará também no futuro próximo; a oferta de serviços e estruturas turísticas é inadequada e, portanto, há espaço para uma espécie de expansão. É, então, legítimo que, esvaídas as ilusões ocupacionais no setor industrial, onde aumenta a produção, mas diminuem os especialistas, se olhe com esperança sempre maior para o setor turístico como o precioso recurso de geração de emprego.
No Brasil, como já mencionamos, existem os pressupostos para um desenvolvimento do setor turístico: belezas naturais, do clima, da cultura; a variedade de condições geográficas, desde as florestas até o mar, dos desertos às metrópoles.
Dada a natureza do trabalho turístico, pouco delegável às máquinas e geograficamente entrelaçado aos lugares onde existem recursos naturais e culturais, o desenvolvimento se traduzirá automaticamente em incremento ocupacional. Haverá sempre mais a necessidade de especialistas em catering3, em orientação, em hospitalidade e na assistência aos turistas, em transportes, de animadores, de organizadores de eventos recreativos e culturais. Ao lado do proliferar das micro-estruturas com caráter local e familiar, se desenvolverão as macro-estruturas transnacionais, com o relativo desenvolvimento organizativo e de informatização. Se as videoconferências e o teletrabalho reduzirão a necessidade de deslocamentos que dá vida ao turismo de negócios, todas as outras dinâmicas sociotécnicas concorrerão para desenvolver o business do turismo de lazer e de cultura, para agilizar seus procedimentos, reduzir os custos e torná-los mais confiáveis.
Por mais forte que possa ser o efeito das tecnologias, da moeda eletrônica, dos ticketless travel (bilhetes virtuais), da difundida informática, mesmo assim a natureza do serviço turístico irá requerer um forte emprego direto de recursos humanos: consultores e projetistas de viagens, guias, excursionistas, acompanhantes, intérpretes, operadores, gestores de estabelecimentos balneários e termais, chefes de cozinha, garçons, barmen, nutricionistas, etc.
3 Fornecimento de comida e bebidas para um grande número de pessoas em festas, casamentos, empresas aéreas...
Indiretamente, o turismo incrementará a ocupação também por meio das atividades ligadas a ele: a publicação de guias turísticos e midiáticos, a organização de museus, as comunicações, a propaganda, a assistência sanitária, as seguradoras, os bancos, os câmbios, assim por diante. Uma conseqüência ocupacional de particular relevo deriva da crescente necessidade de formar todos os operadores do sistema turístico.
Falou-se da segmentação da demanda turística. Pois bem, a falta de uma estratégia precisa de mercado leva muitos operadores a tentar a simultânea sedução de todo tipo de turismo (consciente, alheado, city users, neo-turistas, etc.), misturando pedaços de atrações incompatíveis entre si (o concerto de música de câmara com o Rap, por exemplo), desestimulando toda a clientela em potencial.
As necessidades formatives
Isto nos leva a falar de um outro grave defeito da organização turística: a não preparação profissional dos operadores que, em qualquer papel, influem sobre a oferta turística, do hoteleiro ao secretário municipal, do garçom ao funcionário da agência turística governamental.
A falta de cuidado em relação ao turismo agrava a idéia segundo a qual organizar as indústrias manufatureiras é um dever dificílimo, que requer especializações sofisticadas, enquanto organizar o turismo é uma tarefa à mão de todos, que pode ser entregue ao simples bom senso de operadores genuínos. Infelizmente, pelo contrário, um bom serviço turístico é muito mais difícil que uma boa produção industrial, exigindo uma programação em longo prazo, gosto estético, empenho conjunto, consolidada tradição, atenção em relação às inovações, gerenciamento, paixão, cultura, contínua formação.
Ao lado do erro de entregar a eficiência da organização turística ao bom senso e à boa vontade de cada operador, pode ocorrer o erro oposto, ou seja, de limitar, em uma perspectiva exclusivamente econômico-empresarial, também aqueles fenômenos que, mesmo acontecendo no âmbito das empresas, por sua natureza, não são só econômicos.
Nenhum setor de atividades como o turístico implica dimensões tão diferentes, que vão desde as competências financeiras, até aquelas de marketing, da correta gestão dos recursos humanos, às competências artísticas, esportivas, comerciais, culturais. Além disso, nenhum setor de atividades como o turístico é caracterizado por uma essência tão marcada pela interação entre seus diversos atores: um cliente bem tratado em um hotel pode ficar decepcionado com os serviços de um correio, ou com os modos pouco gentis de um policial.
Se for verdade que se faz necessária uma maciça formação e treinamento de pessoal, é também verdade que esta deve ser total: isto é, se deve recorrer aos instrumentos capazes de alcançar a comunidade na sua totalidade, e cada operador em suas especificidades.
As áreas que devem ser privilegiadas no treinamento turístico são a informática, a logística, a gestão financeira, a normativa; as áreas que devem ser privilegiadas na formação são a criatividade, a estética, a história, a arte, a música, o marketing, a divulgação, a gestão dos recursos humanos, as comunicações.
Tanto na Europa quanto no Brasil, a atividade formativa no setor turístico está atrasada em relação à análoga atividade do setor manufatureiro e bancário. O atraso se manterá enquanto, no setor turístico, a exigência de formação permanente e de treinamento não se tornar consciente e manifesta. Então, haverá a corrida aos seminários e aos estágios, multiplicar-se-ão as boas escolas e, com elas, as oportunidades de trabalho para os formadores especializados.
Conclusões
Tom Peters, em seu livro Liberation Management, escreve: “A monstruosa empresa tecnocrática acabou, está superada, suicidou-se... As novas perspectivas de desenvolvimento não devem ser procuradas nas grandes dimensões e nem nas pequenas, mas, de preferência, no desarticulado, no flutuante, na simbiose com o usuário... É preciso fundir e confundir as funções empresariais, derrubar as fronteiras, criar grupos de trabalho autônomos em contato direto com o mercado, estudar o produto junto com o cliente... Realizar o management do conhecimento, buscar vender uma quantidade sempre maior de inteligência e uma quantidade sempre menor de bens materiais... Se estamos na sociedade do conhecimento, se não podemos pretender ser depositários do conhecimento, é preciso transformar cada organização em uma organização que sabe aprender, estruturar a atividade empresarial como um conjunto de projetos levados para a frente por grupos dotados de ampla autonomia”.
A nenhum empreendimento essas palavras se adaptam melhor que ao empreendimento turístico. Sua organização funciona somente se ele consegue combinar regras de gerenciamento destiladas pelas empresas com fins lucrativos com as experiências comportamentais acumuladas pelas organizações sem fins lucrativos: as primeiras podem contribuir com a dimensão racional e com o sentido de consistência, as segundas podem contribuir com a dimensão da motivação, emotiva, fantasiosa; ambas podem concorrer para elevar aquele nível de criatividade sem o qual não se obtém a satisfação e a fidelidade do turista.
No futuro próximo, então, o setor turístico irá necessitar de mais profissionais, melhor formados e mais motivados: também por isso, trata-se de um setor pós-industrial.
material extraido do portal www.letrasbrasileiras.com.br

 

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