17 de mai. de 2017

Advogados processados por procurador pedem fim da ação. -Editor- a matéria trata de denúncia contra Dalton Martinazzo Dallagnol por usar condução coercitiva e constangimento de testemunha

BAFAFÁ NO TRIBUNAL

Advogados processados por procurador pedem fim da ação

Os advogados Alessandro Silvério e Bruno Augusto Gonçalves Vianna tentam trancar ação penal a que respondem por representar contra o procurador da República no Paraná, Deltan Martinazzo Dallagnol. Os advogados pediram Habeas Corpus ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e são defendidos na ação pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e seu filho, Carlos Mário Velloso Filho.
Os dois advogados foram denunciados pela Procuradoria da República por denunciação caluniosa. A defesa dos advogados sustenta que, se o procurador admite que os fatos realmente aconteceram, não há que se falar em crime por denunciação caluniosa.
Na representação, os advogados alegaram que o procurador negou acesso aos autos do processo no qual sua cliente foi convocada para depor. Afirmaram também que o procurador usou de coação policial para ouvir a cliente e que a forçou a prestar depoimento sem ter acesso aos autos. A Corregedoria-Geral do MPF arquivou a representação.
O procurador Deltan Dallagnol não negou que os fatos tenham acontecido, mas disse que todo o procedimento foi praticado de modo lícito e de acordo com a lei. Segundo ele, o caso era muito grave e por isso foram necessárias tais medidas. O procurador disse que não houve nenhum desrespeito com relação aos advogados e às testemunhas.
Também disse que até por consideração e por medida de lealdade, deu tempo para que os advogados entrassem com todas as medidas cabíveis na Justiça em defesa de seus clientes. Segundo o procurador, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou o pedido de Mandado de Segurança para que os advogados tivessem acesso aos autos, já que o procedimento era sigiloso.
Com relação ao fato de ele ter dito à testemunha de que ela poderia ser presa em flagrante por falso testemunho se não falasse no depoimento, Dallagnol disse que isso seria possível por ser um procedimento investigatório criminal e que as testemunhas não se sentiram coagidas em nenhum momento.
Para o procurador, seus procedimentos estão dentro da normalidade e isso já foi confirmado pela Corregedoria e pelo procurador que analisou o caso e ofereceu denúncia contra os advogados. Ele alega ter encaminhado à Procuradoria da Republica uma notícia explicando todo o ocorrido com as provas testemunhais e a Procuradoria resolveu entrar com ação contra os advogados. “Só ofereci essa noticia-crime porque eles extrapolaram a defesa jurídica dos clientes ao me acusar de crimes que eu efetivamente não cometi.”
Histórico
O procurador, ao apurar irregularidades nos salários dos servidores da Assembléia Legislativa do Paraná, notificou a servidora Antônia Kaluzny para ser ouvida como testemunha no dia 22 de junho de 2005. No dia do depoimento, a defesa pediu cópia dos autos da investigação para conhecer os fatos que estavam sendo apurados, mas o procurador não aceitou o pedido e alegou que o processo corria em sigilo.
Como a servidora não foi depor, o procurador pediu para que ela fosse encaminhada sob força policial para prestar depoimento no dia 30 de junho. Então, mandou notificar por telefone os advogados da servidora que se ela quisesse evitar a condução coercitiva deveria comparecer dois dias antes da data estipulada.
Um dia antes do prazo determinado pelo procurador para a servidora prestar depoimento sem coerção policial, os advogados informaram por petição que a sua cliente não poderia comparecer porque ela não foi realmente intimada, já que esta solicitação tinha se dado apenas por telefone.
A servidora foi trazida por policiais a prestar depoimento no dia 30 de junho, mas ficou calada no depoimento já que foi orientada pelos advogados de que teria o direito de não falar porque não conhecia o conteúdo dos autos. Mas o procurador a advertiu que ela estaria sujeita a responder pelo crime de falso testemunho e que poderia ser presa em flagrante.
Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO e CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO FILHO, brasileiros, casados, advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, com amparo no artigo 5º, inciso LXVIII, e nos artigos 648 e seguintes do Código de Processo Penal, vêm impetrar
HABEAS CORPUS
em prol de Alessandro Silvério e Bruno Augusto Gonçalves Vianna, advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil- Seção do Paraná, apontando como autoridade coatora o douto Juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que recebeu a denúncia contra eles oferecida pelo Ministério Público Federal, na Ação Criminal n.º 2006.34.00.003233-5 (cópia de inteiro teor dos autos em anexo), com base nos fundamentos a seguir expostos.
FATOS
01. O Procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol, em exercício na Procuradoria da República no Estado do Paraná, determinou a instauração de “Procedimento Investigatório Criminal” com a finalidade de apurar irregularidades ocorridas na Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, quanto a recebimento de salários por servidores.
02. No curso desse procedimento, o Procurador notificou a servidora Antônia Kaluzny, constituinte dos advogados ora pacientes, para comparecer àquela unidade do Ministério Público em 22 de junho de 2005, a fim de ser ouvida como testemunha (fls. 98, da ação penal).
03. Na data agendada, tendo em vista que a testemunha havia sido intimada para fornecer informações sobre supostos recebimentos irregulares de salários por sua pessoa e que, por isso, as suas declarações poderiam auto-incriminá-la, a defesa da servidora peticionou nos autos requerendo cópia do procedimento para conhecimento dos fatos ali apurados (fls. 116, da ação penal).
04. Na mesma data, todavia, o Procurador indeferiu o pleito da defesa, ao fundamento de que o procedimento corria em “sigilo” (fls. 117/133, da ação penal).
05. No dia seguinte, 23/06/2005, o Procurador determinou a requisição “à Polícia Federal a condução coercitiva” da constituinte dos advogados ora pacientes para prestar depoimento “às 10:00 do dia 30/06/05” (fls. 134, da ação penal). Na mesma decisão, mandou notificar, por telefone, os advogados da servidora “para que tomem ciência de que, se suas clientes quiserem evitar a condução coercitiva posterior, poderão comparecer a esta Procuradoria da República no dia 28/07/05, às 10:00, para oitiva”.
06. Em 27/06/05, os pacientes peticionaram ao Procurador da República (fls. 178/183, da ação penal) ponderando que a audiência de sua cliente, marcada para o dia seguinte, sob condução coercitiva, não poderia se realizar, uma vez que ela não havia sido intimada para tal ato, sendo certo que a notificação telefônica de seus advogados não supriria a falta. Argumentaram, ainda, que, sendo ela funcionária pública, incidiria o artigo 221, § 3º, combinado com o artigo 218, do Código de Processo Penal, que determina a comunicação da condução coercitiva da funcionária pública a seu superior hierárquico, “com indicação do dia e da hora marcados”.
07. Inobstante as sérias irregularidades apontadas, a constituinte dos pacientes foi conduzida coercitivamente no dia 30/06/05, tendo os pacientes, conforme registra a certidão de fls. 192, da ação penal, demonstrado a sua “irresignação com a condução coercitiva realizada, por entenderem que é ilegal, caracterizando até mesmo constrangimento ilegal.”
08. Conforme anota a mesma certidão de fls. 192, da ação penal, “orientaram, ambos os advogados, as suas constituintes a exercerem o direito de permanecerem caladas pois não têm conhecimento do conteúdo probatório que instrui o procedimento.”
09. A orientação dada pelos pacientes, entretanto, não pôde ser seguida por sua constituinte, eis que o Procurador da República, ainda consoante a certidão de fls.192, da ação penal, advertiu-a “de que estará sujeita às sanções legais do crime de falso testemunho, inclusive as decorrentes da situação flagrancial”.
