Relator especial para a Liberdade de Expressão da OEA, Edison Lanza participou de mesa-redonda no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e destacou experiências globais que buscam regular a mídia ao mesmo tempo em que defendem e ampliam a liberdade de expressão. Encontro foi promovido pela ONU, Coletivo Intervozes e IESP/UERJ.
Os participantes da mesa-redonda: Giancarlo Summa, Edison Lanza e Suzy dos Santos. Foto: Intervozes/Iara Moura
Foi dessa forma – lembrando a centralidade da comunicação para a democracia ao citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) – que o diretor do Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio), Giancarlo Summa, abriu um evento realizado nesta quinta-feira (6) no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. O objetivo foi debater a regulação da mídia e a liberdade de expressão no Brasil, traçando um paralelo com a situação nas Américas.
A mesa-redonda, “O papel da regulação da mídia na liberdade de expressão”, contou com a participação do relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Edison Lanza, e da professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos. O evento foi promovido pelo UNIC Rio, pelo Coletivo Intervozes e pelo Instituto de Estudos Socais e Políticos (IESP) da UERJ, com apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro.
A presidente do Sindicato, Paula Máiran, deu início ao evento e destacou a necessidade de continuar o debate nos diversos desafios que se colocam para a categoria de jornalistas, como o oligopólio da mídia, as pressões econômicas contra os profissionais e as práticas antissindicais das empresas. “Ao avançar neste tema, precisamos nos perguntar: qual liberdade de expressão?”, questionou Máiran.
Segundo Summa, não existe atualmente no Brasil uma democracia ampla no que diz respeito à liberdade de expressão: “A liberdade de expressão é um direito humano e não significa somente ausência de censura, mas também a diversidade de ideias e jornalistas trabalhando sem ameaças econômicas ou, até mesmo, contra sua integridade física”. Ele lembrou também sobre as crescentes ameaças de violência policial contra jornalistas e outros comunicadores, conforme destacado em relatórios do governo e de organizações não governamentais como a “Artigo 19”.
Para conter o problema, Summa lembrou que a ONU participou de uma iniciativa conjunta com o governo federal e com a sociedade civil brasileira para criar o Observatório da Violência contra Comunicadores. A criação do Observatório foi uma das propostas apresentadas por um Grupo de Trabalho criado no âmbito do Conselho Nacional de Direitos Humanos para discutir a violência contra jornalistas e demais comunicadores. O Grupo encerrou seus trabalhos em 2014, mas até o momento o Observatório ainda não havia sido criado.
Profissionais de mídia, estudantes e interessados no assunto lotaram o auditório do sindicato no Rio. Foto: Intervozes/Iara Moura
O relator da OEA fez um paralelo entre os processos de criação de sistemas de comunicação na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Segundo Lanza, o sistema europeu foi caracterizado por um setor público forte, com credibilidade e relativamente “blindado” da ação dos governos. Como exemplo, citou o caso da TV pública sueca, que segundo ele é a instituição com a maior credibilidade nacional, superando o próprio Parlamento.
O modelo dos EUA, por outro lado, foi constituído por um sistema público também forte, embora com menos força que o europeu e um sistema privado com maior presença que o público. Lanza destacou, no entanto, a importância do órgão regulador norte-americano – a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) –, que segundo o relator é um órgão independente e com uma regulação muito forte. “É o que mantém o contínuo apoio à produção nacional para a televisão, e não é à toa que as séries norte-americanas são tão difundidas no mundo todo”, apontou.
Relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Edison Lanza em evento no Rio. Foto: UNIC Rio/Gustavo Barreto
Para Lanza, foram três os principais posicionamentos dos governos mais recentemente diante do tema, com variações entre eles. O primeiro posicionamento foi o de conformação. “Alguns governos pensaram: já estamos no poder e os meios sempre foram oficialistas, desde sua gênese, passando pelas ditaduras até hoje. Logo, eles continuarão oficialistas”, disse o relator.
Na segunda reação, argumentou, governos como Equador e Venezuela decidiram partir para o enfrentamento – por vezes, disse, adotando instrumentos que violaram a liberdade de expressão. Na terceira hipótese, casos em parte do Uruguai e da Argentina, os Estados aplicaram uma variedade de instrumentos para abordar o tema e dar uma outra perspectiva para as comunicações nas Américas, com experiências interessantes que devem ser avaliadas.