10. Afinal, o depoimento acabou sendo prestado, como se vê do termo de fls. 195/196, da ação penal.
11. Diante disso, os advogados ora pacientes, em 04/07/05, ofereceram representação contra o Procurador da República ao Corregedor-Geral do Ministério Público Federal (fls. 11/16, da ação penal), em que se apontou a prática das irregularidades acima mencionadas, quais sejam:
a) realização de condução coercitiva de testemunha para prestação de depoimento, sem que fosse ela prévia e pessoalmente notificada do ato (avisaram-se apenas os seus advogados, ainda assim por telefone), com afronta ao artigo 370, combinado com o artigo 351, do CPP,
b) realização de condução coercitiva de funcionária pública, sem observância do procedimento previsto nos artigos 218 e 221, § 3º, do CPP,
c) constrangimento de testemunha a não permanecer calada, inclusive cogitando de prisão em flagrante por falso testemunho (artigo 342, do CPP), quando se sabe que o tipo legal invocado não alcança as convocações para depor em “procedimento investigatório” instaurado no âmbito no Ministério Público, mas apenas as declarações prestadas “em processo judicial ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.”
12. Narrados objetivamente esses fatos, os representantes manifestaram o seu entendimento de que as condutas descritas subsumiriam-se aos tipos penais estabelecidos nos artigos 146, do CP (constrangimento ilegal); 148, do CP (seqüestro); 3º, alínea a, e 4ª, alínea a, da Lei n.º 4.898/65 (abuso de autoridade); e 1º, inciso I, alínea a, da Lei n.º 9.455/97 (tortura).
13. Aludida representação restou arquivada pela Corregedoria-Geral do MPF (fls. 213/215, da ação penal). Registre-se, contudo, que a decisão do Corregedor admitiu como verdadeiros os fatos narrados pelos representantes, limitando-se, tão-somente, a discordar da qualificação jurídica a eles dados pela representação. Em outras palavras: teve os fatos como efetivamente ocorridos mas considerou-os atípicos.
14. Em vista desse arquivamento, o Procurador da República formalizou representação criminal contra os pacientes junto à Procuradoria da República no Distrito Federal (fls. 09/10, da ação penal), que os denunciou pela suposta prática do crime de denunciação caluniosa, previsto no artigo 339, do Código Penal (fls. 03/05, da ação penal).
15. Este habeas corpus tem como objeto o despacho de fls. 259, que recebeu a peça acusatória, eis que a conduta dos pacientes é absolutamente atípica.
16. Registre-se que todos os fatos sumariados acima, a par de documentados nos autos da ação penal, são admitidos pelo próprio Procurador da República, na defesa que apresentou à representação contra ele ofertada (fls. 25/52, da ação penal).
CABIMENTO DO PRESENTE HABEAS CORPUS
17. No presente habeas corpus busca-se o trancamento da ação penal, ante a falta de justa causa. Para tanto, será demonstrada, mediante a interpretação da denúncia em conformidade com as peças que a embasam, a absoluta atipicidade da conduta dos pacientes.
18. Com efeito, em habeas corpus que, como este, pretendia o trancamento da ação penal, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “a alegação de atipicidade da conduta, na hipótese de denunciação caluniosa, pode ser apreciada mediante simples consulta a peças do processo” (RHC n.º 5.312, 5ª Turma, DJ de 02/04/96). –grifou-se-
19. Na mesma direção o sentenciado pela mesma Corte no RHC n.º 10.772, 6ª Turma, DJ de 29/10/01:
“RHC. TRANCAMENTO. INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. ATIPICIDADE DO FATO. FALTA DE JUSTA CAUSA. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA.
Não se mostra temerário o trancamento de inquérito policial por falta de justa causa, quando resta evidenciada, como na espécie, a atipicidade do fato, não configurando a ação crime em tese. Recurso provido.” -grifou-se-
20. No mesmo diapasão, decidiu a egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região:
“PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO POR VIA DO HABEAS-CORPUS.
1. (...)
2. Há possibilidade de trancamento de inquérito policial, via habeas-corpus, se o fato apurado evidentemente não constituir ilícito penal.” -grifou-se-
21. Adequada, portanto, a pretensão veiculada no presente habeas corpus.
A ATIPICIDADE DA CONDUTA DOS PACIENTES
22. Conforme se viu, os fatos imputados pelos pacientes ao Procurador da República, suposta vítima do crime de denunciação caluniosa, são absolutamente verdadeiros, sendo que nem ele, na defesa apresentada à representação, nem o Corregedor-Geral do MPF, na decisão de arquivamento, negaram a veracidade da conduta imputada. Em uma palavra: admitem os fatos mas defendem a sua atipicidade.
23. Com relação ao fato de o Procurador da República não ter notificado a testemunha da data da oitiva a que seria conduzida coercitivamente (30/06/05), reconheceu o representante do parquet que realmente não a intimou porque já a havia convocado para a audiência do dia 22/06/05, a que ela não compareceu. Assim, justifica que a intimação para o dia 30/06/05 seria dispensável. Confira-se a manifestação do Procurador (fls. 40, da ação penal):
“Esquematicamente, os fatos se sucederam do seguinte modo em relação a Antônia: 1) Antônia foi regularmente notificada para depor dia 22/06/05 (fl. 289 e 322); 2) Antônia não compareceu ao ato; 3) determinou-se em 23/06/05 a condução coercitiva de Antônia a ser efetuada no dia 30/06/05, sendo expedido ofício à Polícia Federal em 24/06/05 (fls. 366 e 368); 4) são contatados os advogados de Antônia para que esta compareça em 28/06/05 se quiser evitar a condução coercitiva (fls. 366 e 367); 5) Antônia pede em 24/06/05 a juntada de procuração outorgada para seus advogados, ora representantes (fls. 385/386); 6) Antônia não comparece à Procuradoria em 28/06/05; 7) é realizada a condução coercitiva de Antônia em 30/06/05.
Ou seja, o contato telefônico efetuado com os advogados facultando o comparecimento da testemunha em dia anterior ao da condução coercitiva foi feito, com aplicação dos princípios da economia e instrumentalidade, tão somente a fim de se evitar condução coercitiva, e não para repetir o ato de notificação anterior, o qual já tinha se consumado e não havia sido frutífero
Desse modo, não existia qualquer necessidade ou imposição legal que justificasse fosse cientificada Antônia novamente. Na hipótese de ter sido contatada, ainda que por telefone (fato que o signatário desconhece), isso terá sido mera concessão benéfica a ela que se efetivou em aplicação dos princípios acima citados.”
24. No que toca ao fato de o Procurador não ter comunicado ao superior hierárquico da testemunha, que é servidora pública, o dia e hora da condução coercitiva, conforme determinam os artigos 218 e 221, § 3º, do CPP, o fato também não foi negado. Limitou-se o Procurador a sustentar a não incidência dos dispositivos ao Procedimento Investigatório Criminal (fls. 42, da ação penal):
“Pois bem, os representantes insurgem-se pois pretendem agora que suas clientes houvessem sido notificadas para prestar testemunho na pessoa de seu superior hierárquico, alegando que deveriam ser aplicadas as regras do Código de Processo Penal que regem a instrução de processos penais que tramitam perante o Poder Judiciário.
Contudo, o Procedimento Investigatório Criminal, então presidido pelo Procurador firmatário, não é processo penal mas sim um processo administrativo ministerial, regido pelas disposições da Resolução 77/04 do CSMPF e da LC 75/93. Embora se apliquem subsidiariamente as regras do Código de Processo Penal, o correlato disciplinado por esse diploma legal é o inquérito policial, presidido por Delegado, e não o processo criminal, conduzido por juiz.
Desse modo, não se aplicando as regras específicas do processo perante o juiz do Procedimento Investigatório Criminal e não existindo a exigência da notificação do superior hierárquico em sede de inquérito policial, é infundada a alegação dos representantes.”