“Em geral, os governos tiveram pouco ou nenhum êxito”, completou Lanza, apontando a necessidade de a sociedade civil se organizar para impulsionar o processo de democratização das comunicações no continente. Ele exemplificou o caso das tentativas de regulação das comunicações na Argentina e no Uruguai, em que todos os campos da sociedade civil – como os movimentos de mulheres, o sindical e LGBT, por exemplo – se uniram para abordar a questão. “A questão dos meios é uma questão de representação de todos os grupos”, lembrou Lanza.
O relator da OEA lembrou que a Organização possui uma série de instrumentos que podem ser utilizados. “Sucessivas decisões da OEA atestam que o monopólio ou oligopólio das comunicações afeta a liberdade de expressão e, portanto, os Estados têm que garantir o pluralismo e a diversidade dos meios. E isso implica em ter regulação, em impor limites”, lembrou Lanza.
Um dos exemplos é a transição do sistema analógico para o digital, que segundo a OEA não pode concentrar mais o setor de comunicações e precisa incluir mais setores da sociedade civil e do poder público. Um dos problemas em relação às decisões já tomadas no âmbito da OEA, lembrou, é que muitas delas não são cumpridas pelos Estados. “Há espaço para que a sociedade civil brasileira e o Estado brasileiro se reúnam na OEA para debater o tema”, acrescentou. “Vamos seguir trabalhando no tema da concentração de meios, com o objetivo de ampliar o pluralismo e garantir a liberdade de expressão. A porta da relatoria [especial de Liberdade de Expressão] está aberta.”
Edison Lanza também destacou que, assim como em outros países das Américas, o Brasil sofre com a violência contra jornalistas em algumas regiões do país. O relator informou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos – órgão judicial autônimo vinculado à OEA –, que recebe casos e petições individuais, possui em processo de análise dois casos envolvendo o Estado brasileiro – o do jornalista Aristeu Guida da Silva, assassinado em maio de 1995, e o do jornalista Vladimir Herzog, morto nas dependências do Exército em 1975 durante o regime militar. Nos dois casos, o Brasil pode ser condenado por se omitir em responsabilizar os culpados pelas mortes.
‘Coronelismo eletrônico’ impede democratização da mídia no Brasil, diz professora
A professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos, apresentou as bases que formam o que classificou de “coronelismo eletrônico”. O coronelismo é uma estrutura complexa de poder que tem como figura central o “coronel”, envolvendo práticas corruptas clientelistas e assistencialistas. Santos explicou que o coronelismo eletrônico, por sua vez, é uma forma de governança, em que o sistema brasileiro de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre o poder nacional e os poderes locais, forma uma rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, entre os quais se destacam os proprietários dos meios de comunicação.
No início da formação deste sistema, explicou Santos, as outorgas de rádio e TV foram distribuídas entre aliados do governo e empresários simpatizantes ao poder, numa prática de clientelismo que, segundo ela, permanece até hoje em todas as regiões do país – e não apenas nas regiões Norte e Nordeste, como se costuma pensar. Ela destacou, por exemplo, que há um “equilíbrio” nacional em relação à distribuição de deputados federais proprietários de rádios e TVs pelo Brasil.
Apesar de a Bahia concentrar a maior quantidade deles, os estados do Sudeste também possuem, destacou Santos, uma quantidade considerável de repetidoras de TV e rádio e de deputados detentores de meios de comunicação. “A mídia é um instrumento de uso privado de quem está no poder”, acrescentou a professora da UFRJ. “O modelo de coronelismo eletrônico é uma barreira para a democratização da mídia no Brasil.”
Santos explicou que, neste sistema, a televisão ainda possui um papel central, com estrutura verticalizada das redes de TV que se estendem aos jornais e rádios estaduais e municipais. “A TV aberta é um espaço privilegiado de representação dos demais espaços, estigmatizando por exemplo a mulher e apresentando a violência como solução, inclusive a violência contra crianças”, lembrou, após mostrar alguns exemplos em vídeo. “Nessa representação, o coronel nunca é um vilão”, destacou. “Não adianta discutir apenas quanto poder tem uma rede de TV, mas também as representações que ela promove.” http://nacoesunidas.org/governos-tiveram-pouco-ou-nenhum-exito-em-democratizar-comunicacao-diz-relator-da-oea-em-evento-da-onu/
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