25. E quanto ao último fato indigitado, qual seja, o constrangimento da testemunha a não permanecer calada, com a cogitação da possibilidade de prisão em flagrante pelo crime de falso testemunho, isto igualmente não foi negado. Circunscreve-se o Procurador a argumentar que, ao contrário do sustentado pelos pacientes, o crime de falso testemunho (artigo 342, do CP) pode, sim, se dar no Procedimento Investigatório Criminal (fls. 44):
“Argumentam os representantes que o Procedimento Investigatório Criminal não se enquadra nas categorias citadas expressamente no tipo penal, de modo que não ocorreria, nem em tese, adequação típica. Aduzem que embora o procedimento ministerial se aproxime do inquérito policial, é vedada no direito penal analogia in malam partem.
Contudo, o Procedimento Investigatório Criminal se enquadra no conceito de processo administrativo, abarcado pelo tipo penal em análise.”
26. Ora, se os fatos imputados na representação formulada pelos pacientes são verdadeiros, não se pode falar no cometimento do delito de denunciação caluniosa, que pressupõe a chamada falsidade objetiva, isto é, a increpação de fatos inverídicos.
27. E ainda que não se concorde com o enquadramento, promovido pelos pacientes, da conduta do Procurador em tipos penais abstratos, tal circunstância não tem qualquer relevância na questão relativa à configuração ou não do delito de denunciação caluniosa, eis que, na dicção do Supremo Tribunal Federal, “não constitui calúnia a imputação ao ofendido da prática de crimes identificados apenas pela menção às denominações legais dos tipos” (Código Penal Interpretado, Mirabete, Atlas, 1999, pág. 774). –grifou-se-
28. Embora a transcrição supra refira-se à calúnia, é ela inteiramente aplicável ao caso, pois “estreita afinidade apresenta ainda o crime do art. 339 como o art. 138, pois ambas se constituem de imputação falsa de crime, sendo que diferem, porque a do primeiro dispositivo é produzida perante a autoridade pública” (Direito Penal, Magalhães Noronha, Saraiva, 1988, pág. 351). –grifou-se-
29. A propósito, a denúncia traz em si uma contradição: nega que os fatos imputados pelos pacientes ao Procurador possuam tipicidade, mas os consideram aptos a caracterizar, contra eles, o delito de denunciação caluniosa, que, repita-se, demanda a imputação fato criminoso.
30. Essa contradição, por sinal, já foi constatada pela jurisprudência em casos semelhantes, conforme registra Mirabete (obra citada, pág. 1837):
“TJSP: ‘Sendo da essência do delito de denunciação caluniosa que se impute a alguém a prática de crime de que se o sabe inocente, contraditória é a denúncia que reconhece ser o fato imputado penalmente irrelevante’ (RT 602/638).” -grifou-se-
31. Interessante, ainda, os seguintes julgados colacionados pelo mesmo autor (obra citada, págs. 1837, 1838):
“TJSP: Se o denunciante imputa ao denunciado fato verdadeiro que, porém, não caracteriza o delito apontado, não falseando a verdade nem lhe imputando crime de que o sabe inocente, inexistente dolo específico, falta justa causa para o inquérito policial instaurado por denunciação caluniosa, que representa constrangimento ilegal, devendo ser concedida ordem de habeas corpus para seu trancamento’ RT 639/294).” -grifou-se-
“TJSP: ‘Denunciação caluniosa. Delito nem sequer em tese caracterizado. Fato real, existente e objetivamente verdadeiro, objeto da notitia criminis levada pelo indiciado à Polícia. Ausência de justa causa para abertura de inquérito. Arquivamento. Inteligência dos arts. 339 do CP e 648 do CPP. Para que se configure , em tese, a denunciação caluniosa, a acusação deve ser objetivamente falsa, isto é, deve referir-se a fato inexistente ou que não foi praticado pela pessoa acusada.’ (RT 560/296-7).” -grifou-se-
32. No mesmo sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (HC n.º 8.341, 6ª Turma, DJ de 19.04.99):
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO. ‘HABEAS CORPUS’.
Para configurar o crime de denunciação caluniosa é necessário que o fato descrito na falsa denunciação constitua típico ilícito penal. Mera querela desenvolvida entre Juiz e advogado, da qual resultou pedido de investigação para apurar fatos atípicos não autoriza a promoção de ação penal por denunciação caluniosa. Habeas-corpus concedido.” -grifou-se-
33. E também do Supremo Tribunal Federal (RHC n.º 64.175, 2ª Turma, DJ de 08/08/86):
Habeas CorpusDenunciação caluniosa. Imputação de Fato Atípico. Para se perfazer o ilícito da denunciação caluniosa cumpre seja penalmente típico o fato noticiado com vistas a desencadear o processo judiciário. Ordem concedida.” -grifou-se-
34. Demonstrada, destarte, a atipicidade da conduta dos pacientes, cumpre conceder a ordem para determinar o trancamento da ação penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
35. O advogado, nos termos do artigo 133, da Constituição Federal, é indispensável à administração da justiça. Diz o artigo 1º, da Lei Federal n.º 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da OAB, que “no seu ministério privado o advogado presta serviço público exerce função social.”
36. Nesse contexto, o advogado, antes de receber a sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, deve, nos termos do artigo 20, do Regulamento Geral da Advocacia e da OAB, prestar o seguinte compromisso:
Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.” -grifou-se-
37. Nota-se, dessa forma, que o advogado não é um profissional liberal comum. No exercício de sua profissão não pode visar exclusivamente ao lucro. Tem como dever defender os valores maiores do Estado de Direito.
38. Foram esses ideais que moveram os pacientes a formular a representação que lhes custou o processo-crime. Eles tinham em mente que, se entendiam que a autoridade condutora do procedimento investigatório incorrera em irregularidades, as quais, segundo a sua ciência e a sua consciência, consubstanciavam violações de direito, não poderiam se omitir.
39. Assim é que, sem falsear a verdade, levaram os fatos à Corregedoria-Geral do MPF, para que o órgão disciplinar dissesse a respeito da legalidade ou não da conduta imputada.
40. Embora não se concorde com as suas conclusões, não se pode deixar de respeitar a decisão da Corregedoria, que, tendo como verdadeiros os fatos imputados, considerou-os regulares. Mas, renovadas as vênias, assistir a submissão dos advogados, que nada mais pretenderam senão cumprir o seu dever, ao pólo passivo de uma ação penal é revoltante!
41. Essa indignação, aliás, paira entre os advogados e juristas paranaenses, que, pela voz do eminente Professor René Ariel Dotti, após dar notícia da forma ética, competente e idealista com que os pacientes, jovens e destacados professores e advogados daquele Estado, exercem a profissão, solicitaram aos impetrantes o ajuizamento deste writ.
42. Tomados pela mesma comoção, os impetrantes aceitaram a incumbência, recusando o recebimento de honorários. Está em jogo não apenas o interesse dos pacientes, mas a independência e a liberdade de atuação de toda a classe dos advogados.
43. Confiam, pois, os impetrantes que essa egrégia Corte, fiel guardiã do Estado Democrático de Direito, não permitirá que a ação penal em tela continue, com o seu curso, desestimulando jovens advogados a cumprir o dever legal que juraram observar.
PEDIDO
44. Face ao exposto, requerem os impetrantes a concessão da ordem para que seja trancada a ação penal.
Brasília, 12 de junho de 2006
Carlos Mário da Silva Velloso
OAB/MG n.º 7.725
Carlos Mário da Silva Velloso Filho
OAB/DF n.º 6.534
http://www.conjur.com.br/2006-jul-07/advogados_processados_pedem_fim_acao_penal


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